Andreia Santana 19/10/2011
Verne em três viagens - A volta ao mundo em 80 dias
A narrativa ágil de Júlio Verne encontra seu desenvolvimento máximo em A Volta ao Mundo em 80 Dias, livro que ele publicou em 1873. A obra conta a história de um cavalheiro inglês chamado Phileas Fogg, cuja fortuna e a vida é um grande mistério. Britânico ao extremo – o que quer dizer que Fogg é o estereótipo do homem fleumático, metódico e pontualíssimo – o cavalheiro leva uma vida quase monótona. Segue horários rígidos e um programa diário que inclui passar longas horas lendo jornais – ele cronometra o tempo que leva na leitura de cada períodico – e jogando no clube de cavalheiros mais exclusivo da cidade. Ninguém sabe de onde ele veio, de quem herdou tamanha fortuna, o que sente ou pensa. Fogg não tem amigos, não é casado, não tem família. É o protótipo do lorde inglês antipático e tradicional, seguidor da etiqueta do cavalheirismo, mas incapaz de um gesto que demonstre que é humano.
Mas, um dia, decide apostar com os outros cavalheiros do clube a soma de 20 mil libras, afirmando que conseguiria dar a volta ao mundo em 80 dias. Ele parte com o criado francês Passepartout, que é o extremo oposto do patrão: visceral, passional, desesperado, confuso, apaixonado, aventureiro. Durante a viagem, os dois vivem toda sorte de aventuras, desde salvar uma jovem princesa indiana prestes a ser morta num sacrificio para a deusa Kali, até uma troca de tiros e flechadas entre índios sioux e a cavalaria americana no velho oeste.
Para dar um molho à história, se é que precisa, porque só as agruras de Passepartout já renderiam um livro à parte, Verne coloca no encalço de Fogg um obsessivo detetive da polícia de Londres, o Sr. Fix, que está a caça de um ladrão de banco que roubou 55 mil libras e cuja descrição coincide com a do excêntrico cavalheiro. O dilema é saber se Phileas Fogg é só um milionário lunático ou um perigoso assaltante.
O mais interessante é ver que o comportamento do personagem não se altera por pior que seja a situação vivida. Phileas Fogg é irritantemente calmo. O leitor se desespera tanto quanto Passepartout, rói as unhas sem ter certeza se o cavalheiro vai ou não ganhar a bendita aposta, se ele é ou não o perigoso assaltante, e Phileas mantém o tempo todo a máscara de indiferença.
Acredito que Verne deve ter se divertido muito imaginando o tipo de reação que um personagem tão enjoado quando Phileas Fogg causaria nos leitores. Pior, ele transforma o menos carismático dos homens no herói central da narrativa, é de enlouquecer, mas é genial.