Floresta é o nome do mundo

Floresta é o nome do mundo Ursula K. Le Guin
Ursula K. Le Guin




Resenhas - Floresta é o nome do Mundo


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Ana Sá 30/06/2023

Muito bom, nota 3!
Quando eu dava aulas de redação (saudades!), uma aluna (engraçada e dramática) certa vez esbravejou: "Ah, Ana, sempre assim: 'Muito bom, nota 6!'". Rindo desse protesto, calmamente eu repeti o que ela já sabia: "Isso mesmo... Você defendeu um argumento crítico, sólido, um argumento 'muito bom', mas escorregou no desenvolvimento...". Uma lacuna aqui, um senso comum ali, um vocabulário limitado lá... Mas argumentos muito bons!

É óbvio que corrigir redação não é igual a resenhar e avaliar um livro, sobretudo no meu caso, que me entrego à paixão/despaixão nas minhas leituras pessoais. Como professora, não há espaço pro meu eventual "gostei/não gostei" na hora de dar uma nota. Já aqui, com a pobi da Le Guin, eu descontei estrelas também (mas não só) pela minha (falta de) emoção. Eu diria que no meio da leitura o livro ficou morno e que o final foi igual ao meio... Achei monótono mesmo, sabe? A meu ver, trata-se de uma ficção científica com pontos fortes no conteúdo, mas crua na linguagem e simpatizante de alguns lugares comuns. Ou seja: uma típica leitura "Muito bom, nota 3!".

O enredo é o seguinte: com a escassez de madeira na Terra, acompanhamos a colonização do planeta Athshe e os conflitos da relação entre os colonos (os "terráqueos") e os creechies (os "nativos"/"indígenas"). São três as personagens principais: Davidson (o colono detestável), Lyubov (o colono gente boa) e Selver (o nativo que faz a ponte entre os dois mundos, assumindo inclusive o papel de tradutor).

Leitoras bem informadas já me disseram que esta talvez não seja uma boa porta de entrada para a ficção de Le Guin, escritora famosa sobretudo pelas obras "A mão esquerda na escuridão" e "Os despossuídos". Ainda assim, acho que consegui encontrar indícios do porquê de a autora ser aclamada por parte significativa do público e da crítica. "Floresta é o nome do mundo" faz uma crítica à colonização bastante complexa, tocando desde questões étnicas e ambientais, até pontos relativos à colonização do pensamento e da linguagem, não necessariamente nesta ordem. O modo como são inseridos elementos como a importância dos sonhos e da ancestralidade para os creechies ecoa (na minha leitura) certos aspectos da cosmovisão de povos indígenas da América do Sul e da África, convidando as leitoras a repensar a racionalidade eurocêntrica. Por exemplo, assim como o líder yanomami Davi Kopenawa afirmou que "os brancos dormem muito, mas só conseguem sonhar com eles mesmos", Selver nos dirá "vocês dormem, acordam e esquecem seus sonhos, dormem novamente e acordam novamente, e assim desperdiçam sua vida inteira".

Não por acaso, me informaram que Le Guin é filha de antropólogos... Coincidência? Acho que não. Aliás, associar o livro à sua biografia só soma positivamente... Uma mulher branca e estadunidense publicar um livro desses na década de 1970 é um pouco fora da curva. E a atualidade do que está escrito ali entristece na mesma medida em que enaltece a obra. Os diálogos de Lyubov e Selver sobre a amizade que surge entre eles a partir de seus esforços conjuntos de tradução da língua de seus povos é bonito e também interessantíssimo em termos linguísticos (eu realmente gostei do jogo de palavras que vai sendo jogando ao longo do livro - "A palavra athsheana para mundo também é a palavra para floresta"). Por outro lado, os capítulos dedicados exclusivamente ao vilão Davidson e aos demais colonos são chaaaatossssss, paradoxalmente são trechos muito objetivos mas quase sem nenhum propósito. Percebi que faz parte do projeto da autora essa mudança de tom, mas achei que ficou destoante demais. Chato, chato.

