RayLima 09/07/2023
Nunca é tarde
Millicent (ou apenas Missy) é uma senhora de quase 80 anos, esposa de Leo e mãe de Melanie e Alistair. Agora, sem o marido e tendo brigado com Melanie e com o filho Alistair morando na Austrália, ela se vê sozinha e com saudades da vida de antes, apesar de nunca ter realmente gostado da rotina de mãe e dona de casa.
A história é bem comum, me lembra a série After Life (da Netflix, muito boa inclusive) e o filme O Pior Vizinho do Mundo (remake de um filme sueco inspirado no livro Um Homem Chamado Ove) que contam a história de homens viúvos antissociais e rabugentos que tem suas vidas impactadas pelo poder transformador da amizade e generosidade. Só que aqui temos uma figura feminina e isso muda toda a perspectiva, trazendo à luz assuntos como a solidão da maternidade (mesmo não sendo mãe solo), o relacionamento complicado entre mães e filhas, baixa autoestima e medo da rejeição.
Missy era alucinadamente louca pelo marido e se diminuiu tanto buscando a aprovação de Leo que acabava fazendo ele parecer maior e melhor do que ele realmente era. Leo poderia ser brilhante em seu trabalho, mas como marido não era nada demais, o exemplo perfeito do homem que acha que trabalhar e prover dinheiro é sua única função na família, não era carinhoso ou atencioso com Missy (nunca nem disse eu te amo!) e nunca foi muito presente na vida dos filhos.
?Ele era muito divertido, sabia brincar, algo em que nunca fui muito boa. Mas sua paciência tinha limites. Ele não queria se envolver nos detalhes e, quando a coisa ficava maçante ou confusa, simplesmente se mandava para o seu escritório ou viajava para uma conferência. E sobrava para mim arrumar tudo e seguir em frente.?
Essa baixa autoestima é tão presente que afeta até mesmo a relação de Missy com os filhos. Melanie, a filha mais velha, era muito parecida com a mãe e talvez por isso a menina a fazia lembrar de seus próprios defeitos e erros, as duas tinham uma relação conturbada. Já Alistair, o caçula, era a cópia do pai e de certa forma isso fazia a admiração sem medidas que Missy sentia por Leo se estender ao filho.
?Como quem se fixa em uma única crítica em um mar de elogios efusivos, eu me lembrava de meus fracassos, não de minhas vitórias?
Essa autodepreciação também dificulta que ela se abra para novas amizades ou que se aprofunde nessas relações. Até o bendito dia que ela sai para andar no parque e conhece Sylvie. E à partir dela vai conhecer pessoas que vão aflorar o melhor de Missy, como se ela começasse mesmo a viver uma segunda vida.
?As pessoas que realmente gostam delas mesmas pareciam possuir maior capacidade de fazer amizades, de abrir as portas para as outras. Talvez fosse por isso que eu, no passado, sempre fora bastante solitária.?
É fofo, é inspirador, é divertido, é leve, mas também trata de assuntos pesados e ainda tem um leve mistério que só é revelado no final. Para um livro de estreia, achei surpreendentemente bom, apesar de que poderia ser melhor, principalmente no desenvolvimento dos personagens, mas no geral a leitura flui bem. Comprei às cegas pelo clube da intrínsecos e acho que valeu a pena.