Ari Phanie 28/01/2022"Nós salvamos quem podemos salvar"
Quando eu comecei esse livro, eu não consegui escapar da expectativa. Foi um dos livros que mais fizeram sucesso no ano passado, todo mundo parecia amar e quando eu finalmente peguei ele para ler foi esperando que ele fosse tudo isso que alardeavam por aí. Mas logo nas primeiras páginas, eu duvidei de que esse fosse ser um livro do qual eu fosse gostar. Eu gostei das partes em que o livro falava daquele cara e daquela ponte, mas eu não gostei dos personagens e do humor. Achei os personagens bobos e atrapalhados, caóticos até; pareciam todos "idiotas". A sensação era de que eu estava lendo a história de uma sitcom com personagens bobos que faziam a coisa toda do interrogatório parecer ridícula. Duvidei muito de que eu fosse gostar de algum personagem ou me identificar. Mas o Backman só estava no "wait for it".
A história é sobre uma péssima ideia que leva a um drama de reféns que são as pessoas mais estúpidas que a polícia já teve o trabalho de interrogar. Ou, é assim que o Fredrik Backman quis que acreditássemos nas primeiras páginas. Ele também nos mostra um homem no fim da sua vida e então você sabe que esse drama tem um peso na história. E à medida que ela avança, vemos que vários personagens tem uma certa ligação com esse homem que perdeu a vida para o desespero. Mas como tudo se desenrola é que é o grande truque de mágica do autor.
"Você pode colocar na cabeça a ideia de fazer algumas coisas incrivelmente estúpidas quando já não tem mais lágrimas para chorar, quando não é capaz de silenciar as vozes que ninguém mais pode ouvir, quando nunca esteve em um ambiente onde se sentia normal."
Eu diria que a grande premissa de Gente Ansiosa, para além do que o nome pode sugerir, cabe em uma única palavra: Empatia. O Backman já nos faz refletir na página 19 quando ele diz: "Você é uma pessoa correta. Não ficaria apenas assistindo." E então, tudo o que se segue é um monte de momentos que falam sobre ter empatia, não ter empatia, e o que pode acontecer quando você não se importa com o que vai acontecer com o outro. Eu diria que nos dias de hoje vivemos em uma sociedade que pode ser extremamente empática, mas muitas vezes escolhe não ser. Parece que se colocar no lugar do outro, para a maioria é impossível porque não é algo a que pensem primeiro. A grande maioria é sempre muito rápida em julgar e enquadrar as pessoas em categorias. E falar de saúde mental, de questões sociais, também é falar de empatia.
"Infelizmente, acho que a maioria das pessoas ainda consegue arrancar mais solidariedade de seus colegas e chefes no trabalho quando chegam de manhã no escritório parecendo acabadas e dizem: ‘Estou de ressaca’, do que se disserem: 'Estou com crise de ansiedade."
E para falar sobre a empatia (ou a falta dela), nós temos Jim e Jack, pai e filho, que aprenderam com a sua respectiva mulher e mãe, a tentar ajudar mesmo aqueles que a sociedade diz que não merecem. E também a fazer hoje o que podem, mesmo se não houver amanhã. Jim faz sua parte e consegue que algo bom floresça de sua ação. Já Jack, mesmo ao tentar, falha. E se ver jogado em um trauma.
"Se alguém lhe pedisse para resumir sua visão de mundo, ela sempre citava Martin Luther King: 'Mesmo se eu soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria minha macieira.'"
De trauma Zara também entende. Zara é provavelmente a personagem menos querida pelos leitores e sinceramente, a mais difícil de gostar. Mas a trajetória da Zara desperta muitas reflexões e nos motiva a ter empatia, mesmo que ela seja tão voluntariamente amarga. Assim como Jim e Jack, Zara é uma das minhas preferidas. Ela não teve empatia porque esse era o seu trabalho (era?) e por 10 anos ela pagou por isso em culpa e sofrimento. É através dela que vemos quanto poder nós temos nas mãos; mesmo os menos poderosos de nós ainda podem causar grande sofrimento a outras pessoas e até mesmo, ser aquele que dá o "chute" em uma pessoa parada na ponte, olhando para baixo. Elas podem não estar lá por nossa causa, mas talvez nós tenhamos as ajudado a chegar ali.
A minha última personagem favorita foi aquela que teve a sorte de encontrar pessoas "empáticas", pessoas que entendiam que todos nós podemos ter um dia de merda e agir sem pensar, que todos nós estamos propensos a erros monumentais, erros idiotas, que não devem nos definir para sempre. Erros que não nos fazem quem somos, e que talvez já estejamos pagando no que pode ser a pior prisão de todas: a nossa mente. Essa personagem foi uma das minhas preferidas porque ela é simplesmente tão fácil de visualizar em um país em que uma mãe é presa porque roubou um alimento para o filho faminto. Roubar não é certo. Eu sei, a sociedade sabe, o Fredrik Backman sabe. Mas o que vale mais: um pão ou a vida de uma criança? E por que é tão difícil para as pessoas não verem logo a resposta? Na mesma linha de pensamento, o autor nos pergunta: "Ela deve mesmo perder os seus maiores tesouros, perder a vontade de viver, por um erro estúpido que não teve consequências desastrosas?"
"Dizem que a personalidade de pessoa é a soma de suas experiências. Mas não é verdade, pelo menos não inteiramente, porque, se nosso passado fosse tudo o que nos define, nunca seríamos capazes de nos suportar. Precisamos nos permitir reconhecer que somos mais do que os erros que cometemos ontem. Que somos também todas as nossas próximas escolhas, todos os nossos amanhãs."
Eu não tenho muito a falar sobre os outros personagens, a não ser pelo fato que todos estão tendo um dia complicado, mas basta que eles conversem para que consigam entender uns aos outros. Alguns desses personagens me levaram às lágrimas, outras me arrancaram risos. E todos estão ali por um motivo.
Não acho que deva mais me estender. Esse livro foi uma experiência diferente para mim, foi como uma terapia pode ser. Você não entende nada no começo, e começa a duvidar que vá funcionar. E então, as coisas começam a ser reveladas e no início, pode doer ou fazer você ficar triste, mas quando a conclusão chega, você percebe que tudo fez sentido e o ajudou de alguma forma. Como psicóloga, eu não deveria comparar um livro a uma terapia kkk. Mas como leitora, acho que ele pode fazer você ter esperança de novo e crer no poder da empatia. E afinal, não são todos de nós que vão apenas ficar olhando.
"A verdade. Não há verdade alguma. Tudo o que conseguimos descobrir sobre os limites do universo é que ele não tem limite algum, e tudo o que sabemos sobre Deus é que não sabemos nada. Portanto, a única coisa que uma mãe que era pastora exigia de sua família era simples: que fizessem o melhor. Plantamos uma macieira hoje, mesmo sabendo que o mundo se desintegrará amanhã."