spoiler visualizarMarianne Freire 19/08/2022
Literatura cearense! Todo o refinamento de contos de ?prosa poética e do verso?, de um advogado que não é jurídico-hermético, mas que facilmente poderia ser confundido com um funcionário público burocrata do final do séc 19 que se divide com a escrita literária, com um léxico antigo e vocabulário denso, nada residual e sem economias de linguagem. Não é romântico, piegas ou taxativo de adjetivações femininas. Uma ?prosa poética fantástica? com aventuras e um certo heroísmo (vide referências em Alexandre Dumas) com direito a todos os declínios morais e vulnerabilidades pessoais. Personagens que se humanizam com as ilustrações da Raisa Christina no projeto gráfico, dando fôlego e respiro em aquarela e guache para equilibrar a densidade das palavras.
Ritelma de Laguna no seu apartamento com um comportamento erótico e técnica literária nada linear, com todo o teor de uma Hilda Hist, desemoldurada e livre, ou como quando Virgínia Woolf escreveu ?uma mulher deve ter dinheiro e um teto todo seu, se ela quiser escrever ficção?.
Uma ?mulher de olhos de algodão? com feridas profundas tocada por um homem de fraternas e sensíveis esperanças, que me lembrou Crisóstomo e Isaura de ?V.H. Mãe;
?Um catador de poemas? com licença poética para amar com toda a reminiscência e mistérios das Luas de Sylvia Plath (The Rival, 1961) e a paralelistica relação dual de céu e de mar de Alphonsus de Guimaraens (Ismalia, 1923).
Uma Idalia atravessada pelo erotismo, por bombas e soldados, mas que faz ?um discurso em defesa da filosofia que desafiava a racionalidade e extrapolava a própria vida.?; Uma Virgínia Catlen que não existe no arremate de fotografia mas existe em um feminicídio; Uma sodomita com pensamentos destrutivos mas que acredita no ?suplantar do emprego da fragilidade? e muitos outros contos.
Relações cruas entre homens e mulheres, mulheres e homens com um erotismo patológico (quase como em O Cortiço de Aluísio de Azevedo), com o mesmo espaço para um naturalismo com toques e arranjos modernos, finalizando com um espírito Balzaquiano de admiração pelas mulheres nas suas configurações psicológicas, fisionomias e comportamentos - e o direito sobretudo dela ser ela mesma - o que Balzac mais admirava nas mulheres.
Mendes Júnior certamente responderia ao mesmo processo judicial que Gustav Flaubert se publicassem na mesma época, Dama Inversa e Madame Bovary.
A obra é um hiato de clímax de episódios eróticos sem qualquer prática sexual, apenas de linguagem. O impacto figurativo dos contos é justamente delinear as realidades múltiplas de pensamento sobre o desejo feminino, com substância, sordidez, entre realidade e fantasia, despreocupados de prestígio, com todo o ar de referências de uma intelectualidade francesa, mas sem qualquer prêt-à-porter com as mulheres.
?A mulher é a rainha do mundo..e escrava de um desejo?? Honoré de Balzac