Thalia58 22/01/2023
Dilacerante. Traz nova perspectiva sobre o impacto da guerra
Esse foi um dos melhores livros que li até agora esse ano, muito relevante e faz jus ao prêmio recebido. At night all blood is black foi escrito por um autor franco-senegalês. A versão brasileira tem como título Irmãos de Alma.
O livro descreve a experiência dos soldados senegaleses lutando por seus colonizadores, os franceses, na Primeira Guerra Mundial. A história é contada em primeira pessoa através do protagonista Alfa Ndiaye que perde seu amigo mais próximo e irmão de alma, Mademba Diop. Depois de uma breve pesquisa, descobri que esses soldados eram chamados de Senegalese Tirailleurs e eram recrutados muito antes da Primeira Guerra e lutaram também na Segunda Guerra.
A linguagem é diferente dos livros que tinha lido, é crua e direta e em alguns momentos retrata situações bem gráficas que pode tornar a leitura um pouco difícil de digerir (mas é de se esperar já que o contexto é a Primeira Guerra Mundial). Além de ser permeada de culpa e arrependimento. A história não é totalmente linear, a partir do que está acontecendo no presente, o protagonista vai contando ao longo do livro suas motivações e histórias antes de ir para a Guerra, mas pode ser um pouco confuso no começo até entendermos quem é o personagem e o que se passa com ele.
Podemos acompanhar o adoecimento mental de Alfa Ndiaye que teve como estopim a perda de seu irmão de alma. Esse é um dos temas tratados no livro, as pressões, torturas psicológicas e barbaridades aos quais os soldados eram obrigados a vivenciar. E a linguagem deixa esse desenvolvimento muito claro, é uma das coisas que considero muito interessante no livro.
Outro tema relevante é a questão dos oprimidos serem obrigados a lutar pelo seu opressor e o fato de terem sido usados como tática de guerra por serem negros, reforçando os esterótipos de bárbaros canibais, para causar medo no adversário. Além disso, ainda tem a barreira linguística, já que a maioria não sabia falar francês. Ao longo de sua narrativa Alfa Ndiaye expõem essas barbáries e quem as causa, e nos faz refletir quem de fato são os ‘vilões’ da história, os soldados que estão apenas recebendo ordens sem nem pensar sobre o que estão sendo submetidos ou quem está comandando a guerra de fora.
Achei muito interessante que o protagonista escolhe a barbárie de forma consciente, diferente dos seus colegas que a executam por causa dos comandos, nos faz refletir sobre até que ponto a bárbarie é considerada normal em uma guerra, coloca em destaque o que é certo e errado durante esse período. Mostra a luta do protagonista sobre essas questões e também sobre a moralidade, tradições e ancestralidade. E talvez essa consciência adquirida durante esse momento tão aterrorizante é o que tenha acelerado ainda mais esse processo de adoecimento.
A história dos pais de Alfa Ndiaye é linda e triste ao mesmo tempo, realmente gostei desses personagens. Nessas histórias de infância, conseguimos ter um pouco de noção sobre sua cultura. O que torna o fato deles serem recrutados para lutar pelo lado do opressor ainda mais terrível, uma guerra que nem era deles.
Acredito que o nome do livro em inglês, um trecho do próprio livro, All night all blood is black (A noite, todo sangue é preto) se refere ao fato de independente do lado em que estavam na guerra, no final todos tinham o mesmo destino, independente de sua cor. O que consegui tirar de reflexão desse trecho é que nas guerras, não existe um lado vencedor, todos saem perdendo.
Gostei mais da capa do livro na tradução brasileira, mas depois que avancei na leitura entendi a capa da versão inglesa que li.
O final me deixou um pouco confusa, mas talvez tenha sido proposital do autor para mostrar o quanto Alfa Ndiaye tinha se perdido em si mesmo e o quanto ele tinha sido afetado pela guerra. Quem já fez a leitura desse livro e quiser compartilhar a percepção desse final, deixe aqui nos comentários.
Recomendo muito essa leitura, é um livro muito relevante e de muita maestria que traz perspectivas diferentes sobre um acontecimento que já foi retratado tantas vezes.