A Fé Revolucionária

A Fé Revolucionária James H. Billington




Resenhas - A Fé Revolucionária


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Luiz 31/12/2023

O revolucionário é um crente de mentalidade invertida
Livro: Fé Revolucionária - Sua origem e história
Autor: James H. Billington


Billington é foi doutorado pela universidade de Oxford, era professor nas universidades de Harvard e Princeton, recebeu diversas honraias e títulos honoraveis, 40 ao todo, mas veio a falecer em 2018 com 89 anos, tendo exercido o cargo de Bibliotecário do Congresso por 28 anos.

Billington remonta a história do pensamento revolucionário desde o fim do século XVIII até o século XX, sendo composto de 17 capítulos, divididos em 3 partes, e acrescido de uma excelente introdução, capaz de condensar e apresentar bem a proposta do livro, e um epílogo pra um trabalho futuro, o livro Fé Revolucionária se mostra um ardo trabalho colossal de mostrar que os movimentos revolucionários, sejam eles comunistas, fascistas ou nazistas, nada mais são do que uma espécie de Religião Secular, são capazes de emular uma verdadeira religião, principalmente a cristã, agregando e pervertendo os elementos da fé cristã e ao mesmo tempo agregando novos elementos "pagãos" de outras religiões. O revolucionário moderno não conhece sua origem, mas talvez se conhecesse veria o verdadeiro caldeirão de ideias que absorve e são anteriores a ele de tal forma que somente uma investigação histórica de livros desse calibre seria capaz de clarear.

"Este livro tem por meta rastrear as origens de uma fé -- talvez a fé de nossa época, Revolucionários modernos são crentes, cujo comprometimento e intensidade nada deixam a desejar a cristãos e mulçulmanos de épocas passadas. A novidade está na crença de que uma ordem secular perfeita emergirá da derrubada violenta da autoridade tradicional. Essa idéia inerentemente desarrazoada deu dinamismo à Europa no século XIX e se tornou o mais bem-sucedido produto ideológico de exportação do Ocidente para o resto do mundo no século XX."
(James H. Billington, p.15 [introdução])

"Num nível profundo e subconsciente, a fé revolucionária foi moldada pela fé cristã que ela tentava substituir. A maioria dos revolucionários via a história profeticamente como uma espécie de auto medieval em plena encenação. O presente era o inferno, e a revolução um purgatório coletivo que levava ao futuro paraíso terrestre. A Revolução Francesa era a encarnação da esperança, mas foi traída pelo Judas que integravam a ala revolucionária e crucificada pelo Pilatos que estava no poder. A futura revolução seria uma espécie de Segunda Vinda na qual o justo seria vingado. A própria história providenciaria o juízo final; e uma nova comunidade para além de todos os reinos se materializaria na terra como jamais poderia fazê-lo no céu."
(James H. Billington, p.23 [introdução])

Uma vez que o mundo cristão entra em conflitos, principalmente os embates Católicos e Protestantes, ou até mesmo entre as diversas doutrinas protestantes, somado ao pensamento filosófico moderno, o espírito científico, o "mundo" pedia uma alternativa ao Cristianismo. Surgem assim os grupos e sociedades de intelectuais, um deles foi o Palais-Royal, que agrupou diversas figuras proeminentes da época de 1780, aonde buscavam modificar a forma de como a sociedade deve pensar seu futuro. A verdade era que tais locais e grupos funcionavam como uma espécie de "mundo paralelo" que seria tanto a discursos políticos, fontes de troca de informação, local de encontros sexuais e aventuras bizarras e depreavadas das mais diversas, isso implicava que o poder político era parte desses movimentos ou até mesmo influenciado por eles.

"Numa tal atmosfera, ilusão e fantasia se mesclava à recompensa material e faziam crível e desejável o ideal de completa felicidade secular. O despertar hedonista se combinou à discussão política e intelectual numa atmosfera de igualdade social e franqueza comunicativa que fora desconhecida às convenções aristocráticas do antigo regime. Todas as raças estavam representadas entre os atendentes, artistas e lojistas do Palais."
(James H. Billington, p.60)

Neste "mundo novo" idealizado pelos intelectuais, a nova aristocracia, onde os valores cristãos são substituídos, o lugar deixado pela Igreja, de ensinamento, de propagação de valores e símbolos, de educação e formação, é preenchido pelo jornalismo, profissão que não divulga as informações de interesse dessa nova classe iluminada da sociedade, onde a opinião pública pode ser formada, os valores podem ser transmitidos e os símbolos novos são divulgados. Se antes tínhamos os Bispos, Padres, os apóstolos e o próprio Cristo como referência, agora temos novos Messias que propagarão o "novo evangelho". Da mesma forma aplica-se a tática de mudança da linguagem para fazer uma separação contra o antigo sistema, afinal muitos desses revolucionários foram formados por católicos.

