Joao.Magalhaes 26/06/2020
Japão x EUA
Nesta interessante autobiografia, Morita deixa bem explícito seu caminho como co-fundador da SONY e a relevância da cultura japonesa para o ressurgimento do país das cinzas após a Segunda Guerra, e conseguinte dominação do mercado mundial de eletrônicos, com muito foco nos EUA e a constante pressão comercial para a liberalização da economia japonesa, devido à balança comercial sempre muito desbalanceada e favorável aos nipônicos.
Ele deixa muito claro ao longo do livro que a cultura tem enorme impacto no desenvolvimento das indústrias, e faz constantes comparações entre a cultura de negócios japonesa e americana: "Nesses relatórios [trimestrais], os gerente podem dar boa impressão de seu trabalho, mas ao mesmo tempo poderão estar destruindo a companhia ao deixar de investir no futuro. Para mim, o desempenho de um gerente pode ser medido pela forma como ele organiza um grupo grande de gente e pela eficácia com que tira o mais alto rendimento de cada um, organizando tudo num trabalho coordenado. Isso é a boa gerência. E ela não é expressa num relatório de produção, que um dia pode ser negro, outro vermelho, independente dos esforços do gerente." (p. 169)
Outro fator importante da cultura japonesa, apresentado pelo autor, é o princípio do Mottainai, que significa a busca pela maior eficácia possível com os recursos existentes, evitando o desperdício ao máximo possível. Tudo a ver com um conjunto de ilhas com apenas 1/4 de terra arável e sem recursos minerais, totalmente dependente de importações de matéria prima e até comida.
Sobre o constante avanço da tecnologia e aqueles que tentam retardá-la, o autor é bem claro: "Aprender novas tecnologias é para nós, japoneses, um modo de vida, e outros povos terão de adotar esse sistema; não é possível e desejável agarrar-se ao passado." (p. 274)
Morita se destacou internacionalmente (junto com a SONY) muito devido à suas maneiras menos japonesas de se relacionar socialmente. Ele fala o que pensa, é bem direto, se espelhando no modo americano de se relacionar, diferente dos japoneses, que deixam tudo implícito e expressam suas opiniões de modo muito indireto.
Morita toca num assunto muito interessante: a relação entre a democracia e o mercado. Para ele, a economia é protecionista na maioria dos países devido ao nacionalismo inerente à democracia, pois os políticos devem agradar seu eleitorado: "Em certas indústrias, os eleitores poderão se queixar que estão sendo prejudicados pelas importações e pedem medidas protecionistas; quando estas são concedidas, fica difícil removê-las depois." (p. 288). E o Japão era, nos anos 80, muito restritivo às importações de tecnologia estrangeira e instalação de indústrias estrangeiras.
Outro ponto interessante das diferenças entre EUAxJapão é a pressa: Os americanos querem tudo na hora deles, muito rápidamente, e isso não combina com os japoneses: "Temos um provérbio no Japão que diz o seguinte: 'Tudo muda em setenta dias", o que nos serve de conselho para não nos apressarmos, não reagirmos com exagero nem com muita rapidez." (p. 301)
Um dos pontos talvez contraditórios do autor é expresso em sua clara apreciação do livre comércio como forma de levar avanço tecnológico e melhoria de vida para o mundo, mas a repulsão pelas taxas de câmbio livres, que prejudicariam o funcionamento das indústrias (uma economia de 1 ou 2% em uma indústria poderia ser perdido com um aumento brusco de 15% da taxa de câmbio).
Ao final do livro, Morita nos mostra a dificuldade do Japão se relacionar com o resto do mundo devido ao seu avanço tecnológico, entrando nos mercados estrangeiros sem concorrência, e isso trouxe vários problemas para o Japão. Tanto que o Morita, nos anos 80, foi atrás de criar reuniões e convenções com executivos de todo o mundo para discutir os avanços tecnológicos da próxima década. As indústrias europeias e americanas só pensavam em lucros imediatos, esquecendo de se preparar para o mercado futuro, e a falta de concorrentes também era prejudicial aos japoneses.
Muito interessante é a política da SONY de não dar a maior importância à instituição em que seus candidatos a empregos se formaram, mas sim à pessoa num todo. Também dá uma receita de como uma indústria pode estar sempre à frente: "Esta é a minha teoria das três criatividades: a criatividade, da tecnologia, do planejamento de produto e de marketing." (p. 328). Também faz críticas à cultura americana (e muito importada por nós, brasileiros, principalmente em nossos cartórios) de fazer tudo no papel, diferente do Japão, onde antes da internacionalização do país, muitos negócios eram feitos sem a formalização em papel: "Nunca se sabe em que direção a política e o sentimento do público vão mudar. Na América - e há muito tempo aprendi isso -, é preciso ter as coisas no papel, assinadas." (p. 331)
Por fim, Morita desabafa sobre suas esperanças de um futuro com menos barreiras alfandegárias, e sua preocupação sobre o protecionismo econômico: "[...] sinto ainda no estrangeiro uma sensação de insegurança sobre o futuro, ao perceber que a ameaça do protecionismo ainda paira sobre nossas cabeças; o protecionismo parece ser o primeiro refúgio de qualquer país que tenha problemas comerciais." (p. 332)
Akio Morita deixou um legado inestimável para gerações de executivos e empresários ao redor do mundo. A SONY foi pioneira em boa parte do mundo eletrônico, e após ler este livro confesso que fiquei até com vontade de trabalhar lá.