livmchdo 13/11/2022Se Raine tivesse comunicado isto a polícia, metade do livro nunca teria acontecido.Acho que descobri qual é meu ponto fraco de livro hot: dark romance de futebol com bully enemies to lovers. Muito específico, mas tá aí. Aceito indicações de livros nessa vibe.
Em Trick Me Twice, conhecemos a história de Raine: uma garota nerd, quietinha, que vive debaixo dos holofotes e não tem muitos amigos, mas ela é a mulher mais gostosa do mundo e ninguém notou ainda. Seu único contato na escola se restringe a sua colega, Laure, e ao seu vizinho que parece odiá-la, Carter. Raine é uma pobre órfã (que surpresa) e ela mora com sua tia, outrora casada com seu tio, mas ele abandonou a família para viver um romance com uma colega de trabalho e levou todo o dinheiro com ele. Raine é pobre, pobre, pobre, mas não de marré, marré, marré. Ela estuda numa escola particular, sua tia faz turnos insanos no hospital pra conseguir pagar as contas da casa e ela tem o que precisa, com a exceção de um carro.
Como em todo livro teen de romance escolar, precisamos sempre deixar os pais (ou figura adulta responsável) fora da jogada, porque qualquer adulto ia perceber que pelo menos uns quinze crimes são cometidos no decorrer do livro e teriam feito alguma coisa. Aqui a tia dela trabalha de madrugada num hospital, na parte das pessoas que fazem os partos. Acho bem interessante, porque tenho uma amiga que trabalha nessa mesma área e ela sempre faz turno de 12 horas e folga 36 horas. Ao passo que a tia da Raine trabalha 12 horas TODO DIA. Que desgraça de lei trabalhista é essa?
Por conta disso, temos nossa jovem sem restrição de horário pra voltar pra casa e sem ninguém para criticar as escolhas tomadas por um lobo frontal não completamente desenvolvido.
Nesse livro, a dinâmica usada para fazer a histórica engatar e uma forma preguiçosa de papo de coach. Ao invés de desenvolver a personagem e fazer com ela que consiga ter alguma agência, a autora usa de um externo, no caso a melhor amiga, para ficar sempre influenciando Raine a ser alguém que ela não demonstra ter interesse em ser. Se você é tímido e não gosta de chamar a atenção, tudo bem, você não precisa ser um exemplo de interação social. Mas essa amiga é uma péssima pessoa e muitas vezes essa zona de influência que ela passa a exercer sobre a personagem seria extremamente prejudicial no mundo real. Com esse tipo de comportamento, você passaria a confiar no julgamento de outra pessoa para saber o que é bom ou não para tentar "sair da zona de conforto" e alcançar seja lá esse patamar que a outra pessoa espera de você.
Cada vez que a expressão 'zona de conforto' era citada nesse livro eu morria um pouco por dentro. É exatamente o mesmo papinho que meu chefe usava pra fazer a gente dar o sangue e a carne pela empresa, pra no fim ele receber uma proposta pra ir trabalhar nos EUA e os pobre que estavam fazendo de tudo pra sair da zona de conforto, continuaram aqui, ralando o mesmo. Não caia nesse papinho de zona de conforto. Tente coisas novas, mas nunca faça uma coisa impensada ou faça a mais só porque alguém está te dizendo que vai ser bom. De boa intenção o inferno capitalista tá cheio.
É aquela máxima: se fulano pular da ponte por uma promoção, você vai pular também pra sair da zona de conforto?
Nesse caso a Raine foi. Ela vai para uma festa de halloween vestida de Hera Venenosa sexy e chama imediatamente a atenção de todos os garotos da escola com seu corpão de parar o trânsito. Como Raine também é o Clark Kent, quando ela está de máscara ninguém a reconhece e então Carter acaba ficando com ela e imediatamente fica de bingulin na testa, a melhor transa da vida dele, nunca nenhuma outra garota será a mesma coisa. Coisas acontecem, roleplay de The Purge e, no final da noite, Carter descobre que a Hera Venenosa era a Raine e resolve se vingar dela.
Falando agora sobre o Carter: boy lixo. Ele espalha montagem de fotos no site de fofoca insinuando que a Raine estava se prostituindo para o time de futebol da escola. E ELE NUNCA FAZ NADA PARA DESMENTIR OS BOATOS QUE ELE MESMO COMEÇOU. Isso não é só uma fofoquinha de colégio, falar que Raine é boba e come cola. Isso pode ter impactos imensos na saúde mental de uma pessoa. Já existiram casos de garotas que se mataram por causa disso, que precisam mudar de cidade e até mesmo perdem a vaga na faculdade, perdem a carreira e sofrem com isso pelo resto da vida. Não tem perdão. E ele nunca faz NADA pra merecer sequer que ela cogite em perdoar. Ser um grande gostoso e fazer sexo legal não é o suficiente. Esse mano tinha que ter se humilhado, comido o pão que o diabo amassou. O bullying é mal desenvolvido pra caramba e o arco de redenção do Carter é patético.
Fora isso, duas outras coisas que me chamaram a atenção nesse livro. Esse elemento sobrenatural de corvo que fala, velha que diz profecia é tão deslocado com o resto da história fiquei muito confusa. Podia ser algo mais sutil. E aquele clímax com o incel... só tenho uma coisa a comentar: ????????????
O resto vai ser apenas uma grande chororô de "quero ficar com você"... "agora não quero mais" digno de série teen mesmo. Foi divertido de ler no comecinho, mas quando você já viveu uma relação assim, você sabe o quanto isso é desgastante e ver a Raine se humilhando pelo Carter chega a dar raiva. O lado bom desse livro é que não tem muito hot, acho que deve ter uns três no máximo. Então você consegue ver que tinha uma intenção de plot ali, por mais que não tenha sido a melhor das execuções.
No final ela até muda de faculdade por causa dele. Gente, por favor. Tá vendo a falta que um adulto faz na vida dessa menina? É o seu futuro, sua carreira profissional, aí você vai trabalhar num emprego lixo porque com dezoito anos você achava que seu namoradinho lixo ia ser eterno. Seis meses depois vocês terminam e você está presa num lugar que não quer, com uma carreira que não quer e infeliz por conta de homem.
Fica aí de lição: NÃO MUDE DE FACULDADE POR CONTA DE HOMEM. Na real, não faça nada por conta de homem.