Ainda que a Revolução, principalmente a francesa, tenha aberto os caminhos revolucionários modernos, em muitos quesitos, o fato é que foi enquanto afastava o cristianismo de sua pauta ao mesmo tempo abria espaço pra cultos estranhos, a Mãe Natureza, a Deusa Razão, passaram a serem cultuadas, as morte na guilhotina passaram a ser como o santo sacrifício da missa, se nesse antigo rito Jesus se sacrifica em prol da salvação de toda a humanidade, na guilhotina os traidores da revolução são sacrificados em prol do mundo vindouro em que a Revolução prometeu, e a Trindade antiga foi substituída pela "nova Trindade": liberdade, igualdade e fraternidade, mas que diferente da antiga, a nova Trindade passou a se dividir e buscar objetivos diferentes em cada um desses conceitos. A liberdade deu origem aos liberais, a fraternidade ao "espírito" nacionalista, e por fim, a igualdade ao comunismo.

"Enquanto buscavam legitimidade sua revolução através da santificação de um lugar, de um processo ou mesmo de uma imagem, os franceses não deixavam também de tentar precisar em palavras as suas crenças. Havia uma tendência, contudo, à simplificação radical, na medida em que tentavam cada vez mais substituir argumentos por rótulos. Ao tentar declarar com simplicidade qual o propósito de uma sociedade secular submetida à soberania popular, descobriram três respostas básicas. Cada uma delas era expressa por meio de uma das palavras do mais importante lema desse período: liberdade, igualdade e fraternidade.
Cada um desses três ideais tinha raízes antiquíssima, mas cada um adquiriu nessa época uma nova aura mística. No começo da revolução foram mesclados em uma unidade trinitária. Mas havia diferenças intrínsecas e profundas entre os três conceitos, e grande parte da história subsequente da tradição revolucionária se desenvolveu reincidindo e intensificando o conflito entre os três ideais rivais."
(James H. Billington, p.97)

"Em termos gerais, o primeiro ideal pode ser identificado como o reformismo iluminista do século XVIII; o segundo, com o nacionalismo romântico do século XIX; e o terceiro, com o comunismo autoritário do XX. A história da tradição revolucionária pós-1789 viria a atestar a difusão gradual e quase universal do primeiro desses ideais -- ao que se seguiria um conflito crescente entre os outros dos ideais. Embora a aspiração por "libertação" política tivesse se difundido a partir da França do século XVIII para a Europa como um todo no XIX, e daí para o mundo inteiro no XX, a ruptura ente os ideias rivais de revolução nacional e de revolução social se ampliou e se aprofundou."
(James H. Billington, p.98)

Ainda que essas diferentes visões, e seus intelectuais idealizadores, visassem a utopia, de um antigo milenarismo heretico cristão em algun sentido, de um paraíso terreno, o qual a revolução proporcionaria, foi-se com o tempo percebendo que, assim como no cristianismo profetizava a ideia de uma "segunda vinda de cristo", a Revolução Francesa era apenas o princípio de uma "Revolução Definitiva", a medida que essa revolução foi perdendo fôlego na França, novas facções e grupos foram surgindo, mesmo que a velha máxima de se unir à um líder pra evitar dissensões tenha sido colocado em prática, a realidade política mudou e aquelas grupos que deram tanta potência pra revolução foram migrando pra clandestinidade surgindo assim as sociedades secretas. Uma das mais proeminentes foi a Maçonaria e a famosa Ordem dos Iluminanati da Baviera.

Em outras palavras, os grupos intelectuais do século XVII e XVIII proporcionaram o surgimento político e filosófico dos pensadores que vieram após eles, no século XIX, sendo todos "filhos" da Revolução Francesa, que se dividiu em 3 principais correntes, logo o liberalismo foi posto de lado, dando lugar ao embate momentâneo do Nacionalismo fraterno, de um lado, e o Socialismo igualitário do outro. O autor ao longo do livro vai explorando as ramificações que esses dois grupos, em especial o terceiro, se consagrou como o Símbolo da revolução contemporânea.

Billington nos mostra que, ao fim, diversos intelectuais, grupos de pensadores e sociedades secretas forjaram o modo revolucionário de pensar e agir. Ainda que o "título" sociedade secreta tenha em si uma carga "conspiratória" o autor nos mostra, com vasta bibliografia, os diversos pensadores e grupos que atuaram e continuam a influenciar a mentalidade revolucionária moderna até os dias atuais.

