PorEssasPáginas 29/01/2014
A Cuca Recomenda Terra Morta - Fuga - Por Essas Páginas
Adquiri esse o e-book de Terra Morta – Fuga há alguns meses, quando a Editora Draco fez uma promoção dele. Antes disso eu já estava curiosa para ler essa versão do apocalipse zumbi pelo autor Tiago Toy. Ainda não conhecia o trabalho dele, mas como o livro foi publicado pela Draco, em 2012, é claro que eu já esperava algo bom, afinal, a editora é bem seletiva com seu material. Qual não foi minha surpresa quando o próprio autor, Tiago, entrou em contato com a gente para uma parceria? (portanto, fiquem de olho que vamos ter promoção!) Logo subi o livro na minha enorme pilha de leituras e praticamente o devorei durante a Maratona Literária. Ágil, vibrante, empolgante e cheio de reviravoltas, Terra Morta – Fuga é o melhor livro de zumbis brasileiro que eu já li.
A primeira coisa realmente interessante em Terra Morta – Fuga é que ele se passa no Brasil, mais especificamente no interior de São Paulo, e sua ambientação é tão cuidadosa que você realmente se sente nos lugares. Dá para perceber como o autor tem conhecimento das cidades, das estradas etc., e por isso a imersão aqui é completa. Na verdade, até mesmo a capa foi criada em cima de uma foto real tirada pelo autor, o que achei sensacional; dentro do livro tem a foto como foi tirada, ou seja, sem zumbis, é claro. Vocês sabem que eu fico sempre reclamando de como eu queria mais livros que se passem no Brasil, etc., e aqui não me decepcionei: a escolha dos cenários foi acertada. Se você pensar friamente, seria bem mais sensato uma invasão zumbi acontecer vinda do interior, das pequenas cidadezinhas, certo? Sei lá, eu também penso assim, acho que faz muito mais sentido. Já li outros livros de zumbis no Brasil e não senti a imersão no clima do país como senti aqui, então o livro já ganhou vários pontos comigo apenas por esse fato.
Aqui acompanhamos Tiago, personagem principal da trama e narrador, um jovem de seus vinte e poucos anos, praticante de parkour (o que foi muito legal, pois foi útil para explicar como ele conseguia realizar saltos e fugas com desenvoltura), é um cara totalmente egoísta e que só pensa no próprio umbigo. Sim, em um apocalipse zumbi, você não sobrevive muito tempo se não for um pouco egoísta, mas Tiago não é apenas egoísta, mas sim egocêntrico, e claramente o personagem favorito do autor. Ele divide com o autor o mesmo nome e, confessadamente, é inspirado nele em vários aspectos. Pessoalmente, eu não gosto de personagens com o mesmo nome do autor e quando percebi isso durante a leitura (não li a sinopse antes, às vezes faço isso com alguns livros) fiquei parada uns cinco minutos tentando absorver o fato. Sei lá, é confuso; você começa a pensar se o personagem é o autor, se o autor é o personagem, e eu não gosto disso. Sim, um personagem muitas vezes compartilha características de um autor. Mas acho que é preciso de um limite pra isso, a menos que você esteja fazendo uma autobiografia. Pra mim personagem e autor são dois elementos separados.
“Talvez, se eu soubesse dirigir, teria deixado Daniela para trás, mas não é o caso.”
Por isso mesmo preciso desabafar: detestei o Tiago (o personagem). Como eu disse, ele é egocêntrico ao extremo e isso me irrita. Ele se acha o bom e, friamente, ele não é tudo isso que vende – como geralmente acontece com pessoas que se acham. Logo no final do primeiro capítulo ele encontra Daniela, uma jogadora de handball de outra cidade que estava em um campeonato em Jaboticabal. Ela estava escondida no ginásio por semanas, sobrevivendo completamente sozinha, em uma situação extrema em uma cidade estranha. Isso não é pouca coisa, mas Tiago praticamente a despreza. Mas deixa eu abrir um espaço pra falar sobre a melhor personagem do livro.
