Evy 27/02/2021"Quem pode dizer o que é felicidade? Você pode, por acaso?"Este livro foi indicado pelo maravilhoso Mia Couto e traduzido para o português brasileiro pela primeira vez pela TAG livros, e nos apresenta a história de um garoto congolês com um sobrenome ridiculamente grande que nem me atrevo a tentar colocar aqui, mas cuja tradução é "Demos graças a Deus, o Moisés negro nasceu na terra dos ancestrais". Por isso é conhecido por todos como Moisés.
Ele passa um grande período de sua vida em um orfanato de Loango, cidade próxima a Pointe-Noire, segunda maior cidade da República do Congo e uma cidade portuária. Nesse orfanato, Moisés vai conhecer o amor sob a forma de pequenos gestos de uma funcionária a quem ele admira muito, como é possível notar neste trecho:
"Eu passo os olhos por seus cabelos grisalhos que começam a aparecer nas laterais. Seus óculos fundo de garrafa me intimidam, mas mesmo assim eu os admiro; eles me dão a impressão de que Niangui passou a juventude lendo livros escritos em letras menores do que as da Bíblia que destruíram, com o passar do tempo, sua vista. Assim como ela, eu queria ler e ler ainda mais livros"
Sabine Niangue é o mais próximo de uma mãe que Moisés teve e, em um relato que faz ao garoto, nos traz uma forte reflexão:
“Sim, ela queria um filho claro porque isso representava, na época, uma espécie de superioridade, era besta, mas era parte da nossa complexidade em relação aos brancos, tudo o que fosse branco era melhor, tudo o que fosse preto era amaldiçoado, sem futuro, sem amanhã, você ainda está me escutando, meu pequeno Moisés?”
São dela, também, as perguntas que dão título a essa resenha e é uma personagem que me marcou. O livro traz esse traço de contar várias histórias dentro de uma história e vamos conhecer outros personagens, como o diretor e os funcionários do orfanato, a do melhor amigo de Moisés, Bonaventure e outros colegas do orfanato e mais pra frente, outros personagens que ele vai conhecendo ao longo de sua jornada. Dado momento, Moisés escapa do Orfanato junto com dois irmãos gêmeos que o apelidaram de Pimentinha por conta de uma vingança do garoto contra eles que de certa forma os aproximou e então começa uma vida de pequenos delitos na tentativa de sobreviver na cidade.
O pano de fundo da trama é um país que acabou de sofrer um golpe de estado e uma revolução comunista que culmina na fundação de um partido e um novo regime, marxista-leninista, é consolidado. E neste contexto, os relatos do autor, vão pontuando a história do Congo com a vida de seus personagens, histórias que dificilmente conheceríamos se não pelas páginas de um livro. A narrativa do autor é irônica e ácida, traz um certo humor mas contrabalanceado com a realidade dura e vívida de uma sociedade esquecida.
Mais uma vez recordo a maravilhosa palestra de Chimamanda sobre o perigo de uma única história. É preciso conhecer novas culturas, ler novas realidades, nos faz crescer como seres humanos. O final da história é de trazer lágrimas aos olhos e destaco mais uma citação que partiu meu coração:
"Meu amigo Fort la Mort me disse que o adjunto adverbial está lá para completar a ação do verbo de acordo com as circunstâncias. Quer dizer que sem ele o verbo está totalmente perdido, não consegue mais exprimir com precisão a causa, o meio, a comparação, etc... Talvez minha memória não seja mais confiável porque perdi a maior parte de meus adjuntos adverbiais"
Super recomendo a leitura!