No tempo das sombras

No tempo das sombras José Américo de Lima



Resenhas - No tempo das sombras


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Karamaru 19/10/2019

SOMBRAS ESPESSAS
Após ler Américo de Lima, pus-me a pensar em quantos bons contistas existiram (e existem) no país e que ainda são praticamente desconhecidos. “No tempo das sombras” é um compêndio irregular, mas o autor toca a excelência em algumas narrativas e apresenta inovações linguísticas no mínimo interessantes.

A orelha do livro não mente: o autor apresenta um caleidoscópio temático: a um tempo somos transportados para uma arena na Roma antiga por meio do conto “André e o leão”; a outro – “Apartheid” –, já estamos na África do Sul, logo após o regime separatista.

José Américo ainda brinca com a intertextualidade ao propor, através de “Periguaci”, uma continuação para o final de “O guarani”, de José de Alencar. Nessa toada, também temos ”O discípulo de Conselheiro”, que apresenta desdobramentos após a Guerra de Canudos.

É bastante perceptível em quase todos os contos uma atmosfera sombria e desesperançosa, pelo que o título da obra calha-lhe muito bem. Em alguns dos textos nota-se também uma aprendizagem sobre o humano, resvalando-se em um tipo de moral, a modo de uma fábula.

A influência dos escritos bíblicos também é notória. Das epígrafes de certas narrativas à composição de outras as Escrituras fazem-se presentes. O conto “Sacrifício inútil”, texto que permite várias leituras, é um dos que representam essa faceta banhada em religiosidade:

“O Grande Mestre é atormentado por dolorosa antevisão: ali está o seu pupilo, frente ao delegado. Um guarda o esbofeteia. Começa o sofrimento.
– Queremos os nomes dos outros implicados e você vai confessar também que é subversivo!” (p. 7).

Apesar da diversidade de cenários e temáticas, talvez o trunfo de Américo de Lima seja a linguagem, como ele bem demonstra, num estilo hibridizado, em um dos mais bem elaborados contos do livro: “Enfim, Guimarães Rosa”: “Ninguém não está livrado de caminhos resvalosos, sei de mim, e reconfirmo: viver ainda é negócio muito perigoso” (p. 25).

No fim das contas, ocorre que a atmosfera claustrofóbica, as trilhas moralizantes e as veredas religiosas em que alguns dos textos se imiscuem podem até conferir-lhes uma unidade, mas acabam por empobrecer o conjunto. Além disso, certos contos resvalam num humor simplório e se tornam quase piadas. De todo modo, uma leitura que não hesitaria em indicar.
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