Mas ainda não falei do maior incômodo: Davidson é um vilão verosímil; como ele, há muitos "colonos" machistas, gananciosos, violentos, opressores etc. 17, 22 etc. Mas na obra essa figura é unidimensional, nada complexa. E isso, pra mim, faz o livro escorregar QUASE que numa visão do "bom selvagem"; me explico: de um lado (na Terra), o pior do ser humano representado em Davidson; de outro (em Athshe), a pureza, a bondade. E digo "quase" porque a obra extrapola sim esse maniqueísmo, mas ao mesmo tempo em que flerta com ele. Sei lá, pra mim faltou complexidade na composição das personagens, sabe? O que vi foram ideias e passagens fortes, poéticas, alternadas com outras meio "pá-pum, é isso aí".

E é isso aí mesmo. É um livro bom. Em alguns pontos, achei muito bom! Mas não entregou tudo que podia ou que parecia prometer. Ou talvez esta seja apenas eu e a minha despaixão por ficção científica que envolva mais de um planeta (viagem no tempo, terrorismo biológico e robôs são bem mais legais, vai!).

Obs. 1: ouvi algumas pessoas relacionarem este livro a Avatar! Eu cheguei a assistir o primeiro filme, mas a minha falta de memória não me permite traçar paralelos.

Obs. 2: estou refletindo aqui e acho que (seriamente) eu recomendaria uma leitura restrita aos capítulos 1, 2, 5 e 8 deste livro! rs.
Flávia Menezes 30/06/2023minha estante
Que resenha, amiga! ???? Sem palavras! Mas eu estou agora aqui pensando: ela dava aula de redação?. Vou sempre caprichar bem no que eu escrevo, porque amiga?que olhar o seu! Estou encantada com a forma precisa que você detalhou os pontos. Achei técnico em um nível que mostra a profundidade do seu conhecimento. E acima de tudo, está formidável! ????


Ana Sá 30/06/2023minha estante
Flávia, olha quem fala, né? rs Suas resenhas são sempre impecáveis, sua escrita é tão boa de acompanhar! ?

Mas fica beeem tranquila pq a última coisa que eu quero fazer qdo não estou trabalhando é ser corretora/fiscal do texto das pessoas na internet! haha Além disso, nosso uso aqui na internet é outro, né... Eu mesma pra expressão certas emoções tenho a necessidade de comer uns plural às vzs! rsrs

Obrigada pela leitura da resenha? Fico muito feliz que você tenha gostado! ??


Flávia Menezes 30/06/2023minha estante
Amiga, você disse tudo: na internet precisamos nos permitir falar essa linguagem sem pressões e nos divertir! E nada de trabalho mesmo! Só descanso, não é? Faz bem! ??

E eu preciso dizer: estava ansiosa por essa resenha pelo que você já vinha postando aqui. E foi ótimo ler e tirar todas as dúvidas que surgiram. Resenha perfeita mesmo ??


dani 30/06/2023minha estante
Amei sua resenha, Ana! Os últimos livros de ficção científica que li me desanimaram bastante exatamente por causa do machismo e misoginia gritantes nas obras. O pior é que apareciam como algo normal, não como algo a ser combatido. Enfim, mesmo sem gabaritar a nota, acho que um dia vou dar uma chance para esse livro.


Carolina.Gomes 01/07/2023minha estante
Eu amo suas resenhas. Quero muito ler ou não a partir delas kkkk


Ana Sá 01/07/2023minha estante
Dani, eu não comentei mas neste livro eu também gostei do fato de a autora não se esquecer da questão da violência sexual que marca processos de colonização... Dizem que nos outros livros ela explora bem questões de gênero também... Se vc ler, vou ficar de olho nos seus históricos!


Ana Sá 01/07/2023minha estante
Carolina, sofro do mesmo "mal" ao ler suas resenhas! ?


JurúMontalvao 02/07/2023minha estante
? 'leia, mas só uns pedaços' kkkk taí uma indicação sincera?


Ana Sá 02/07/2023minha estante
hahaha ri alto aqui Juliana


livrosepixels 28/03/2024minha estante
A primeira vista parece mesmo ser o enredo base de Avatar, e não é por menos. O filme Avatar tem forte influência nessa obra (que foi escrita em 72, enquanto o filme, começou a ser escrito em 99). A relação entre nativos e floresta, a pureza de um mundo intocado, a destruição levada pela humanidade, são bastante similares. Se o filme não mudasse algumas coisas, iria ser uma adaptação clara desse livro hauah


Ana Sá 15/04/2024minha estante
Ahh, agora preciso assistir de novo avatar!!




blacktonks 28/06/2021

O mundo precisa ler esse livro!
Athshe é floresta, mas também é o nome que se dá ao planeta. Ambos são um ser único, assim como esse livro.

