Sunkey 02/02/2020
RESUMO Que é Isto - A Filosofia? & Princípio da Identidade & A Constituiҫão Ontoteológica da Metafísica
***** O QUE É ISTO - A FILOSOFIA? *********
A palavra filosofia é grega, isso significa que a filosofia é originariamente grega. A filosofia não só é grega em sua essência, como também é a linha mestra da história ocidental-europeia. No entanto, a essência originariamente grega da filosofia é dirigida e dominada, na época de sua vigência na Modernidade Europeia, por representações do Cristianismo, mas isso não significa que a filosofia se tornou cristã no sentido de uma tarefa da fé na revelação e na autoridade da Igreja. O fato de a filosofia ser essencialmente grega significa que somente o Ocidente e a Europa são, na marcha de sua história, originariamente filosóficos.
Chamamos a era em que vivemos de Era Atômica, esta expressão significa que a energia atômica descoberta e liberada pelas ciências é representada como o poder que deve determinar a marcha da história. No entanto, a Ciência nunca teria existido se a filosofia não a tivesse precedido e antecipado.
A palavra grega “filosofia” nos liga a uma tradição historial, mas a tradição não nos entrega à prisão do passado e irrevogável. Transmitir é um libertar para a liberdade do diálogo com o que foi e continuar sendo. A questão sobre o que é filosofia é carregada de historicidade, é historial, isto é, carrega em si um destino que é nosso. Essa questão é um caminho que nos conduz da existência própria do mundo grego até nós e até para além de nós mesmos.
Não só a filosofia é grega, como o modo de questionar sobre o que ela é, também é grego. Questionar “Que é isto – a filosofia?” é seguir a forma de questionar desenvolvida por Sócrates, Platão e Aristóteles, quando perguntam “Que é isto – a justiça?”; “Que é isto – o conhecimento?”; “Que é isto – o belo?”, etc. Quando se pergunta pelo “que” de algo aquilo que o “que” significa é a quidade. A questão “o que é a filosofia?” refere-se à essência da filosofia.
A língua grega é uma língua especial, somente ela é logos, o que é dito em língua grega é dito de modo privilegiado. Pela palavra grega verdadeiramente ouvida de maneira grega, nos encontramos imediatamente em presença da coisa mesma, aí diante de nós, e não apenas diante de uma simples significação verbal.
Em seu sentido grego, a filosofia procura o que é o ente enquanto é. A filosofia se encontra a caminho do ser do ente, isto é, a caminho do ente sob o ponto de vista do ser. A filosofia é uma espécie de competência capaz de perscrutar o ente do ponto de vista do que ele é enquanto ente.
A resposta à questão “Que é isto – a filosofia?” consiste no fato de correspondermos àquilo para onde a filosofia está caminhando, isto é, para o ser do ente. Responder é corresponder. Não encontramos a resposta à questão, que é a filosofia, através de definições de filosofia propostas ao longo da história, mas por meio do diálogo com aquilo que se nos transmitiu como ser do ente.
Este caminho para a resposta à questão sobre o que é a filosofia requer o que em Ser e Tempo é chamado de destruição. Destruição não significa romper ou negar a história, mas se apropriar dela e transformá-la. Destruir significa tornar livre os nossos ouvidos para aquilo que na tradição do ser do ente nos inspira. A destruição permite que nossos ouvidos se tornem dóceis para corresponder ao apelo do ser do ente. O corresponder escuta a voz do apelo. Corresponder significa estar em uma disposição afetiva, em um estar disposto, isto é, exposto, entregue ao serviço daquilo que é. Enquanto disposta e convocada a correspondência é uma disposição.
A filosofia faz parte de uma dimensão do humano que designamos de disposição no sentido de uma tonalidade afetiva que nos harmoniza e nos convoca por um apelo. A filosofia começa pelo espanto e o espanto é um pathos. O espanto é, enquanto pathos, a arkhé da filosofia. Arkhé significa aquilo de onde algo surge e que passa a imperar sobre o que surge, nesse sentido, o pathos do espanto não está só no começo da filosofia, mas a carrega e impera em seu interior. Pathos, nesse sentido, pode ser compreendido como disposição afetiva. O espanto é a disposição na qual e para a qual o ser do ente se abre.
