Carol Nery 23/08/2018“- A volta ao mundo em oitenta dias?
- Sim.
- Quando?
- Imediatamente.
- Isso é loucura!”
Lendo esse diálogo inicial entre o Mr. Phileas Fogg e outros cavalheiros na sede do Clube que frequentavam, já se pode ter um ótimo prenúncio do clima dessa magnífica obra. Em 'A Volta ao Mundo em 80 dias', Júlio Verne nos conta a história de um gentleman inglês que após fazer uma aposta com seus colegas de um Clube para Cavalheiros – o Reform Club – que consistia em realizar uma viagem em torno do globo em apenas 80 dias. Caso não cumpra essa meta estipulada em dia e hora certa para se apresentar, Mr. Fogg abrirá mão de uma quantia de 20 mil libras que seria descontada em um cheque em favor dos cavalheiros do Clube.
O motivo real e que deu início a essa ideia da aventura em ínfimos 80 dias se deu quando a notícia de um grande assalto que aconteceu no Banco da Inglaterra três dias antes dessa conversa entre os cavalheiros. O sujeito possuía boas descrições, boa aparência, e ele levou 55 mil libras consigo. Fogg logo afirma aos colegas que dificilmente o ‘ladrão’ seria pego, pois na atualidade em que viviam, e com os avanços tecnológicos, facilmente se daria a volta entorno do globo no prazo de 80 dias. O assunto ficou acalorado e sendo discutido pelos senhores onde, ora buscaram colocar a teoria ora a prática desse planejamento a favor dos seus próprios argumentos.
Para Fogg, mesmo com qualquer dificuldade, imprevistos ou entreveros que pudesse haver durante o trajeto, ainda assim era possível fazer a volta ao mundo nos falados 80 dias. E dessa forma o gentleman resoluto combinou com os colegas a respeito dessa aposta, e seguiu imediatamente para sua casa, onde juntamente de seu funcionário, o qual chamamos pelo nome Passepartout – mas, na verdade se chamava Jean – seguiram para a maior aventura de suas vidas.
“Phileas Fogg pertencia ao grupo das pessoas matematicamente exatas, que, nunca afobadas e sempre prontas, economizam os próprios movimentos, escolhendo invariavelmente o caminho mais curto.”
Quando Passepartout buscou trabalho na casa de Mr. Fogg ele acreditava em uma vida pacata e de sossego servindo a seu senhor; afinal de contas Phileas Fogg é um homem enigmático, cheio de rotinas, metódico, enfim... Não aparentava ser dado a aventuras. Em uma reviravolta em poucas horas após ser contratado, os dois – patrão e empregado – deixam a casa sem bagagem; não era necessário levar nenhum dos seus pertences, nenhuma mala, e o que precisassem comprariam no caminho. Mr. Fogg levou uma considerável quantia em dinheiro, certo de que cumpriria o prazo da viagem, e não perderia 20 mil libras que tinha depositado no banco, e que havia deixado aos cuidados dos cavalheiros do Reform Club.
No decorrer da viagem realmente acontecem os imprevistos que geralmente somos acometidos. Por exemplo, a linha do trem que viajavam terminar em tal trecho, assim de repente, por estar inacabada, e os passageiros terem que se virar para chegar até a estação mais próxima. Nenhuma dessas dificuldades tirara em nenhum momento o ânimo de Fogg que sempre conseguia contornar os obstáculos, nem que precisasse prometer alguma recompensa financeira.
Em determinado momento, antes de deixarem os domínios ingleses e partirem rumo à China, encontraram uma jovem indiana chamada Alda, que estava correndo o risco de morrer queimada junto com seu falecido marido. Em suas peripécias, Passepartout conseguiu resgatar a jovem que a partir daquele momento, segue a viagem com eles a fim de ser entregue a parentes em Hong Kong.
“A volta ao mundo em oitenta dias! Estaria se havendo com um louco? Não...”
A leitura se dá de forma muito ágil, pois em todo o tempo acontecem situações inusitadas que precisam de atitudes mirabolantes de Fogg, como também de Passepartout, para que consigam vencer o trecho determinado da viagem, pois sempre existe um dia e horário correto para se pegar o próximo tipo de condução no país seguinte.
Sem contar que durante a aventura, conhecemos o inspetor de polícia chamado Fix. Ele acredita que as características do sujeito que assaltou o banco na Inglaterra batam fielmente com as características de Mr. Fogg e o segue durante todo o percurso, correndo sempre contra o tempo, pois o mandato que solicitou para a prisão do gentleman nunca chega no momento oportuno. Esta obra de Verne não é uma história que teve somente um momento de bom clímax, mas diversos clímaces em momentos estratégicos.
A edição da editora Zahar é ilustrada e contém inúmeras notas explicativas que auxiliam como também se tornam essenciais para o melhor entendimento da obra, que é cheia de referências a fatos históricos. Interessante ressaltar que podemos encontrar nas notas algumas “correções” feitas a um e outro equívoco que Verne cometeu durante a escrita. Uma excelente edição para aqueles que gostam de entrar de cabeça e ir a fundo dentro de uma história.
“Feitas as contas, Mr. Fogg não ganhara nem perdera nenhum dia.”
A obra 'A Volta ao Mundo em 80 Dias' foi lançada em fascículos/episódios no Les Temps – jornal cotidiano parisiense que circulou até o ano de 1942 – no ano de 1873, algo inovador que causou grande furor na época. Tanto os jornais europeus, como os americanos publicavam as aventuras de Phileas Fogg em sua absurda aventura em 80 dias. Foi um sentimento de frustração na época perceber que o aventureiro não existia, tão somente saiu do imaginário e nas páginas escritas por Verne.
Vivendo em uma época onde a tecnologia não havia dado seus primeiros passos, a escrita do autor se mostra extremamente viável, crível. Suas previsões tecnológicas poderiam beirar o impossível na época em que foram escritas, mas já há algum tempo denota de forma incrível sua capacidade perceptiva e de “previsão do futuro”. Existem relatos – ditos pelo próprio Santos Dumont – que o pai da aviação se inspirou em Verne para que desenvolvesse seus projetos aéreos.
Verne era aficionado com História, com Geografia, com viagens marítimas... E ele nos brinda como uma escrita cheia de aventuras, de sonhos, de resiliência, e descrições minuciosas que nos leva aos países e culturas visitadas sem sair de casa; só por ter um livro nas mãos. Acredito que durante e após a leitura de A Volta ao Mundo em 80 Dias, o leitor poderá ficar como que ruminando esse espírito heroico que Verne descreve tão vem. O seu Phileas Fogg não desiste frente à primeira dificuldade, e sempre com um semblante sereno, propõe uma solução para o revés. Quero mais desse espírito nas minhas labutas diárias!
Jules Verne nasceu em 8 de fevereiro de 1828 na cidade de Nante. É considerado por alguns críticos literários como precursor da ficção científica na literatura – ele previu em suas obras a viagem à Lua, o surgimento de submarinos, a televisão, e máquinas voadoras, por exemplo. Faleceu em 1905, aos 77 anos, após solicitar que lhe levassem o exemplar de Vinte mil Léguas Submarinas que não conseguiu se quer abri-lo uma última vez.
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http://www.coisasdemineira.com/2018/08/resenha-volta-ao-mundo-em-80-dias-jules.html