Ursula sempre brilha, não há uma obra dela que não dê um soco bem na boca do estômago! Esse é o jeitinho dela que faz seus livros serem incomparáveis.

E em floresta é o nome do mundo ela nos soca ao jogar na nossa cara a podridão da colonização, terranos vão colonizar e explorar a natureza e os habitantes de um planeta verde, Athshe, levando consigo o pior que temos: a matança.

Nesse livro, bem mais fluído que outras obras dela, nos deparamos com lapsos de nós mesmos e de nossos antepassados e toda podridão que causamos no passado e insistimos em causar. Sempre digo que Ursula é necessária, e cada vez que leio mais uma obra dela insisto em dizer que ela continua sendo necessária todos os dias para o mundo todo.

Leiam Ursula!
Fabiane 26/08/2022minha estante
Siim, mds Ursula é tudo ?




Jessica 09/11/2020

SOBRE OLHAR O OUTRO
incrível!??

as leitoras atentas da le guin percebem que a autora cria todo um universo, e tanto despossuídos quanto este livro, se ligam. mas, não necessariamente cê precisa ler um para entender o outro. enfim, cada um nos faz refletir temas muito caros a humanidade.

em a floresta é o nome do mundo (meu preferido dela até agora?) ela nos leva a pensar sobre colonização, racismo, auteridade...e, como o capitalismo destroi a natureza em uma gana desvairada que só pode levar a nossa destruição. e principalmente, a importância de olhar para o outro com respeito e abertura para aprender.

assim como Lyubov fez ao conhecer os athsheanos, seres de um metro com pelos verdes que são os povos originários do planeta que os terranos querem colonizar.

para Davidson que de longe é a personagem mais detestável, representante de toda um cultura eurocêntrica que se considerava superior, os creechies (nome dado pelos colonos para desumanizar os habitantes de Athshe) não eram humanos, eram seres inferiores que conforme avançaria o processo de colonização seriam exterminados. para ele ou se assimila ou se destroi.

diferentemente dele, Lyubov, um entendido, queria aprender com os athseanos, não a toa Selver, um habitante local, tornou-se um companheiro seu.

no universo de le guin, terran não passava de um deserto de cimento, sem florestas sem animais, com um passado de grandes crises de fome, doenças e guerras. ainda era habitável mas não se vivia, se sobrevivia. em Athshe, mundo era sinônimo de floresta. seus povos, com uma grande diversidade cultural, vivem em harmônia com a natureza, sonhando (que ao eu meu ver está ligado a autoconhecimento)

agora, graças aos terranos, seus sonhos são de morte e eles precisam se adaptar, e lutar contra esses yumanos inimigos.
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Aline | @42.books 27/10/2021

Incisivo
Impressionante o quanto esse livro consegue transmitir em suas poucas páginas. Ele é um ótimo exemplo de conteúdo e concisão. Mais uma obra riquíssima de significados de K Le Guin.
Adoro como a autora sempre faz a humanidade confrontar seus próprio egocentrismo diante das diferenças. Esse choque faz com que repensemos nossa forma de avaliar e enxergar o outro para além de nós mesmos. É uma crítica objetiva ao sentimento colonizador e xenofóbico, além de um escárnio à violência que nos acompanha e afasta da nossa própria humanidade. Uma grande livro, com certeza.

"Não se pode pegar as coisas que existem no mundo e tentar levá-las de volta para o sonho, retê-las ali dentro com muros e fingimentos. Isso é loucura. O que é, é. Não adianta, agora, fingir que não sabemos como matar uns aos outros."
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Adriano 30/04/2021

Na diversidade havia vida, e onde há vida há esperança
- Na diversidade havia vida, e onde há vida há esperança ? essa era a essência de sua fé, uma essência modesta, com certeza.