O racionalista proclama se ver livre de toda disposição afetiva. Mas mesmo conhecimento ávido pela razão tem suas raízes existencialmente nos sentimentos. A própria razão está sentimentalmente pré-disposta a confiar nos princípios da lógica, atrás de todo esse conhecimento que se proclama racional está um sentimento de interesse que o dirige. A lógica e a razão são abraçadas por esse tipo de conhecimento por uma forte paixão. Não há conhecimento imune ao sentimento, pois é o ser-aí quem impõe a si mesmo a tarefa de conhecer e a disposição afetiva é um modo fundamental do ser do ser-aí enquanto ser-no-mundo.
A Filosofia é a correspondência propriamente assumida e em processo de desenvolvimento que corresponde ao apelo ser do ente. Ela é ao modo da correspondência que se harmoniza e põe de acordo com a voz do ser do ente. Este corresponder é um falar, está a serviço da linguagem e aqui a poesia surge como um modo privilegiado a serviço da linguagem.
*******PRINCÍPIO DA IDENTIDADE*******
O princípio da identidade se apresenta como a lei suprema do pensamento, sua fórmula diz “A=A”. A fórmula designa a igualdade de A e A. O idêntico significa o mesmo, A é A quer dizer, cada A é ele mesmo o mesmo. Cada coisa ela mesma é a si mesma devolvida, cada um ele mesmo é o mesmo para si mesmo consigo mesmo. A fórmula não diz simplesmente “cada A é ele mesmo”, mas “consigo mesmo é cada A ele mesmo o mesmo”. Em cada identidade reside a relação “com”, portanto, uma mediação, uma ligação, uma síntese: a união na unidade.
O princípio da identidade já pressupõe o que significa identidade. O “é” de A é A diz como todo e qualquer ente é, isto é, to ente é ele mesmo consigo mesmo o mesmo. O princípio da identidade fala do ser do ente. Como princípio do pensamento, o princípio somente tem validade na medida em que é um princípio do ser, esse princípio diz que de cada ente enquanto tal faz parte a identidade, a unidade consigo mesmo.
A unidade da identidade constitui um traço fundamental no seio do ser do ente. Onde quer que mantenhamos uma relação com um ente, somos interpelados pela identidade. Se não fossemos interpelados por esse apelo, então o ente jamais seria capaz de se manifestar em seu ser como fenômeno. Sem esse apelo, também não haveria ciência, pois se não fosse previamenmte garantida a mesmidade de seu objeto, a ciência não poderia ser o que ela é. O apelo da identidade fala do ser do ente. O apelo da identidade do objeto fala, independente se a ciência o ouve ou não, ele continua a falar mesmo que não seja levado a sério.
A mesmidade pode ser compreendida como uma copertinência. Há uma copertinência entre ser e pensar. Ser pertence com o pensar ao mesmo. Copertinência significa que: (i) o sentido da “pertinência” é determinado a partir da (co)mum unidade: pertencer significa estar integrado, inserido na ordem de uma comum unidade, instalado na unidade de algo múltiplo; (ii) o sentido da (co)mum unidade também é determindado a partir da pertinência: a comum unidade é determinada a partir do pertencer.
Se compreendemos que o pensar é uma característica do humano, então a copertinência entre pensar e ser é uma copertinência que se refere ao humano e ao ser. O humano é um ente cujo elemento distinto consiste no fato dele, enquanto ser pensante, se encontrar aberto para o ser, colocado diante dele, permanecendo relacionado com o ser de modo a lhe corresponder. O humano é a relação de correspondência com o ser. No humano impera um pertencer ao ser, porque a ele está entregue como propriedade.
