luizhenrique.dourado.1 13/11/2020
Viaje junto para o Oriente
O Oriente ao lado solta a pista logo no título da questão que pretende enfrentar no romance. Quanto é possível enxergar além da nossa bolha de cultura e de ideologias (inclusive aquelas que fabricamos para nos sentirmos melhores ou superiores moralmente)? Quando a nossa bolha estoura, o que sobra? Existe a tal da humanidade intrínseca da espécie? O Oriente está ao lado, qualquer lado, dividindo o planeta conosco, ocidentais, ao custo de uma passagem de avião, com uma filosofia de vida, valores, passados e perspectivas completamente diferentes dos nossos. É possível realizar uma imersão consumindo o que há de belo e guardando as mazelas apenas como bagagem cultural? Alice, a protagonista do romance, entediada de sua vida de conforto na zona sul do Rio de Janeiro e das discussões sobre política nos diretórios da faculdade de cinema, acredita que sim. Ela pinta a ideia da viagem que surge numa propaganda em rede social como o chamado espiritual e convida a amiga Bárbara com tudo pago para acompanhá-la. Contudo, a bolha de Bárbara é outra, menos colorida, de família pobre, suas demandas são de autoafirmação, do próprio corpo, a aparência, Bárbara não precisa olhar para o outro, Bárbara precisa primeiro ser vista. E é imergindo completamente na viagem com as duas (o leitor como um terceiro turista), no duelo entre realidade e expectativas de ambas é que conhecemos o que as une e o que as separa. Para quem já visitou a Tailândia e o Cambodja, as descrições, as imagens, o comportamento dos nativos, a textura destes países estão fielmente construídas. É possível sentir o cheiro do curry nas páginas. Para quem nunca visitou, é uma ótima experiência para conhecer um pouco da história, principalmente do Cambodja, cuja tragédia de um genocídio de metade da população pelo Khmer vermelho quase não é comentada no Ocidente. Tudo é apimentado por Flávia Iriarte com uma voz de narrador excelente, um tom despojado, cheio de ironia e gotas de acidez. Outro ponto que se destaca é o uso das figuras de linguagem, as metáforas e analogias são certeiras (algumas divertidíssimas), transmitem ideia e dão estilo ao texto. Embora o romance não seja construído em cima de beats (trata-se de um projeto claramente com enfoque literário), a história tem ritmo, uma linguagem fluida, muito bem construída que fazem as páginas andarem com facilidade. Talvez esta apreensão do leitor seja consequência de uma névoa fininha que paira sobre a história, uma tensão velada, de que algo muito estranho está sendo alimentado, que engorda, e que explodirá a qualquer momento sobre as duas. A promessa de Flavia Iriarte é cumprida com um clímax poderoso que escancara verdades e destrói os muros que as personagens construíram para si. A jornada da viagem com Alice e Bárbara vale muito, é uma estadia em resort all-inclusive que merece avaliação cinco estrelas. Não esqueça sua câmera fotográfica e guarde as melhores imagens e frases. O Oriente está ao lado, mas permanecerá dentro do leitor por um bom tempo.