Esse é o segundo livro da Ursula que leio e que escritora sensacional.
Esse livro de 1972, trata de colonialismo, escravidão, xenofobia, extrativismo predatório, preconceito, intolerância, genocídio, etnocentrismo, patriarcado....
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Paulo 19/01/2021

Esse é um daqueles romances para te fazer pensar em muita coisa. Daqueles difíceis de digerir, com mensagens poderosas e uma autora enraivecida no leme. Não é o primeiro romance da Le Guin que eu leio, mas certamente é um dos que mais se diferenciam de tudo o que eu li até agora. É também um romance que vai entrar na minha lista de melhores do ano, mas, caramba. Quando eu terminei de ler precisei respirar um pouco para poder transformar minhas impressões em palavras. Certamente a autora não tinha uma visão otimista sobre a humanidade e nossa capacidade de abandonarmos o nosso belicismo.

A humanidade está em um novo planeta buscando colonizá-lo. Um planeta repleto de recursos naturais possíveis de serem enviados para Terran, lar da humanidade. Só que Athshe é um planeta repleto de árvores, florestas e criaturas nativas que são pequenas e peludas. Os athsheanos, chamados de creechies pelos humanos, são empregados de forma "voluntária" nas extrações de madeira das pequenas colônias existentes no planeta. Bem, esse trabalho voluntário se torna escravo porque os colonos não entendem os creechies como seres humanos. Os tratam como animais. Pouco a pouco as ações dos colonos se tornam mais e mais violentas; estupros se tornam comuns porque mulheres não foram enviadas para Athshe. Assassinatos são entendidos como acidentes. Os creechies são uma comunidade pacifista; dentro de seu código de conduta a violência é vedada. Eles não agridem ou machucam ninguém. Mas, tudo tem seu limite. Vai ser preciso um creechie enfurecido para virar toda a cultura deles de cabeça para o ar. E esse alguém é Selver. E ele tem uma rixa violenta com um dos principais colonos presentes em Athshe.

Não preciso dizer que a escrita da Le Guin está precisa como uma navalha nesse livro. Uma narrativa em primeira pessoa a partir de três personagens diferentes: o creechie Selver, o pesquisador humano Lyubov e o colono Davidson. A autora consegue impor vozes bem distintas nos três personagens. Selver mostra toda a ingenuidade e o pacifismo de uma cultura que valoriza o tempo dos sonhos. E que busca entender por que os humanos tanto os odeiam. Lyubov é um antropólogo enviado a Athshe para estudar os hábitos e comportamentos dos nativos locais. Ele faz amizade com Selver depois de salvá-lo de ser agredido por Davidson. Já Davidson é um colono humano que nos mostra aquilo que há de pior e mais preconceituoso na humanidade. A tradução está fantástica e o livro flui muito bem. Todos os jargões usados (que são poucos) são facilmente compreensíveis. Não detectei nenhuma falha grave de tradução.

Dadas as devidas adaptações é possível relacionar a colonização de Athshe com a chegada dos portugueses no Brasil. Okay, os nativos brasileiros não eram exatamente povos pacíficos, mas assim como os creechies eles não entendiam o significado da palavra governo. Eles até possuíam um chefe e um membro mais idoso com poderes místicos. Mas, nada de burocracia, sistema eletivo ou qualquer coisa do gênero. A chegada dos homens em Atshea modifica toda a dinâmica do mundo. Os creechies respeitam a natureza e entendem que ela faz parte do equilíbrio natural das coisas. Segundo eles, representam o contato e a transição entre o mundo real e o mundo dos sonhos. Sem florestas não há vida. As moradias deles são integradas na floresta. Madeira é o produto ao qual os colonos estão atrás neste mundo. Eles não se importam com quantas árvores vão cortar ou se será possível o replantio. Durante o período colonial no Brasil, os portugueses dizimaram mais de 80% da Mata Atlântica situada entre o Rio Grande do Norte e o sul do Brasil. Era uma imensa faixa de floresta tropical que atravessava o Brasil. Hoje, esta mesma mata ocupa apenas três estados brasileiros. Muito se perdeu em riquezas naturais e o próprio meio ambiente regional foi alterado por causa dessa espoliação selvagem. Em uma das cenas, Selver reclama do motivo de tamanha destruição a ponto de os humanos (chamados de yumanos pelos creechies) terem criado uma ilha inteira de devastação onde nada cresce mais.