O ser, em seu sentido originário, significa presença. O ser se presenta ao humano, o abordando por meio do apelo. Somente o humano enquanto aberto para o ser, propicia-lhe o advento da presença. Tal presença ou presentar necessita o aberto de uma clareira e permanece, por esta necessidade, entregue ao ser humano como propriedade. O humano e o ser estão entregues um ao outro como propriedade. O ser mesmo pertence a nós, pois, somente junto a nós pode ele ser como ser, isto é, presentar-se.
Hoje, na Era Atômica, o ser se presenta a nós no universo da técnica no sentido do pensamento calculador do humano, da liberação da energia atômica e da automatização. O técnico é um plano que o humano projeta, mas que força o humano a decidir entre tornar-se escravo de seu plano ou permanecer senhor dele. Nessa era, toda a nossa existência se sente, em toda parte provocada a se dedicar ao planejamento, ao cálculo e à exploração de tudo.
O processo todo de provocação que leva o humano e o ser a um confronto de natureza tal que se chama mutuamente à razão se chama en-quadramento (Ges-tell). Aquilo em que e de onde humano e ser se defrontam reciprocamente no universo da técnica, interpela à maneira do enquadramento. O enquadramento nos agride diretamente em toda parte. O enquadramento é mais realmente que todas as energias atômicas e toda a maquinaria, mas realmente que a violência da organização, informação e automatização.
A copertinência entre humano e ser ao modo da provocação recíproca nos faz ver o fato e a maneira como o humano se encontra entregue como propriedade ao ser e como o ser é apropriado ao humano. Experimentar essa apropriação é penetrar naquilo que chamamos de Ereigns. Ereignis, assim como logos e Tao, é uma palavra sem tradução. O que no enquadramento, como constelação de ser e humano, experimentamos através do moderno universo da técnica, é um prelúdio daquilo que se chama Ereigns. O Ereigns é o âmbito dinâmico em que o humano e o ser atingem unidos sua essência e conquistam seu caráter historial.
O Ereigns apropria homem e ser em sua essencial comum unidade. Na medida em que nossa essência está entregue à linguagem como propriedade, habitamos no Ereigns. O Ereigns apropria humano e ser em sua essencial comum unidade. A essência da identidade é uma propriedade do Ereigns. Ser com o pensar faz parte de uma identidade cuja essência brota da copertinência que designamos como Ereigns.
*************A CONSTITUIҪÃO ONTOTEOLÓGICA DA METAFÍSICA*************
O OBJETO DO PENSAMENTO
O objetivo deste texto é iniciar um diálogo com Hegel. O diálogo com um pensador só pode tratar do objeto do pensamento. Para Hegel, o objeto do pensamento enquanto tal. O pensamento é a Ideia Absoluta e a Ideia absoluta é o ser.
Para Hegel, ser significa a indeterminada imediatidade. Ser é o absoluto auto-pensar-se do pensamento. A verdade do ser é a essência. Somente o pensamento absoluto é a verdade do ser, é ser.
SER E HISTÓRIA DA FILOSOFIA EM HEGEL
A relaҫão de Hegel com a história da filosofia é a relaҫão especulativa e somente enquanto tal ela é a relaҫão historial. A história se move no sentido de um processo dialético. Esse processo é apresentado no desenvolvimento do pensamento na história da filosofia libertado do caráter historial, puramente no elemento do pensamento.
A filosofia e a história da filosofia devem permanecer, para Hegel, na relaҫão de exterioridade. Exterioridade significa o âmbito exterior, no qual reside toda a história e qualquer processo real, diante do movimento da Ideia Absoluta. A própria exterioridade é uma determinaҫão dialética. O objeto do pensamento é, de acordo com Hegel, em si historial, no sentido do acontecer cujo caráter do processo é o ser enquanto pensamento que se pensa a si mesmo.
ESTABELECENDO UM DIÁLOGO COM HEGEL
Hegel pensa o ser do ente especulativo-historialmente. Nós também precisamos pensar o ser em Hegel historialmente. Comeҫaremos fazendo uma comparaҫão entre o pensamento de Hegel e o nosso.
