Ficção Científica Brasileira

Ficção Científica Brasileira M. Elizabeth Ginway




Resenhas - Ficção Científica Brasileira


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Antonio Luiz 13/07/2010

O planeta Brasil
Mary Elizabeth Ginway é professora associada de português e literatura brasileira da Universidade da Flórida e publicou artigos sobre Machado de Assis e José de Alencar. Mas, conforme explicou em entrevista ao site “Alan Moore”, de José Carlos Neves, a narrativa brasileira no século XIX é, para ela, um campo secundário de interesse. Conquistou seu espaço na academia com “Ficção Científica Brasileira: mitos culturais e nacionalidade no país do futuro”. Seus trabalhos posteriores continuam a se concentrar nesse tema.

A produção brasileira a partir dos anos 60 é analisada em três capítulos – antes, durante e depois da ditadura militar. O último é, de longe, o mais saboroso. O nosso “tupinipunk” sai-se bem da comparação com a literatura “cyberpunk” anglófona. O programa antropofágico de Oswald de Andrade em 1928 – revisto e atualizado para a FC, 60 anos depois, por Ivan Carlos Regina – continua a se mostrar atual.

Na tradição fundada por William Gibson, os anglófonos retratam um mundo virtual no qual poderosos sistemas de informação são enfrentados por hackers estilosos, mas superficiais – mais à vontade plugados no ciberespaço do que engajados em conexões vitais, eróticas ou políticas. Já a versão tropical, cultivada por Fausto Fawcett, Guilherme Kujawski, Alfredo Sirkis e outros menos conhecidos, focaliza tramas políticas internacionais e o submundo urbano das grandes metrópoles, com ênfase na realidade e concretude do sexo e da violência física.

Vistos do Norte, os extraterrestres são invasores hostis, sábios altruístas ou seres exóticos a serem conquistados pelo “american way of life”. Vistos do Sul, podem mais facilmente ser ambíguos e ambivalentes e ter problemas semelhantes aos nossos. No subgênero das histórias alternativas, não passa despercebido à autora que os nossos autores tendem a ser mais otimistas em relação às possibilidades não realizadas. E que não só nossos bosques, mas até nossos vampiros têm mais vida – pelo menos, se comparados aos turistas cosmopolitas e descomprometidos de Anne Rice.

Por outro lado, a autora concentra-se em aspectos interessantes para acadêmicos estadunidenses, como feminismo e relações inter-raciais, e deixa de dar atenção suficiente a outras mais centrais no contexto brasileiro, como imperialismo e conflito social (não apenas racial) – privando-se, assim, de compreender os brasileiros em seus próprios termos.

Essa abordagem se mostra mais alienígena e anacrônica em relação à FC anterior aos anos 80, reduzida a uma resistência cega à tecnologia. Vários exemplos (“Ma-Hôre”, de Rachel de Queiroz, “Os Visitantes do Espaço”, de Jerônymo Monteiro) podem ser lidos, ao contrário, como uma visão aguda do uso concreto da tecnologia pelas grandes potências e pelas elites, como forma de espoliar o País e seu povo, junto a sugestões claras de que a ciência não deve ser temida e rejeitada, mas reapropriada e humanizada.

Uma visão, no fundo, mais progressista que a de Mary Elizabeth, para a qual a ditadura parece um mal necessário (“Elevar países a um novo nível de capacidade produtiva força seus líderes a impor políticas que criam injustiça social, aumentam a repressão e levam à perda de liberdades civis” – escreve, citando uma colega).

Mas seu pioneirismo, principalmente em relação à análise da FC dos anos 70, merece atenção. Mesmo a quem não é fã do gênero, esse olhar estrangeiro diz algo sobre como nossos receios e esperanças se comparam aos de outros povos e sobre como esses outros nos veem. Os espelhinhos oferecidos aos nativos pelos viajantes não são inúteis. Talvez até estimulem autores brasileiros a refletir sobre sua própria produção e editores, acadêmicos e leitores a lhes dar mais oportunidades.
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