Ilmara Fonseca 19/01/2021Uma história de resistência e liberdadeResistência. Esta é a palavra que ecoa em nossa mente após a leitura do conto Aída, de Mariana Ribeiro. A narrativa histórica trazida pela autora nos apresenta uma protagonista negra, forte, determinada e muito inteligente que não se dobrou ao status quo de sua época – muito pelo contrário – lutou contra as opressões e dispôs de todas as suas habilidades para vencê-las.
A história acontece no Brasil Imperial, no ano de 1850. O Brasil é um país escravagista e os negros livres, como Aída, ainda corriam o risco de serem novamente escravizados. Aos 12 anos ela passa por esta cruel experiência e é levada de Salvador para o Vale do Paraíba, onde vai trabalhar como mucama da esposa do Comendador Fernão de Oliveira Gusmão. Apesar de sua situação de escravizada, Aída está na casa grande e não na senzala e esta posição lhe confere alguns “privilégios” e desta forma ela tem acesso a escrita, leitura, música dentre outras aprendizagens que nesta época só eram acessíveis às pessoas brancas.
Ainda assim, Aída tinha total consciência de quem ela era e da necessidade de mudar a sua situação, bem como a de seus companheiros escravizados que ali viviam. Capturada após uma tentativa de fuga, Aída retorna à fazenda e se organiza para liderar um levante e partir na luta pela libertação de negros de outras fazendas e a posterior formação de um quilombo. Mas ocorrem várias situações não planejadas e a fuga acaba tomando outros rumos...
Apesar de ser uma história curta, Aída traz em seu bojo diversas discussões pertinentes e necessárias que, apesar de estarem em um cenário histórico do Brasil Império, são extremamente atuais. As relações estabelecidas entre Aída e sua “sinhá” Isabel são um destaque que achei deveras importante, pois ressalta as diversas formas de opressão sofridas pela mulher e a necessidade da sororidade entre elas.
“Por mais que um abismo social e econômico nos separe, por mais que nos distingam pela cor da nossa pele, ainda assim, nós somos mulheres. Temos em comum o fato de sermos impedidas de viver livremente, cada uma à sua maneira”.
Outro tema trazido pelo conto é a questão do lugar de fala. Aída criticava os abolicionistas brancos que falavam pelos negros, mas que não tinham noção das coisas que eles passavam, pois não estavam ali e nem tinham vontade de estar. Uma crítica pungente ao conhecido papel do “branco salvador” que tantas e tantas vezes vimos nas mais diversas histórias trazidas a nós sobre a escravidão e que sempre a contavam sobre uma única perspectiva.
“...mas eles desconhecem as nossas dores e isso deslegitima toda a luta dos nossos antepassados, a nossa própria luta, compreende?”.
Para mim, ler Aída foi a possibilidade de ter acesso a uma história bem diferente das que já havia lido sobre a escravidão. Uma narrativa que traz pessoas ativas, guerreiras, que lutam, resistem, se organizam, anseiam pela liberdade. Uma história de resistências, acima de tudo. Aliado a isso, a autora traz uma narrativa histórica bem construída, com uma pesquisa notável e ricas notas de rodapé que contextualizam o vocabulário e a cultura da época. Aída é uma marca do protagonismo da mulher negra e uma história de representatividade e força. Recomendo!
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