Acredito que Tiago (o autor) criou uma personagem incrível e complexa, interessantíssima, e fez isso sem se dar conta do fato. Ele nem parece gostar da personagem, na verdade, dá pra sentir na forma como ele a descreve e, principalmente, na forma como Tiago (o personagem) fala dela. Daniela “narra” apenas o segundo capítulo – isso porque o capítulo é narrado em terceira pessoa, diferente do restante do livro, que é em primeira – mas é nele que a personagem conta a história de como chegou àquela situação. Foi um dos capítulos que mais me envolveu. Ela e Tiago juntam-se para sair da cidade, mais por insistência da garota, pois ele queria era pegar suprimentos no ginásio e se mandar, isso porque ela o recebeu ali, confiou nele, deu-lhe água e comida e um lugar para dormir (já falei como esse personagem é egoísta?). Ele dizia que ela seria um “fardo” para ele. E repete isso por quase todo o livro, mesmo após a garota ter salvado sua vida no mínimo umas cinco vezes (eu até contei). Daniela acaba se mostrando uma combatente audaciosa, imprevisível, inconsequente até, mas muito eficiente. Ela tem cenas incríveis destroçando zumbis e até mesmo pessoas. É o tipo de garota que ou eu faria amizade para ela me proteger ou eu correria para a outra extremidade, porque algumas vezes ela parece completamente fora de si. Mas por isso mesmo ela é interessante: ela parece esconder um passado, uma história, talvez até mesmo algum segredo horrível. Metade do porque eu devorei o livro foi para ler mais sobre Daniela: a outra metade foi porque o livro é bem escrito, com uma narrativa envolvente e angustiante.
“Daniela é mais rápida e avança sem medo. Primeiro crava as unhas em sua orelha esquerda e com a outra mão aplica um tremendo soco. O sangue espirra violentamente de seu nariz.
Levanto-me com dificuldade para ajudar, mas ela não parece precisar. Com uma joelhada, o acerta no saco e, com o vacilo, desfere uma cotovelada em sua nuca. No chão, Amarelo não consegue evitar o chute na cara, rolando para a sarjeta.
- Seu porco desagraçado! – cospe no bandido.”
Só pra demonstrar pra vocês como essa garota é demais. Não bastasse tudo o que ela fez, ela ainda cospe no cara. Sensacional. No meu blog pessoal deixei uma imagem que acho que traduz o quanto ela é incrível.
Daniela e Tiago seguem fugindo de zumbis e procurando sair da cidade, esbarrando em alguns personagens, juntando-se a Ricardo (outro personagem interessante, que foi decisivo em certo ponto da história). É um livro rápido, cheio de reviravoltas de tirar o fôlego e, por isso mesmo, você não consegue parar de ler. Algumas vezes havia cenas de certa maneira rápidas demais, o que me fazia tomar um susto ao perceber que tinha saído de um ponto e chegado a outro em pouquíssimas páginas, mas notei que isso é uma característica do autor e não afetou negativamente o livro, pelo contrário, na maioria das vezes foi enriquecedor. É o clima de um livro de zumbis, afinal, e o leitor espera e deseja isso.
Outro fator interessantíssimo é que o livro não se passa apenas em um ambiente devastado por zumbis. Em certo ponto há uma reviravolta e uma mudança de cenário que foi extremamente positiva e enriqueceu e muito a história. Fugiu do clichê “o mundo inteiro está devastado, não existe mais nenhum lugar seguro”. Na verdade, mesmo os lugares aparentemente seguros – sem zumbis – são perigosos, às vezes até mais, e então voltamos ao questionamento sempre válido que aparece em uma história sobre zumbis: o real perigo são as criaturas… ou as pessoas?