Parte dessa colonização e da forma como os humanos se relacionam com os creechies mostra também o preconceito e a intolerância com o diferente. Porque boa parte dos colonos, inclusive o comandante por trás do projeto todo, não entendem os creechies como seres inteligentes. Ou seja, estamos diante de um processo de desumanização, semelhante ao que foi feito entre europeus e africanos durante o período do tráfico transatlântico de escravos. O africano era visto como um ser desprovido de humanidade e se utilizava de passagens bíblicas para justifica tal ato. Processo semelhante é empregado aqui, mas com bases no senso comum e na "normalização" do que significa ser humano e inteligente. Para eles, isso implica em uma estrutura fisiológica x e em uma capacidade de viver dentro do que se considera "civilizado". Isto é, analisa-se a cultura dos athsheanos partindo do princípio de que o homem possui a cultura ideal. Todo o resto deveria ser igual ao padrão humano. Estamos diante de um etnocentrismo claro e cruel. O meu é melhor que o seu. Isso fica claro nas colocações preconceituosas de Davidson que deseja massacrar os creechies a todo custo.

No momento do início da história está chegando uma nave que traz uma série de mulheres humanas para que os colonos possam se divertir. São trazidas Noivas e Recreadoras, ou seja, mulheres enviadas para se casarem e outras para serem prostitutas. Aqui é preciso partir de dois pontos. O primeiro também remete ao período colonial quando boa parte dos colonos acabava se envolvendo com nativas locais pela absoluta falta de europeias na América. Isso estimulava atos cruéis como estupros e outras violências. Ao mesmo tempo a Igreja via com maus olhos porque os europeus acabavam arrastando para si várias mulheres e tendo relações poligâmicas. Os nativos brasileiros não eram adeptos do regime monogâmico (apenas algumas comunidades), sendo que a mulher é que normalmente escolhia o seu parceiro ou parceiros. Ela poderia mudar de parceiro a hora que quisesse. Mas, quando o europeu chegou, essa dinâmica foi alterada. O europeu intimidava as comunidades pela força das armas. Houve uma necessidade patente de enviar solteiras europeias ou prostitutas para acalmar os ânimos locais. Essa foi uma prática ocorrida também nas treze colônias inglesas onde hoje é o leste norte-americano.

No livro, os colonos cometiam atos de violência física e sexual com mulheres creechies. Esse é o ponto de partida para a vingança de Selver. Trata-se de uma clara vendetta. Mais tarde na narrativa, Davidson se torna motivo de piada ao ser acusado de manter relações intergênero. Talvez o que fica mais não é a questão de ele ter se envolvido propriamente com uma creechie, mas o de ter usado a sua força como colono para usar mulheres creechies para saciar seu prazer. Quando esse questionamento ocorre, percebemos o quanto isso toca fundo em sua virilidade e masculinidade. Ele desejou provar um ponto para os creechies, mas revelou um lado degenerado e sádico. Quando ele imaginava os creechies fazendo prisioneiros, sempre vinha em sua mente o fato de estes estarem usando mulheres humanas em estupros, orgias ou experimentos. O sexo sempre se embrenhava em sua mente.

Preciso tocar no pacifismo dos creechies. E isso é um dos elementos mais drásticos no livro. O quanto a humanidade conseguiu degenerar uma cultura cuja base principal era a paz, a compreensão e a harmonia com a natureza. Os creechies eram incapazes de levantar a mão um para o outro quanto mais atacar outra espécie. A chegada da humanidade fez com que eles precisassem alterar seu modo de vida. O mais afetado foi, sem dúvida alguma, Selver. Uma das principais peculiaridades deles é a capacidade de entrar no mundo dos sonhos de forma a acalmar seu espírito e harmonizarem entre si. Mas, isso só pode ser feito com uma mente cristalina e transparente. Selver foi tomado por pensamentos malignos e violentos. Toda vez que ele pensa nos yumanos, ele se lembra de sua mulher e de como ela foi estuprada e ele humilhado. Bastou essa faísca para que os creechies mudassem completamente a si mesmos. A pergunta que fica é: uma vez que uma espécie abraça formas violentas de existência é possível voltar atrás?

