Queria Estar Lendo 29/01/2022
Resenha: O Reino de Cobre
O Reino de Cobre é o segundo volume da trilogia de Daevabad, da autora S.A. Chakraborty. Com um ritmo de crescente tensão, esse livro trabalha as consequências de tudo que aconteceu em A Cidade de Bronze, e abre espaço para uma conclusão de tirar o fôlego.
Esta resenha vai conter alguns spoilers do livro anterior.
Cinco anos se passaram desde os incidentes no porto de Daevabad. Ali foi exilado, e sobrevive no deserto depois de se aliar a um povo que conhecia muito da sobrevivência; graças ao incidente com os marid, Ali tem uma conexão com a água, e ela responde a ele sem que ele entenda como faz isso - o que garantiu ao rapaz e seus aliados uma chance nas terríveis areias do deserto.
Em Daevabad, Nahri vive com cautela. Ciente de que qualquer passo em falso pode causar tragédia para o seu povo Daeva, em quem Ghassan, o comandante daquela cidade, desconta sua fúria, Nahri anda em uma corda bamba. Seus poderes e sua herança mágica são os únicos fatores que garantem sua sobrevivência naquele lugar; mas não apagaram o fogo da revolta e da injustiça que queimam dentro dela.
E Dara, distante de todos, encontra aliança com uma figura inesperada que, em uma crescente de guerra, pode garantir a ele o retorno a Daevabad e o fim da tirania dos Al Qahtani.
O Reino de Cobre foi um livro intenso. Ele é lento, um slowburn de fantasia, mas mais carregado em perigo do que A Cidade de Bronze porque, agora, conhecemos o mundo, os riscos e o que está por vir.
A guerra entre os povos desse universo fantástico é certa, mas como ela vai eclodir é o que garante a tensão da narrativa. O Reino de Cobre pareceu, para mim, um pavio aceso, com um barril de pólvora no fim dele. O caminho que esse pavio percorre é tenso e tumultuado, cheio de reviravoltas e paradas bruscas, mas, eventualmente, chegamos à explosão de emoções que é o fim desse volume.
S.A. Chakraborty leva seu tempo para desenvolver as mudanças na história e para pesar as consequências de tudo que aconteceu no fim do primeiro livro. Dara, Ali e Nahri estão diferentes; eles carregam as cicatrizes físicas e emocionais do que viveram, dos horrores aos quais foram submetidos, e agem de acordo com o que aprenderam a fazer para sobreviver.
A questão política se entrelaça à religiosa e à mágica de tal maneira que uma não se desenvolve sem a outra; crença, fé, lealdade, herança, sangue. Tudo isso move a história, as injustiças, a sede de vingança. Esse é um mundo castigado por guerras antigas, movido por opressão e privilégios e por rancor. A magia oprime tanto quanto cura; o passado fortalece tanto quanto fere.
O quanto personagens oprimidos estão dispostos a erguer sua voz contra o governo terrível, o quanto esse governo está se estilhaçando pela falta de controle, o quanto sombras se levantam entre as areias do deserto para reivindicar o que lhes pertence, tudo isso cresce com o desenrolar da história.
"- Estou cansado de todos nesta cidade se alimentando de vingança."
O Reino de Cobre discute muito bem as questões políticas e sociais. Eu gostei demais dos caminhos pelos quais ela levou todos os personagens. Daqueles que agem de maneira extrema porque é como aprenderam a responder às desigualdades, até os que são comedidos porque sabem que precisam ter cuidado quanto confrontam um poder maior que o seu. Tem aqueles que nunca vão agir, tem aqueles que vão agir entre as sombras, e tem aqueles que vão erguer a voz sem medo das consequências.
Esse é um livro sobre rebeliões silenciosas, sobre batalhas explosivas e escolhas que pavimentam a ascensão ou a queda definitiva de impérios.
Os arcos dos protagonistas, divididos entre Dara, Nahri e Ali, são intensos. Começam com calma, porque temos uma passagem de tempo e o desenvolvimento do que se tornaram as vidas deles depois do caos que foi o fim de A Cidade de Bronze e, devagar, a autora trabalha a crescente das suas escolhas e das suas jornadas.
Nahri, da ladra trambiqueira das ruas do Cairo para a Banu Nahida, curandeira e salvadora do seu povo, uma figura de poder e respeito, quase mística, para prisioneira dos Al Qatani, submissa ao governo deles para se manter viva; mas jamais dobrada ao seu favor. Jamais quebrada o suficiente para deixar todo o seu fogo e revolta se apagarem.
"- Sinto que o centro de nosso mundo deveria pertencer a todos nós."