Um problema que encontrei em alguns momentos foi certa falta de coerência em algumas situações por parte dos personagens. Voltando à relação Tiago-Daniela, várias vezes ele foi extremamente grosseiro com ela e a garota muitas vezes nem respondia ou assumia uma atitude humilhante, apática, e recolhia-se à sua insignificância, como se “Tiago tivesse realmente salvado sua pele” – como ele jogava na sua cara várias vezes. Não, não, ela salvou muito mais vezes a pele dele e, pela personalidade explosiva da personagem eu esperava um pouco mais de atitude nessas horas, mesmo que ela tivesse se apegado a Tiago. Ela simplesmente não deu pinta de ser submissa, muito pelo contrário, e o que acontecia era uma descaracterização da personagem. Já em outros momentos o “tão prudente Tiago” aceitava facilmente situações absurdas (teve uma que ele aceitou após uma descoberta sobre Ricardo, mas não posso contar, é spoiler) e achava errado Daniela se exaltar. Sinceridade, eu também ficaria louca com esse tipo de situação, principalmente se colocasse minha pele em risco! E Tiago, o tão prudente Tiago, praticamente não se abalou. Sim, foi bem incoerente.
“- Lá na cidade você não se importou de como eu os chamava enquanto te salvava.
Ricardo assovia alto e revira os olhos. Daniela se limita a um olhar contrariado, calada.”
(Não, ele não a salvou, pelo menos não tanto quanto ela o salvou. Como eu discuti com esse personagem! Argh!)
Mas à medida que fui avançando as páginas percebi o quanto a história , os personagens e narrativa do autor estavam evoluindo. Até mesmo Tiago evoluiu bastante (e gradualmente), o que muito me agradou. Ele ainda é fiel às suas características, mas se torna uma pessoa melhor. Quando cheguei ao final do livro não estava caindo de amores por ele, mas certamente minha antipatia diminuiu um pouco. O que senti durante a leitura desse livro foi um autor que era imaturo e foi evoluindo muito enquanto contava sua história e agora promete um livro ainda melhor em sua continuação.
Sim, Terra Morta – Fuga tem continuação (mas eu já sabia disso, então não fiquei nervosa como costumo ficar). Ela demorou para sair, mas a boa notícia é que ela vai sair ainda esse ano, também pela Editora Draco. Estou bem ansiosa para ler esse livro, ainda mais porque o final foi muito aberto: é aquele tipo de final de livro que mais parece um gancho para um próximo capítulo e não um próximo livro. Fechou por um lado, mas deixou mais coisas abertas do que concluídas. Resultado: você vai ler o primeiro livro e querer logo ler o segundo. Fico com dó de quem teve que esperar dois anos para a sequência. Mas nesse meio tempo, os leitores tiveram também um lançamento bem criativo, a coletânea Terra Morta: relatos de sobrevivência a um apocalipse zumbi, que reuniu contos do autor, mas também de outros autores, cada um mostrando suas próprias visões sobre personagens e situações do universo do livro. Achei que foi uma jogada interessantíssima tanto para divulgar a série, como para explorar e mostrar mais desse universo. Ainda quero ler esse livro. Para quem quiser conhecer a coletânea, clique aqui.
E aí, a Cuca recomenda? Sim, e muito! Para fãs do gênero como eu é um prato cheio. Para completar, é cheio de referências nerds e algumas vezes tive até um sentimento de Resident Evil, o que foi ótimo. Não é um livro perfeito, mas é uma leitura incrível, envolvente, angustiante como deve ser esse tipo de história. Dei cinco estrelas mesmo com os poréns que mencionei porque eles não atrapalharam a leitura, ela continuou sendo ótima mesmo assim. Até agora foi de fato o melhor livro de zumbis brasuca que eu já li. Até mesmo o fato de eu detestar o personagem principal não foi um problema, mas uma qualidade, pois eu conseguia me divertir discutindo com ele (às vezes em voz alta). No fundo, não importa se você gostou ou detestou um personagem, mas sim o fato de que ele envolveu o leitor o suficiente para despertar-lhe sentimentos, e é isso que torna um livro bom: o leitor se envolver com os personagens, torcer por eles, brigar com eles, e certamente isso acontece aqui. É um livro em que você anseia por descobrir mais e mais e quer acompanhar os personagens até o fim. Não há outra palavra para descrever: Terra Morta – Fuga me infectou.
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