Biiancaw 02/04/2024
"O mundo onde o normal é ser anormal."
Alice no país das maravilhas é sem contestações uma obra complexa e ousada. O frequente uso do absurdo faz com que seu real valor seja subestimado, e constantemente tratado como apenas um livro infantil.
Entretanto, como uma amante da filosofia, não pude deixar de notar os diversos pontos, teses variadas e questões filosóficas que a obra retrata, como, por exemplo: As controvérsias sobre ética; as disputas de linguagem; a relação entre corpo-mente; e os diversos enigmas de identidade que Alice se depara no decorrer da trama. Outra grande questão que não escapou da minha concepção foi aquele "Olhar o mundo pela primeira vez", que lê lembrou bastante o livro "O mundo de Sofia" no qual o mesmo afirma que todas as coisas são um coelho, e nós, seres humanos, somos "carrapatos" que estão no fundo da pelagem do animal, totalmente desinteressados e acostumados com a realidade, não questionamos. Entretanto, os filósofos e crianças, são aqueles que estão na ponta dos pêlos do coelho, deslumbrados e indagados com tudo; e creio eu que isto se encaixa perfeitamente com o livro de Alice, que enxergo sua história de como uma criança tentando entender o mundo.
Outra disciplina que pode ser aplicada na obra, é a sociologia. A intolerância que a sociedade possui diante daqueles que não estão dentro dos seus padrões e normas, são loucos, "não são aquilo que pareciam ser". Pode-se notar que todos os personagens do livro são eles mesmo ?se expressam com sinceridade.
Opino eu que, a Rainha de Copas é uma representação da sociedade que te "executa", por cada erro que cometerá e cada maneira excêntrica de ser, tanto no sentido literal (pode-se encaixar perfeitamente com diversas situações de de pessoas "loucas" que acabam contundidas e até se auto-destruindo pelas mãos da sociedade) ou no sentido figurado (acabam deixando de ser quem realmente são, de certa forma, parte delas morre.) A Rainha de Copas também pode representar o poder absoluto de uma monarquia e nobreza, principalmente, na época e no local que se passa, Inglaterra, Era Vitoriana. Todavia, é possível encaixar perfeitamente seu poder de ter o que é quiser nos dias atuais, bastante hodiernamente ser da alta sociedade, para então fazer o que bem entender.
A Alice, protagonista da obra, foi baseada em uma das três filhas de um dos seus amigos, Alice Liddell, ela era tua predileta. O autor, Lewis Carroll, foi conhecido por suas diversas "amizades" com garotas mais novas, o mesmo, adorava levar brinquedos e doces em suas viagens para caso conhecesse alguma menina, e quisesse agrada-lá. Isso levantou diversas suspeitas sobre sua real inocência, fazendo com que diversas pessoas afirmem que ele cometeria pedófila. Trazendo um peso muito maior para a personagem e a obra. A garota foi conhecida como uma criança extremamente inteligente e articulada para a idade, ela acredita que já sabe quase tudo e procura agir como os adultos com os quais convive. A mesma é uma representando a imaginação própria da infância, ela se aventura num mundo onde tudo é diferente e desafia a racionalidade. Confrontada com os comportamentos absurdos dos habitantes do local, fica assustada, frustrada e até furiosa com a falta de ordem e normas sociais. Aos poucos, as suas perspectivas vão sendo confrontadas com as possibilidades irracionais daquele lugar. Assim, a menina precisa se transformar e questionar tudo que aprendeu até ali. No entanto, alguns dos seus valores se mantêm: ela luta até ao final para ser escutada e se revolta com as injustiças que assiste.
A Lagarta. Embora seja um dos personagens que mais tem gerado teorias, a sua simbologia mais evidente é a de um ser que nasceu para a metamorfose. Fumando de um narguilé, a Lagarta tem uma postura um pouco altiva e arrogante, como se não entendesse as aflições da visitante. Contudo, ela tenta ajudar Alice a se adaptar e lidar com os desafios do local, apontando o cogumelo que pode modificar o seu corpo, tornando-o maior ou menor. Esta pode ser entendida como uma metáfora para a vivência da puberdade e suas transformações sucessivas. A figura vem ensinar a protagonista que a mudança é uma coisa positiva que devemos encarar sem medo e com naturalidade, já que faz parte do processo de cada um.
A rumores de que o Chapeleiro Maluco, fosse inspirado no próprio autor, por ser um alguém que apesar de viver contestando Alice, também busca ajudá-la. E demonstra uma espécie de carinho pela garota. O mesmo também conta que brigou com o tempo, e afirma que o mesmo é muito mais que um "elemento" mas um ser, extremamente sagrado, pode ser por isto mesmo que celebre seus "desaniversários" na animação de 1951. O personagem representa uma sátira das normas de etiqueta britânicas e suas convenções sociais. Ele subverte o "chá das cinco", uma das tradições mais célebres e antigas do país, transformando-a numa celebração sem sentido.
O gato de Cheshire, astuto e confiante, é sem dúvidas uma das minhas personagens favoritas da obra. Apesar da forma como se comporta, o discurso do Gato demonstra alguma consciência: ele está tentando explicar o modo como o País das Maravilhas funciona. Para sobreviver ali, Alice precisa abandonar as regras e o pensamento lógico, aceitando aquilo que há de estranho e até insano em todo mundo. Assim, o Gato de Cheshire descreve aquela realidade como um local governado pela loucura, que acaba contagiando seus habitantes. Mesmo Alice, com o tempo vai esquecendo as suas lições e reproduzindo os comportamentos absurdos daquele local.
A educação moralista concedida às crianças, é outra crítica presente na obra. O livro em si, é uma verdadeira sátira, a todas as críticas que se propõe a fazer. E no final do livro não sentimos que temos uma real moral para a história de Alice, entretanto podemos tirar a moralidade analisando a obra com cuidado, e ainda temos a graça de poder ter diversos pontos de vista e entendimentos.
Dito isso, afirmo sem dúvidas que Alice deve ser lido, desde as criancinhas mais novas, até os velhos mais vividos, é um livro que tem o dever de ser apreciado e refletido.