O arco dela em O Reino de Cobre é grandioso porque explora todo o potencial da personagem. Ela usa o privilégio da sua posição entre os nobres para garantir privilégios aos que jamais os teriam sem alguém lutando por eles. Ela vê essa guerra entre os povos que habitam Daevabad e conhece o suficiente de conflitos para entender o horror que eles carregam. E esse é um conflito que existe há muito tempo, milhares de anos, e que definitivamente não vai ter fim com palavras inflamadas ou vinganças pouco comedidas.
Nahri se mostrou uma personagem feminina incrível, com falhas e forças, fazendo boas escolhas e outras que se mostravam complicadas. É uma personagem interessante de acompanhar, em toda sua concepção e principalmente em todo o seu crescimento; da garota perdida para uma figura ciente do poder que tem, especialmente da manipulação que ele carrega, é um grande salto. Ela encontrou sua voz e não tem mais medo de usá-la. Já se cansou do sofrimento causado por se calar, e sabe o preço de erguê-la.
Meu deus como eu quero ver o que está reservado para ela no último livro dessa série!
Ali, por outro lado, passa por rompantes mais radicais envolvendo seus ideais, sua fé e sua fidelidade à família e Daevabad. Enquanto Nahri é muito fiel a si mesma e a todos os povos, Ali ainda vive questionamentos envolvendo sua criação e sua família.
Mesmo exilado, a lealdade dele aos Al Qatani é poderosa; mesmo depois de tudo pelo que passou com o pai, ainda existe uma parte frágil no coração de Ali que mais se ressente do que se zanga pelo que Ghassan fez ele viver. E isso é importante, porque mostra a fragilidade do personagem. Faz com que a gente torça para que ele se fortifique, para que quebre as amarras dessa relação abusiva com uma figura tão terrível quanto a de Ghassan.
"Na experiência de Ali, sonhar com um futuro melhor só levava à ruína."
Tem também todo o mistério envolvendo o incidente no lago e sua conexão com os marids que o livro explora de maneira magistral, guardando o melhor para os momentos mais explosivos. S.A. Chakraborty sabe como explorar a lentidão e a ação da sua narrativa, e o faz nos pontos de virada mais intensos possíveis; ela constrói toda essa sensação de que estamos nos aproximando da beirada de uma montanha-russa, e nos deixa a beira dela até o limite.
Por fim, falar sobre o Dara é estragar uma experiência emocional impactante do início ao fim, então deixo apenas meu coração para todo o arco dele. Um dos personagens mais complexos que já tive o prazer de ler, o Afshin tem grande destaque durante o livro todo, e vive os maiores conflitos de emoção, de razão e de moral na história.
Sem decepcionar, a autora desenvolve seus protagonistas junto aos coadjuvantes de tal maneira que não existiria história principal sem as paralelas. É tudo muito conectado, fluído e, tal como Daevabad, as tramas se entrelaçam através de sangue, família e amor.
Personagens como Muntadhir, Nisreen, Ghassan, são essenciais para o que a cidade, e seus protagonistas, vivem. Daevabad, por si só, é não apenas o palco, mas a alma dessa série; é onde tudo acontece, mas é onde todos acontecem.
"Era aquela cidade inteira. Daevabad tinha destruído todos que ali viviam, do rei tirano ao trabalhador shafit que espreitava no jardim dela. Medo e ódio dominavam a cidade - acumulados durante séculos de sangue derramado e os rancores resultantes deles."
A magia corre solta pela trama, por seus personagens, pela cidade e além dela. É um mundo rico e criativo, que nos apresenta uma mitologia única e que, como toda boa fantasia, nos faz acreditar que sim, existe uma cidade perdida em meio à oásis e um deserto imenso, escondendo criaturas mágicas do mundo humano.
Tem alguns flashes de romance, discretos em comparação à política, fé e problemas familiares, mas servem para trazer um pouco mais de suavidade para a história. Para quem não curte tanto foco em romance, como eu, é outro ponto muito positivo dessa série.
A guerra se aproxima, mas o caminho que a pavimenta é o que torna O Reino de Cobre uma continuação tão emocionante. Do começo ao fim, a sensação de uma explosão que se aproxima mantém seus olhos grudados nas páginas. São 704, mas passam voando.
Aliás, o motivo para o livro ter o título que tem! Surto e gritaria.
Por aqui, eu fico roendo as unhas até o lançamento de O Império de Ouro, volume final da Trilogia de Daevabad que a Morro Branco já confirmou pra esse ano. E, de novo, se você gosta de fantasia da mais intensa e complexa possível, essa é a sua série.
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