A título de exemplo:

? Grupos, Seitas e Sociedades Secretas envolvidas com ações políticas revolucionárias citadas no livro:

1) Palais-Royal
2) Círculo Social
3) Campo de Marte
4) Amigos da Verdade
5) Clube do Panteão
6) Sublimes Mestres Perfeitos
7) Maçonaria
8) Ordem dos Iluminados da Baviera
9) Nove Irmãs
10) Círculo dos Filadelfos
11) Adelfos
12) Monde
13) Sociedade dos Bons Primos / Os Carbonários
14) Union Libérale
15) Amigos da Verdade
16) Sociedade das Famílias
17) Sociedade das Estações
18) Liga dos Fora-da-lei
19) Liga dos Justos

A "Liga dos Justos" foi de onde saiu Karl Marx e seu Manifesto do Partido Comunista que tanto influenciou o pensamento moderno revolucionário, e assim como esse grupo muitos outros antes desse surgiram com suas propostas e escritos pavimentado uma verdadeira Era de Revolucionários.

Esses grupos são alguns, mas outros tantos são mencionados no decorrer do livro, assim também pode-se fazer uma relação dos principais nomes em que o autor comenta como importantes pra essa "construção" da mentalidade revolucionária moderna, e até alguns sendo fundadores dos grupos mencionados acima:

1) Filipe de Oléans
2) Auguste Blanqui
3) Buonarroti
4) Bonneville
5) Thomas Payne
6) Saint-Just
7) Saint-Simon
8) Karl Marx
9) Frederick Engels
10) Lênin
11)Rosa Luxemburgo
12) Napoleão
13) Sylvain Maréchal
14) Robespierre
15) Restif de la Bretonne
16) Babeuf (Clube do Panteão)
17) Mirabeau
18) Adam Weishaupt
19) Court de Gébelin
20) Mercier
21) Bakunin
22) Theodore Schuster
23) Lamennais
24) Mazzini
25) Karl Shapper
26) Proudhon
27) Marques de Lafayette
28) James Fazy
29) Joseph Rey

A soma de pensamentos revolucionária ao longo dos séculos proporcionou uma mudança de mentalidade significativa, não só a revolução tão desejada seria a Francesa, mas passaria a ser uma no futuro aos moldes dela, ainda que se tivesse a ideia de um local ou território em que a Revolução instauraria o "Paraíso Terrestre", seja na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra ou até mesmo na Rússia, a ideia de revolução definitiva foi ficando cada vez mais pro futuro, assim toda a revolução seria uma etapa a ser galgada para a revolução definitiva. Uma linha cultural e intelectual foi construída pra se obter ao longo dos séculos esse sentimento de revolução latente pra que pudesse se preparar pra esse "advento".

O livro vai se desenvolvendo por esse viés de forma a nos mostrar o como o movimento revolucionário obedece aos mesmos "critérios" que o pensamento cristão, sua estrutura e seus mitos, suas histórias e seus líderes, eles são mentalidades quase gemias, mas com princípios e mitologias totalmente opostas. O mundo moderno deu as costas pra realidade cristã julgando ela incapaz de responder ao mundo de forma eficaz, mas abriu espaço pra mentalidade revolucionária que se ocupou, se parasitou das cinzas deixadas pelo cristianismo. O revolucionário é um simbionte do pensamento cristão, é a degeneração do cristianismo a sua noção puramente simbólica e política. Os revolucionários são tão conservadores e tão progressistas quanto se possa pensar, pois a medida que lemos o livro podemos claramente verificar que o que torna o revolucionário atual o que é, se explica pela forma que se construiu ao longo da história.

O livro apresenta de forma singular o movimento político revolucionário e sua raiz anticristã. Apresenta também os embates e divergência que ocorreram dentro do próprio movimento para que ele se tornasse como é hoje. Funciona muito bem pra se entender melhor a Revolução Francesa e a Revolução Russa, bem como que se deu antes e após ambos os movimentos revolucionários.

É um livro que rastreia muito bem as ideias revolucionárias, peca porém por não explorar mais as questões ocultistas e esotéricas desse movimento, e até em alguns momentos se depongar em demasia em pontos já explicados e trabalhados. A sensação que tive em certos momentos era que o livro era brilhante, e ao mesmo tempo cansativo, e em alguns momentos de forma quase proporcional esse equilibro se manteve. É um livro que vale a pena uma rejeitura no futuro.

"A despeito de quais tenham sido os reais elos entre Babeuf e Bonneville, de ambos com Maréchal e de todos eles com Buonarroti, é certo que uma força em comum os moldou: o ocultismo romântico."
(James H. Billington, p.151)

"A despeito de quais tenham sido os reais elos entre Babeuf e Bonneville, de ambos com Maréchal e de todos eles com Buonarroti, é certo que uma força em comum os moldou: o ocultismo romântico."
(James H. Billington, p.151)

"Lênin havia adotado o marxismo como uma alternativa necessária à via populista para destruir a autocracia. Adotou o marxismo não como um corpo de crítica para compreender a sociedade, mas como um programa pronto para mudá-la. Ao contrário de muitos outros intelectuais marxistas na Rússia, Lênin aderiu de modo quase acrítico ao principal esquema de interpretação do marxismo até seu impulso final rumo ao poder, tendo modificado ligeiramente a doutrina apenas durante e após a Revolução de 1905."
(James H. Billington, p.760)
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