Estêvão 19/11/2020As últimas obras de João Anzanello Carrascoza têm me soado repetitivas, por outro lado, é de se admirar que um autor consiga criar imagens e textos tão bons abordando perda, vazio e luto livro após livro. .
Em Conto para uma só voz, a exemplo do que ocorre na Trilogia do Adeus e em Elegia do irmão, além de alguns contos, o luto é instalado em uma família após a morte do único filho, e é a relação entre pai e filho e a dor da perda que iremos acompanhar. .
O que difere Conto... dos citados e que o torna interessante são os recursos narrativos que Carrascoza emprega. Além da escrita poética, há aqui uma supressão do tempo cronológico e uma valorização do tempo psicológico, o que nos faz mergulhar nos sentimentos desse pai de forma mais profunda, bem como um esforço em tornar sua dor digna de uma epopeia, algo que a intertextualidade com algumas obras do gênero faz muito bem. .
Se fosse resumir a história, Conto... narra os acontecimentos na vida de um pai na manhã imediata ao sepultamento de seu filho, mais especificamente, nas primeiras horas desse dia, até o instante que sai pela primeira vez. Com muitos flashbacks que reforçam a ligação entre pai e filho, a narrativa é delicada e foca em sutilezas, em olhar para coisas banais que remetem à presença/ausência do filho. .
Outro recurso interessante é a inclusão de vários parênteses no texto, que impõem quebras no andamento das ideias e retardam a narração, fazendo como que fiquemos mais tempo dentro dos sentimentos desse pai. Então, quando mais queremos avançar e sair da dor que nos é mostrada, esses parênteses parecem nos prender ainda mais a eles. .
Porém, há um exagero em sua utilização, diminuindo o ritmo em pontos altos, o que me exigiu uma releitura dessas partes para retomar a ideia interrompida. .
A exemplo de outros livros seus, a diagramação e o material do livro dialogam com o enredo. .
A primeira, com suas quebras nas frases, nos remete a versos, mesmo o livro sendo uma prosa, condensando a escrita, além de ditar o ritmo de leitura; o segundo trata-se das cores das páginas, que saem de um tom escuro para um mais claro até chegar ao branco, representado o estado emocional desse pai nessa poucas horas: da completa escuridão/angústia ao surgimento de um sopro de ânimo para encarar o dia que nasce. .
Porém, mesmo achando incrível sua escrita e como consegue pôr em palavras sentimentos tão pesados e da unidade entre os elementos da narrativa, estrutura e até a parte física do livro, fica a sensação de que o autor não sai de sua zona de (des)conforto, soa repetitivo com outras obra suas, nos dando a sensação de nunca sair de um mesmo livro
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