spoiler visualizarDaniel Batista | @somdodan 11/08/2012
Um Imperdoável Salto Numa Piscina de Arame Farpado
Primeiramente, não pretendo detonar o trabalho da tão falada Stephenie Meyer, assim como não pretendo babar ovo dela, como toda menina com mentalidade de doze anos faz por causa, na maioria esmagadora, de "Crepúsculo". Aliás, incrível como não tem como falar de outros livros dessa moça sem citar "Crepúsculo", em tudo. Seja resenhas, conversas, discussões de literatura. Duvido que, se o tão aclamado 'romance' tivesse sido filmado com atores meia-bomba para circuito pequeno, invés do que foi (atores famosos, já conhecidos da tela, fazendo um romance clichê adolescente pseudo-sobrenatural), a saga teria dado tanta polêmica.
Foi numa conversa entre amigos que o nome da autora surgiu e, na curiosidade impreterível, fui ver do que ela era capaz. Uma amiga emprestou-me sua cópia de "A Hospedeira" e de cara está lá, para todo mundo ver, "AUTORA DA SÉRIE CREPÚSCULO". Tudo bem, passei batido. Na orelha à direita do livro tem, também, imagens dos quatro livros da saga "Crepúsculo", como se uma coisa tivesse tudo a ver com a outra.
A leitura começa e, diferentemente do que li e que me contaram, para mim não foi difícil entender do que se trata. Fato que o tema é uma coisa um pouco distinta nas primeiríssimas páginas, mas com um pouco de imaginação efetivamente criativa, o início do livro vai na boa (talvez seja isso que esteja faltando nas fãs de "Crepúsculo" que não gostaram do livro, e talvez em todos que abandonaram).
Mesmo com a dificuldade que houver no início de "A Hospedeira", a história flui de uma lentidão que há de se preocupar. Sou daquele tipo de leitor que não consegue passar uma página batido, um parágrafo, uma linha sequer. Preciso ler com precisão. Leio alerta. E ler "A Hospedeira" alerta é quase como pular numa piscina de arame farpado.
Peg, a 'alma alienígena' que é designada para o corpo de Melanie Stryder (uma sobrevivente humana da neo-colonização mundial que o planeta está sofrendo) é extremamente detalhista e racional, assim como as outras almas de sua espécie. Já viajou por todas as galáxias que os alienígenas conhecem e nunca se encontrou num lugar de verdade. Aí ela vai parar na Terra, seu nono planeta de vivência, para descobrir que as emoções do nosso mundo valem mais à pena que quaisquer outras vidas que ela já chegou a viver.
Mas Melanie se recusa a desaparecer em sua cabeça. Quando Peg entra em seu corpo (é assim que os aliens iniciaram sua dominação), Melanie ainda está viva e seu coração pulsa por Jared, alguém que Peg não faz ideia de quem seja e que, acreditem ou não, se apaixona por ele. Quando incidentes fracos (discussões com uma ajudante de Peg) as fazem aliadas, ambas fogem para procurar o homem ainda foragido. Acreditem ou não, eu já disse 108 páginas do livro nesses dois parágrafos.
Perdidas no caminho, quase mortas de fome, são encontradas pelo "ex"-tio de Melanie, Jeb. Aí elas descobrem que há uma espécie de alojamento secreto na maior caverna das redondezas e, que surpresa, Jared está lá. Mas, é óbvio, tanto Jeb quanto Jared ou Jamie (irmão de Melanie) sabem que ela tem um parasita grudado dentro de seu pescoço, portanto não confiam na moça desnorteada.
Resgatadas as duas, o livro cai numa monotonia sem fim. Ela primeiro fica presa num buraco na caverna (uma espécie de "prisão" que eles arranjaram), Jared a trata como um animal, já que ninguém acredita que a menina antes sorridente aos olhos de Jamie e Jared ainda vive na cabeça de Peg; ela sofre diversas agressões de personagens da trama e demora mais de cem páginas para que ela seja "tolerada" pelos demais membros do grupo, uma vez que são uns trinta humanos vivendo nesse cativeiro infernal. Aqui estamos na página 211.
Depois de acatarem-na (com algumas exceções de membros do grupo que a odeiam até o fim do livro), ela passa a arar a terra de dentro da caverna e colher a ração humana que eles comem. O trabalho escravo ainda é surpreendido outras vezes por ataques de um dos homens que a atacou antes, Kyle. Mas dane-se ele. Tanto Kyle como a morte de Walter no livro, que toma mais ou menos uns três capítulos, são desnecessários para dizer o mínimo. Ela trabalha junto com os outros personagens na plantação que eles dividem e depois que Kyle é julgado (inocente, para variar) pela tentativa de assassinato, eles jogam futebol para passar o tempo e Ian, o irmão de Kyle, se declara apaixonado pela Peg, a alienígena dentro do corpo de Melanie, com a justificativa de que ela é 'mais humana que muitos que ele já conheceu', e que 'nunca viu alguém tão altruísta'... Originalíssimo. Já estamos na página 458.
Depois de alguns problemas também desnecessários (ela rouba remédios para curar Jamie, eles são quase pegos pelos policiais no caminho de volta, a antiga ajudante retorna à história depois de assassinar um dos humanos...), eles decidem lançar a alma da Buscadora (esse é seu nome) para o espaço, e Peg ensina-os a tirar as almas alienígenas dos corpos dos humanos sem mortes ou ferimentos graves. Já chegamos ao final do livro.
Ela própria é retirada do corpo de Melanie e eles a colocam no corpo de outra menina qualquer, escolhida por Jamie e Jared no caminho da cidade. Ela chega à caverna sã e salva, feliz e contente, assim mesmo, na caverna com a família na qual enfim se encontrou e tudo acaba bem. O livro acaba aí. Isso foram 560 páginas. Agora imagine tudo que eu escrevi de uma forma extremamente enroladora e monótona, detalhista nos mínimos detalhes e cheia de medo e pavor, uma vez que na maior parte do livro Peg está sofrendo por alguma coisa, seja por amor, saudade, platonicidade do amor, distância de casa, ameaças de morte... Por aí vai.
Ian, o irmão de Kyle que se disse apaixonado por Peg, faz parte de um tipo de quadrângulo amoroso de três corpos, que envolve Jared e Melanie também, é claro. Isso foi um golpe criativo de Stephenie. E tenho que admitir também, muito do que li e gostei do livro foi proveniente justamente do aproveitamento do roteiro pela autora. Por ser ficção científica futurista alienígena, ela fez uso de várias expressões boas; "(...) Conforme os sintomas avançavam, Doc começou a achar que era alguma forma de câncer. Isso me machucava, - ver alguém morrer de algo tão facilmente tratável.(...)". Os nomes de Peg e outros amigos alienígenas nos outros planetas também são ótimos, assim como suas histórias e atmosferas. O universo que ela criou é realmente interessante, isso eu tenho que dar à história. Outro ponto bom, que na verdade contrasta a chatice do que ocorre ao longo da trama desnecessariamente alongada, é as descrições das emoções de cada personagem a cada momento. Meyer tem mesmo um "sexto sentido" para farejar sensações em tudo quanto é canto, e o livro é recheado de olhares, piscadelas, sobrancelhas erguidas, arquejos, gente arfando, mas tudo descrito de uma forma harmônica. Clichê, mas harmônica para o tipo de texto de que estou falando aqui.
Bom, acho que fiz uma crítica justa ao que li nas últimas duas semanas (sim, para mim o livro foi trabalhoso e difícil de lidar, e acho imperdoável ter que passar por quatrocentas páginas longas e de letra miúda para a história ganhar cor e forma). Stephenie Meyer é, para mim, e veredicto final quanto a isto, uma autora de porte regular lírico, uma vez que o seu romance-thriller-sci-fi "A Hospedeira" tem clichê onde não devia, tem luta onde não devia, tem discussão onde não devia e trama onde ninguém devia meter. É o tipo de livro que se lê no aeroporto esperando um avião daqui a horas. Não é o trabalho que se deve glorificar e colocar no mais alto escalão da literatura moderna, especialmente em se tratando de construção de personagens e desenvolvimento. Senti essa falha absurda que é o romance do livro e não tenho medo de dizer que não me agradou. Esperava por muito mais dessa que é "uma das cem pessoas mais influentes do mundo", mas acho que, para fins lucrativos de uma corporação grande como a Little Brown & Company, nada mais justo que elevar uma mulher que fez fama em cima da beleza dos atores representantes dos seus personagens fracos num romance adolescente para as massas; A "autora do momento".
Resta agora saber se ela mesma lê o que escreve, porque realmente...