Mudar Para Manter Exatamente Igual

Mudar Para Manter Exatamente Igual Ruy Moreira




Resenhas - Mudar Para Manter Exatamente Igual


1 encontrados | exibindo 1 a 1


Anderson Luiz 21/03/2024

Do engenho à usina: a permanência de uma mesma estrutura
O livro apresenta três capítulos, sendo estes: ?Os ciclos espaciais de acumulação: raízes e fontes do poder agrário no brasil?, ?O espaço total brasileiro? e ?Formação do espaço agrário brasileiro?.

No primeiro capítulo, Ruy Moreira discute a formação do espaço agrário brasileiro a partir dos ciclos de acumulação, de modo a demonstrar o processo de formação do espaço agrário brasileiro e os fundamentos do poder agrário. Porém, diferente do que foi trabalhado pelos historiadores, Moreira trabalha os "ciclos espaciais de acumulação" não apenas como um "saldo sequencial" de camadas que se acumulam, mas sim como ciclos que se expandem e se fundem uns com os outros, ou seja, não se restringem a um determinado recorte espaço-tempo que se encerra com o início de outro ciclo. Nesse sentido, o espaço brasileiro atual não apresenta um único ciclo resultado de uma sequência ?eliminatória?, mas sim a fusão desses ciclos resultando no espaço como um ?acúmulo desigual de tempos? (SANTOS). Desigual porque determinadas regiões vão apresentar características que se aproximam mais de um ciclo do que de outro.

A partir disso, o autor vai demonstrar, principalmente no segundo capítulo, como a burguesia agrária atuou desde os tempos de colônia para a manutenção do poder agrário, com o Estado sob seu mando, garantindo que as terras se mantivessem em seu poder. No capítulo dois, Moreira demonstra como o centro de mando político se deslocou junto com centro da produção econômica dominante de cada período. Primeiramente, instalando-se no Nordeste brasileiro (Salvador) com o ciclo da Cana-de-açúcar, deslocando-se para o Sudeste (Rio de Janeiro) com o Ciclo do Café e, por fim, para o Centro-oeste (Brasília), nos anos 1960, com a explosão da agroindústria. Nesse sentido, demonstrando que o centro de mando sempre esteve ligado ao poder agrário, que se estrutura a partir da relação ?fazenda-Câmara-cidade-município?, orientando mudanças de modo a garantir a permanência de uma mesma estrutura, ?mudando para manter exatamente igual?.

A perpetuação do poder agrário por intermédio do Estado é trabalhada de maneira detalhada no terceiro e último capítulo, desde o período colonial até a atualidade. Grande expressão desse fato é a Lei de Terras de 1850 que, não por coincidência, foi decretada em conjunto com a regulação do mercado de trabalho através da abolição do tráfico de escravos. Com a Lei de Terras de 1850, as terras só poderiam ser adquiridas através da compra. Dessa forma, a elite agrária que havia recebido suas terras através do regime de concessão de Sesmarias manteria sua posse restrita à grande maioria da população, principalmente dos escravizados, aos quais restaria apenas a força de trabalho para oferecer aos mesmos latifundiários de antes. Da mesma maneira, a abolição da escravatura em 1888 vem acompanhada da proibição do voto para analfabetos, com a primeira constituição da república, uma forma de impedir o voto da população negra. Assim, o ?engenho? de ontem tornou-se a ?usina?, a agroindústria de hoje, com a estrutura social em torno, ou a partir da qual se organiza a sociedade brasileira mantendo-se praticamente inalterada. Nesse sentido, o Brasil é uma sucessão de projetos bem sucedidos de manutenção de uma mesma casta no poder.

Por fim, não se trata de uma leitura fácil. O livro reúne três textos acadêmicos que trabalham o mesmo tema a partir de diferentes aspectos. Um tema importante visto que, conforme apontado pelo autor na introdução, somos uma população com mais de 86% de residentes urbanos diante de uma forte presença política da bancada ruralista.
comentários(0)comente



1 encontrados | exibindo 1 a 1


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR