Tuca 25/01/2021“Eu escrevo porque me dá prazer, porque é natural para mim, como falar ou respirar - além do grande fato de que foi necessário trabalhar para sustentar meus filhos” – Margaret Oliphant em carta a Robert Louis Stevenson.
A família Vernon dominava a região onde viviam por meio de seu Banco. Extremamente ricos, a administração do Banco foi deixada nas mãos de John Vernon a quem cabia casar com sua prima Catherine. No entanto, seguir a vida ditada por outros não fazia parte de seus planos, e ele une-se a outra moça, mais jovem, mais bonita e sem o intelecto e a disciplina de Catherine. Essa primeira traição pesou em Catherine, pois para ela não era apenas o dever para com sua família, mas também o desejo de seu coração casar-se com John; mas foi quando John traiu o negócio da família e fugiu, que ela realmente ficou arrasada. E foi a jovem mulher, sozinha, que conseguiu reerguer o Banco, criando assim um culto a sua personalidade na região, como salvadora de toda aquela comunidade. Ela era como um sol ao redor do qual todos os pequenos planetas incapazes de possuir luz própria orbitavam buscando sugar um pouco de sua luz; a maioria, porém, não era capaz de ser grato por ela.
Muitos anos após a partida de John, sua viúva e filha retornam a região por um convite de Catherine, agora uma idosa, que lhes cedera um lugar para morar. Pobres devido aos erros daquele homem, mãe e filha passariam a depender da boa vontade daquela a quem John Vernon mais traiu e tripudiou. Mas Hester, a filha de John Vernon, não era uma garota comum a sua época, suas ideias de independência, faziam-na ser vista como estranha por sua mãe e vizinhos, e vanguardista e até mesmo uma feminista pelo leitor do século XXI. Seu maior defeito, no entanto, era piorado por sua pobreza: a soberba. E é ele que a torna inimiga de sua benfeitora, e faz de Hester uma moça boba e facilmente iludida.
O enredo chama pelo antagonismo de duas gerações de mulheres Vernon: Hester e Catherine. Extremamente parecidas, separadas pela maturidade e condição social, unidas pelas feridas de um mesmo homem, mais de uma vez, e também forjadas por elas. A história parece ter o objetivo de mostrar a tolice dos homens, e a capacidade de recuperação das mulheres. Mas também não há como negar que no livro se faz presente a tolice do orgulho exagerado, e isso se abriga em ambos os gêneros. A premissa que se escancara na inimizade entre duas mulheres de gerações diferentes infelizmente muitas vezes se perde em meio às especulações masculinas sobre negócios e dinheiro. As conversas de Roland, Harry e Edward, na minha opinião, não deveriam ocupar tanto espaço na história quanto o fizeram. Hester, bonita, jovem e inteligente (apesar de seu orgulho por vezes sombrear seu discernimento) era cortejada pelos três, e o perfil deles, em especial os de Edward e Roland acabam sendo mais explorados do que das duas mulheres que deveriam ser as protagonistas.
Margaret Oliphant era escocesa. Viúva, sua escrita bem-sucedida na era vitoriana fez dela o arrimo de sua família, formada pelos três filhos que sobreviveram à infância, o irmão e os dois sobrinhos. De acordo com o Library Museum Archive Archaeology, ela publicou mais de cem obras, tendo começado a escrever aos dezessete anos, e era defensora dos direitos das mulheres, dentre eles o do voto, o da educação feminina, da manutenção da custódia dos filhos e o direito da mulher de praticar medicina. Fica clara a quebra do modelo da mulher vitoriana tanto em Hester com seus desejos e frustrações, quanto em Catherine com sua posição enquanto uma mulher de negócios, mas também de manutenção do status quo com as limitações impostas à jovem, a escolha de um homem por Catherine para gerenciar o banco e em personagens como Mrs. John e Emma. Nestas últimas, é possível compreender com seus destinos o que talvez fosse o pensamento de Margaret em relação ao que a sociedade da época propunha ser o lugar da mulher.
“Hester” é um romance com um bom início e um ótimo final, mas que se perde no desenvolvimento. A autora confunde personalidade forte com teimosia (o que era bem comum em personagens da época), porém consegue construir uma evolução coerente em sua conclusão. Apesar desse livro ter me transmitido vibes de “O pecado de Lady Isabel” de Mrs. Henry Wood no sentido de boa premissa, péssimas escolhas de trama, eles vão se separar e se opor em sua resolução e em sua mensagem. “Lady Isabel” propõe uma manutenção do papel da mulher, enquanto mãe e esposa, e pune aquelas que destoam do destino proposto pela moral da época, sendo um enredo que a meu ver envelheceu mal; “Hester” exalta as mulheres diferentes, as ousadas, as imperfeitas, as que criam novas funções para si e acima de tudo, as que caem, mas se reerguem, as que se apoiam, aproximando-se mais da nossa visão moderna. Para mim, é um livro que camuflado na rivalidade feminina, desdobra-se em um elogio à sororidade.
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