Strecht 06/10/2013
Este é o meu primeiro contacto com esta autora e confesso que não estava à espera de ler algo tão bom. A narrativa é bastante cuidada, com boa fluidez, com muito enfoque na introspecção dos personagens, e nos diálogos que são soberbos... a acidez e a ironia com que ambos os personagens se gladiam chega a ser primorosa. Enid não vê o seu marido à 8 anos, e após uma vida tortuosa e solitária é chamada para resgata-lo do seu leito de morte, onde se encontra devido a um acidente. Mas as memórias são cortantes e ferinas, nada restou desse amor infantil a não ser desprezo pelo homem sem moral e sem princípios que a largou à própria sorte. Compelida pelo dever que sempre norteou a sua vida ela volta, apenas para encontrar um corpo inerte, desfigurado, onde apenas os olhos lhe são familiares. Mas Mclean já não é o homem que recorda, nem no corpo, nem na alma e para piorar a situação ele não se lembra de nada... A Enid é um personagem extremamente complexo, repleta de uma dualidade incessante onde o medo e a dor se opõe ao orgulho e à vontade de viver. Uma mulher que encerra em si uma bondade desmedida, que é afogada por um rancor que aos poucos se torna difícil de alimentar. Mclean é efetivamente arrogante, mas é também capaz de demonstrar afeto, ternura e sobretudo encantamento por Enid. Sempre que ela o descreve como um ser vazio e egoísta, Mclean não se reconhece, mas sente que é certo que aquela é a sua mulher, que nunca se poderia ter entregue a alguém que não fosse ela...
Amei ver um homem que renasce das cinzas predisposto à redenção, que ama e que cuida com uma devoção que nos toca, amei sentir uma possessividade que não é machista, mas que resulta do facto de uma alma reconhecer a sua outra metade. Ninguém pode ficar indiferente a um homem que nos diz:" Sou o sangue de suas veias,a medula de seus ossos. Nunca irá a nenhuma parte sem saber que estou dentro de você, te apoiando, mantendo viva. Faço parte de você. E você é parte de mim. Estamos unidos para sempre".
Um livro sobre o medo de amar, de confiar e de se dar, quando a vida nos fustigou com tanta perda e tanta dor, um livro sobre um homem que não é quem crê ser, para quem o amar uma mulher é algo tão certo como respirar. Um livro onde o acreditar na felicidade se mostra doloroso, onde compreendemos e aceitamos cada passo, cada palavra, cada olhar que ambos se dão, porque nos parece certo. Um homem que acreditou sempre e uma mulher que se obstinou, que vislumbrou um fim idílico, mas lutou com cada fibra do seu ser por puro medo de se perder numa nova espiral de dor.