CooltureNews 23/03/2014
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Seria possível um suspense policial ser assombrado por criaturas sobrenaturais? “Claro!”, você me responderia. É só ver as fantasias urbanas, não é mesmo? Mas, e se não for um livro desse gênero? Talvez você tenha ficado na dúvida.
Mas, Fred Vargas mostra que é possível e que não é nada estranho.
Com um estilo que procura misturar sua experiência em arqueologia, com lendas francesas e um bom suspense policial, ela costuma construir histórias únicas e surpreendentes. A primeira que li, e que me deixou apaixonada pelo estilo dela, foi “O Homem do Avesso”.
A base para essa história é uma lenda antiga e amplamente explorada: lobisomem. Aqui ele se manifesta numa pequena aldeia francesa e começa sua carnificina pelas ovelhas, mas logo, ele passa a atacar as pessoas também. Nada parece se encaixar, as mortes e seu caminho parecem apenas um simples conjunto de coincidências, que deixam apenas um rastro de sangue.
Sua primeira vitima Suzanne, deixa para trás Solimar, seu filho adotivo, e Velador, o pastor de suas ovelhas, que junto a Camille, uma jovem compositora e encanadora, partem na trilha do terrível monstro a fim de vingar sua morte. Em Paris, há vários quilômetros dali, o Comissário Adamsberg acompanha as diversas noticias dos ataques e se interessa cada vez mais pela história.
Camille acaba se tornando a personagem principal visível, enquanto que o lobisomem é a sombra do mal, que aterroriza e não se consegue encontrar. Ela não é o tipo heroína frágil, mas também não é do tipo que procura por uma aventura, mas quando tudo se inicia, se vê arrebata na caçada ao assassino de sua amiga, que sendo um lobisomem ou não, deve ser levado a justiça.
Adamsberg, que surge esporadicamente, já é um tipo diferente de detetive, sendo considerado por várias pessoas como incompetente e distraído, o tipo de policial que não oferece nenhum risco. Mas, não é bem assim. Ao contrário dos detetives clássicos, cujos métodos eram racionais e organizados, Adamsberg prefere algo mais intuitivo e caótico, mas igualmente efetivo.
Os assassinatos em si não têm muito de espetacular. Afinal, quem nunca viu um lobo destroçando sua presa? Pois então, é a mesma coisa, só que numa escala um pouco maior, ou melhor, um lobo um tantinho maior que o normal, algo próximo de uma besta. Seu método envolve sangue, gargantas cortadas e alguns órgãos internos dilacerados no caso das ovelhas. Com os humanos ele prefere ser um pouco mais delicado, um rasgo enorme na garganta é o máximo que ele consegue obter em sofisticação.
O desenrolar da trama ocorre de maneira bem lenta no início, havendo um pouco de confusão quando, em meio aos dramas do lobisomem, surge Adamsberg em Paris ou outros personagens e seus feitos. Mas, aos poucos, as coisas vão se encaixando, o ritmo vai acelerando, a história se torna mais viciante e quando se percebe, já estamos na reta final.
Tudo aquilo que parecia ser apenas para encher as páginas e dar um pouco mais de volume, de repente, ganha importância e você fica seriamente se perguntando como raios não percebeu antes.
Mas tenho uma boa explicação para isso: Fred Vargas te engana. Ela conta a história de um jeito leve e até mesmo engraçado. A tensão não está presente em todas as cenas, sendo reservada para os momentos finais, e em seu lugar há um clima de ligeira descontração, com os personagens em situações tanto rotineiras como nas inusitadas, seja dirigindo um caminhão pelos Alpes ou fugindo de uma assassina vingativa. Assim, você se envolve e não percebe que o clímax está a apenas um virar de páginas. Pronto, você foi surpreendido pela Vargas.
Quando li este livro não consegui deixá-lo até terminar, o que me fez virar a noite conhecendo um pouco mais do sudeste da França e seus habitantes, com seus costumes e lendas. E no final, só pude xingar a autora mentalmente por ter me enganado tão bem e sofrer com uma terrível ressaca literária. Me envolvi tanto com a história, que não conseguia pensar em nada para ler depois.
Claro que algumas pessoas podem não se sentir tão envolvidas assim, já que, como dito ali em cima, o livro é lento no início e não tem aquele clima clássico de correrias e perseguições a alta velocidade. Ok, não é tipo de livro de suspense que se espera, mas se você se deixar levar pela história, pelo ambiente e por seus personagens, Vargas pode te surpreender e te tornar um fã.
O único ponto que eu considerei ruim de tudo isso, foi que, por se tratar de um livro de série, cujo mote é o Comissário Adamsberg, muito pouco foi revelado dele. Mas, só fui perceber isso quando li outros livros em que ele participou mais ativamente.
E o que mais posso dizer? Não sei, eu só me apaixonei pelas narrativas de Vargas e “O Homem do Avesso” foi o grande responsável por isso. Então, se puderem seguir este meu conselho, leiam Fred Vargas, conheçam essa autora divina e se tornem os melhores fãs de Adamsberg.