Para Hegel, o objeto do pensamento é o ser como pensamento absoluto, para nós é o ser como diferente do ente. Para Hegel, o método para diálogo com a história da filosofia consiste em entrar no âmbito do que foi pensado pelos primeiros pensadores, para nós consiste em buscar forҫa no impensado. Para Hegel, o caráter do diálogo com a história da filosofia é o sobressumir, para nós é o regresso como passo de volta.
A ONTOTEOLOGIA COMO TRAҪO FUNDAMENTAL DA METAFÍSICA
Hegel entende a Teologia como a enunciaҫão do pensamento especulativo sobre Deus. A Metafísica pensa o ente enquanto tal de modo que o ser do ente é pensado como o fundamento fundante. Desse modo, toda a metafísica é, basicamente desde o fundamento, o fundar que presta contas do fundamento. A ontologia e a teologia exploram o ente enquanto tal e o fundam no todo. Elas prestam contas do ser enquanto fundamento do ente. A metafísica é ontoteológica.
O objeto do pensamento é o ente enquanto tal, isto é, o ser. O objeto do pensamento, o ser como fundamento, só é radicalmente pensado quando o fundamento é radicalmente representado como o primeiro fundamento. O objeto originário do pensamento mostra-se como a causa originária, a causa primeira, a causa primeira, que corresponde ao retorno fundamente, a razão última, ao último prestar contas. A causa primeira é entendida como Deus.
A DECISÃO COMO FUNDAR-SE DE SER E ENTE
Ser do ente significa ser que é o ente. O é fala transitivamente, ultrapassando. O ser se manifesta como fenômeno ao modo de uma ultrupassagem para o ente. Ser ultrapassa o ente param sobrevém desocultando o ente que somente por meio desse sobrevento advém como desvelado a partir de si mesmo. Advento significa ocultar-se no desvelamento, demorar-se oculto no presente. Ser mostra-se como sobrevento desocultante. O ente enquanto tal aparece ao modo do advento que se oculta no desvelamento. A diferenҫa entre ser e ente é, enquanto diferenҫa entre sobrevento e advento, a decisão desocultante-ocultante de ser e ente.
O Ser fala sempre historialmente e por isso, perpassado pela tradiҫão. Ser somente se dá sempre com cunho historial. Somente atingimos a proximidade que vem do destino historial, através do súbito instante de uma lembranҫa. Quando nós falamos da decisão, já permitimos que faҫa uso da palavra aquilo que foi e continua sendo, na medida em que lembremos o desocultar e ocultar, a ultrapassagem (transcedência) e o advento (presentar).
O ser mostra-se no sobrevento desocultante como deixar-estar-aí do que advém, como fundar nos múltiplos modos do aduzir e produzir. O ente enquanto tal, o advento que se oculta no desvelamento é o fundado que, como fundado, funda a seu modo, a sua obra, isto é, causa. Os elementos da decisão causa.
A decisão é um circular de ser e ente um em torno do outro. O fundar mesmo aparece no seio da revelaҫão da decisão como algo que é e que assim por si mesmo exige, enquanto ente, a correspondente fundaҫão pelo ente, isto é, a causaҫão pela causa suprema (Deus).
DEUS E A FILOSOFIA
A metafísica é tanto ontológica quanto teológica. É ontológica enquanto pensa o ente no que diz respeito ao seu fundamento comum a cada ente enquanto tal. É teológica enquanto pensa o ente enquanto tal no que diz respeito ao ente supremo que a tudo fundamenta. Assim, a metafísica é, a partir da unidade unificadora da decisão, unitária e simultaneamente ontologia e teologia.
Deus entra na filosofia como causa primeira. No entanto, não se pode dirigir oraҫões a uma causa primeira, nem se prostrar diante dela em adoraҫão. Sendo assim, o pensamento ateu que se sente impelido a abandonar o Deus da filosofia, o Deus como causa suprema, está talvez mais próximo do Deus divino.
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