Mas, ao serem atacados pelos creechies, os humanos não poderiam pedir ajuda? Sim, poderiam com o equipamento adequado. Infelizmente os meios de comunicação até aquele momento permitiam a comunicação à longa distância, mas a resposta podia demorar muitos anos para retornar. Le Guin mais uma vez remete à colonização europeia. Um dos motivos para a corrupção dentro das colônias era a ausência da autoridade real que levava muito tempo para conseguir tomar alguma medida contra os mal feitos dentro de seus domínios. A criação de uma burocracia local deu espaço para o surgimento de toda uma rede de corrupção que desviava dinheiro, traficava influência e tomavam medidas que bem entendessem. Outro ponto curioso é a inserção do ansível na história, um equipamento fornecidos pelos hainianos que permitia à humanidade se comunicar de forma instantânea com Terran. Chamo a atenção dessa tecnologia porque Davidson e vários outros não acreditavam na tecnologia. Imaginavam que havia a possibilidade dos hainianos adulterarem as mensagens dos humanos. Isso me fez lembrar imediatamente os questionamentos de governantes ultraconservadores acerca da idoneidade da urna eletrônica ou até da vacina contra o covid-19 (a pandemia que nos afeta no momento). Davidson politiza o emprego da tecnologia no planeta Athshe. Com isso ele tira a confiabilidade das pessoas no equipamento. Vamos ver mais tarde que tal atitude vai se voltar contra o personagem.

Floresta é o Nome do Mundo tem tantas, mas tantas camadas e temas. Fico pensando em o quanto um livro de menos de 160 páginas tem a nos oferecer e outros com mais de quinhentas não conseguem provocar um debate tão saudável e instigante. Le Guin está no ápice de seu poder como criadora. Não tenho outras palavras para usar e indicar este livro. Leiam porque é uma das melhores narrativas de ficção científica que vocês vão encontrar esse ano. E é um atestado de o quanto a autora consegue falar de assuntos tão atuais mesmo o livro tendo sido publicado originalmente em 1972. Parabéns à Morro Branco por apostar nesse material.

site: www.ficcoeshumanas.com.br
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Mawkitas 29/07/2023

A violência muda tudo
Pra mim esse livro foi um soco no estômago. É uma crítica intensa à violência, à desumanização de quem é diferente. Le Guin escreve ficção científica mas na verdade fala sobre questões atuais, sobre misoginia, sobre racismo, sobre a objetificação do outro e sobre como a violência pode ser insidiosa. O pior: às vezes violência só se resolve com mais violência e mesmo que a barbárie pareça ter terminado sobra no fim um novo sujeito que já não é mais vítima, já não é mais resistência mas sim um sujeito agora atravessado por esse novo vazio e desesperança que a prática da violência produz. Sobreviver, defender a própria vida e direito à existência e singularidade também cobra seu preço. É importante, é necessário, mas também é uma merda.
Alê | @alexandrejjr 24/08/2023minha estante
Então é uma boa ficção científica! Esse gênero só presta, verdadeiramente, se for um espelho do presente que projeta o futuro, em geral com pouquíssimo otimismo...


Mawkitas 30/08/2023minha estante
Sua definição de ficção científica é basicamente o que eu procuro em um bom livro do gênero mesmo. E uma espécie de niilismo também.




Apmmota 27/03/2021

Angustiante em certo ponto
Ursula K. Le Guin realmente gosta de abordar temas que instigam a reflexão. Em Floresta é o Nome do Mundo a autora narra a trajetória de um grupo de seres humanos que foram explorar um novo planeta em busca de matéria-prima, principalmente madeira, já que toda e qualquer árvore da Terra havia sido derrubada. Nesse contexto, Ursula mostra o lado obscuro da colonização e exploração feita pelos humanos, que chegam, se ocupam, escravisam, destroem e matam. O ponto angustiante é saber que, embora seja uma ficção, a história é muito factível, considerando o período das grandes navegações quando os europeus destruiram quase que completamente os nativos e tudo o que havia de mais precioso na terra. O enredo me lembrou muito alguns aspectos de Avatar, não sei se James Cameron se inspirou em alguma história, mas alguns pontos específicos de Floresta É O Nome do Mundo me levou para Pandora. Enfim... mas um bom livro de Ursula.
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Mari 02/11/2020

Muito bom! Nos faz ter muitas reflexões
Segundo livro da série Hainish Cycle da autora, que além dele é composta por "A Mão Esquerda da Escuridão", "Os Despossuídos" e "The Day Before the Revolution". Mas, apesar de se passarem no mesmo universo, são obras independentes, ou seja, podem ser lidas em qualquer ordem.
Não sou muito fã da literatura de ficçãocientífica (embora goste de filmes desse tipo), porém, como achei a sinopse interessante, resolvi ler pra ver qual que era a do livro. A história se passa no planeta Athshe, que está sendo colonizado pelos humanos. Esse planeta é habitado por humanóides muito pequenos (impossível não fazer analogia com os hobbits), cobertos por pelos verdes, que possuem a habilidade de sonhar acordados e, por isso, eles não precisam dormir. Eles vivem em diferentes tribos, todas as líderes são mulheres mais velhas, mas também existem os líderes espirituais, os Sonhadores, são homens sábios que conseguem controlar o sonho e, por isso, a opinião deles é muito importante. Aparentemente, existem vários planetas habitados por seres humanos não-terráqueos e Athshe é um deles. Enfim, esse planeta está sendo colonizado para a extração de madeira, porque não há mais madeira na Terra, não existem mais árvores e os athsheanos foram escravizados pelos terráqueos para desmatar e no lugar das árvores são feitas lavouras (Bem seres humanos mesmo, burros ao ponto de desmatar pra ter madeira e plantação e não entendem que se reflorestar sempre vai ter mais madeira e vai melhorar a plantação).
A história é narrada de três pontos de vista: Capitão Davidson, colonizador preconceituoso e cruel, que quer exterminar os athsheanos (ou "creechies" como os terráqueos chamam); Lyubov, um antropólogo terráqueo que estuda os athsheanos e é contra sua escravidão e extermínio, mas não faz muita coisa pra mudar a situação e Selver, um athsheano que após sua esposa ser estuprada e assassinada por Davidson, se revolta contra aquela dominação e aprende a matar. Os athsheanos eram um povo pacífico e eles não cometiam assassinato, estupro ou escravidão, mas a chegada dos terráqueos muda isso. Então, Selver passa a liderá-los para o extermínio dos terráqueos e por isso, passa a ser considerado um deus, o deus da morte, porque ele os ensinou a matar.
O livro é muito bom e traz muitas reflexões sobre colonização, racismo, exploração desenfreada de recursos e assassinato.
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Maikel.Rosa 10/07/2022

Já tenho meu novo personagem mais odiado da literatura.

"Floresta é o nome do mundo" é um dos livros do Ciclo Hainish, um conjunto de obras da Ursula Le Guin sobre a colonização humana em outros planetas.

É sério, eu nunca senti tanto ódio por uma personagem como pelo capitão Davidson, que é líder militar de uma colônia no planeta Athshe.

É impressionante como a Ursula nos coloca dentro da cabeça de um homem truculento, misógino, arrogante e xenofóbico, capaz das maiores atrocidades.

Por outro lado, a gente tem os athshenianos, humanoides dóceis e profundamente ligados à natureza que têm a capacidade de sonhar acordados.

A história é forte, ao expor o extremo da imbecilidade humana, mas traz uma mensagem muito importante sobre o respeito a quem a gente ACHA que é inferior à gente.

Eu não paro de me surpreender com a Ursula, então não vejo a hora de ler as outras obras d ciclo!
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Lyla 13/03/2021

Absolutamente incrível
Bem escrito, bem pensado, bem desenvolvido! A forma que a Ursula cria os universos e os personagens é divina. Em um livro curto ela consegue dar tridimensionalidade para eles e foca no impacto do ser humana à natureza, bem como os seres de advém dela! Simplesmente, leitura obrigatória para quem gosta de ficção
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Renata 10/11/2020

[marquei aqui a versão em português mas na verdade li em inglês em uma edição de 2010]
Antes de ler este livro li em algum lugar pessoas comentando que ele havia sido considerado caricato quando lançado. Não sei se isso é real, mas de qualquer forma é razoável imaginar isso levando em conta como o colonialismo e o imperialismo cometido por grandes nações por vários séculos na história é algo normalizado. Nesse livro a Le Guin mostra como há perversidade, projeção e racismo na experiência colonial, e como ela inevitavelmente transforma os dominados.
Ler esse livro em 2020 foi nauseante porque um dos narradores do livro, o comprometido colonialista, é muito realista. Algo que parece ter sido escrito como leve exagero é hoje bastante corrente. Compreensível que a Le Guin tenha dito em entrevista que escrever esse livro foi fácil mas desagradável.
Da escrita da autora o que mais me marcou foi a fluidez do texto e as descrições das florestas. O texto também é bem direto aqui. Achei ele menos lírico do que outras coisas da autora que já li. Acho que essa "retidão" do texto o torna ainda mais cortante.
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Luciana 11/03/2021

Ficção científica muito mais voltada para o humano. Sobre colonização e tudo que vem junto, xenofobia, violência, desrespeito as riquezas naturais, etc... É também sobre como um povo pode ser unir e defender o que é seu, porém não sem de alguma forma se contaminar.
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Rosita Lima 30/08/2022

FLORESTA É O NOME DO MUNDO, de Ursula Le Guin, prova como o ser humano é tóxico
Floresta é nome do mundo, da Ursula Le Guin, ganhou uma nova edição em 2020 pela Editora Morro Branco e aqui temos humanos estudando um novo planeta e o preparando para levar o resto da população já que a Terra está numa situação deplorável. Por culpa de quem? De nós mesmos! Aparentemente o ser humano destrói tudo que toca e a Terra se tornou um planeta sem matéria prima.

Esse novo planeta é praticamente um paraíso. Bonito, cheio de florestas e é habitado por seres humanoides com um pouco mais de um metro de altura e com corpos que se assemelham as próprias florestas porque são cobertos de pelos verdes e sedosos. Essa é uma raça que sempre viveu em paz... Tirando dessas florestas somente o necessário para sobreviver e até a chegada dos humanos eles não conheciam conceitos de escravidão, guerra ou exploração.

Só que a medida que os humanos vão os oprimindo e os encurralando e eles acabam adquirindo sentimentos como ódio e revolta, e depois que tais sentimentos entram no coração dessa raça eles não tem como voltar atrás.

A história é simples, mas de extrema importância e realmente grandiosa pela maneira que ela é capaz de atingir o leitor. Se a gente for olhar bem, o que os humanos estão fazendo não tem muita diferença do que a gente estudou quando era criança sobre o que os europeus fizeram com os índios quando chegaram ao Brasil. Estudar aquilo, que foi real, pela maneira que nos é ensinada não passa nem perto de causar impacto que esse livro traz.

Foi somente quando a Ursula apresentou o personagem Selver, um dos nativos, é que eu tomei consciência da real brutalidade do colonialismo. A gente se afeiçoa a esse personagem e sente realmente as dores dele e vê o como o ódio o maculou. Lendo esse livro senti vergonha ser humana. A gente fala muito sobre o que é o conceito de humanidade, mas será mesmo que essa palavra é empregada da maneira correta? Normalmente são os seres humanos que possuem atitudes brutais movidas apenas por ganância. Enquanto outros seres, tanto nessa história como no mundo real, quando acabam se entregando a violência é apenas como mecanismo defesa. Uma resposta ao impacto do ser humano em suas vidas!

A Ursula é bem direta nessa história, tanto que o livro é pequenininho e super fluído. Da mesma forma que a gente sente se afeiçoa ao Selver, nós sentimos ódio genuíno pelo Capitão Davidson, que é um dos principais responsáveis pelo que o povo desse planeta está sofrendo. Quando eu li esse livro torci a todo momento para as criaturas verdes se libertarem dos humanos, e ao mesmo tempo eu me sentia imensamente triste por saber que mesmo que tudo se resolvesse o estrago causado pelos humanos não teria volta. Com certeza esse é livro que TODO MUNDO deveria ler para a gente ter consciência de como estamos destruindo o nosso mundo e tentar evitar arruína-lo de vez, para que a gente nunca tenha que chegar ao ponto de ir para outras terras ou outros mundos levar a nossa toxidade.

Resenha do blog: https://www.rositalima.com/2022/08/floresta-e-o-nome-do-mundo-de-ursula-le.html

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