Pandora 25/02/2022Eu nunca havia lido nada de autores nascidos em Trinidad e Tobago. Sabia da existência do país desde cedo porque na infância assistia a concursos de miss (concurso de beleza contribui para a cultura geográfica, gente!). O que eu não sabia e descobri pesquisando paralelamente à leitura deste livro é que a população de T&T, de 1,2 milhão de habitantes (2015), “etnicamente, divide-se em dois grandes grupos: os afrodescendentes (43%) e os indianos (35%) – com expectativa de vida estimada em 71,3 anos (período 2000-2005)”. (1)
A família representada neste livro tem ascendência indiana e vive na área rural nos anos 80. Nem o pai, Clyde, nem a mãe, Joy, terminaram o ensino formal; ele trabalha como operário e ela cuida da casa e dos filhos gêmeos, Peter e Paul. Apesar de idênticos fisicamente, Peter é uma espécie de gênio: tem as melhores notas e um comportamento exemplar, enquanto Paul, que teve problemas ao nascer, foi sentenciado desde o nascimento como alguém que não conseguiria progredir muito intelectualmente.
Apesar de nunca ter sido feito um diagnóstico - que implicaria consultar um especialista na capital e provavelmente seguir algum tratamento para o qual a família não tinha recursos financeiros -, Paul sempre foi tratado de forma diferente de seu irmão, o “Menino de Ouro”, que poderia não só ter a oportunidade de estudar nos EUA, como ser aquele que alçaria sua família a um novo patamar, tanto em status, como também economicamente.
Aos 14 anos Paul desaparece, e em meio à busca pelo menino, várias questões familiares e locais vêm à tona, além de uma difícil decisão que precisa ser tomada.
Confesso que no início eu achei que talvez não gostasse da escrita neste livro porque a autora passou um bom tempo descrevendo a busca que o pai faz ao filho, percorrendo as cercanias… mas logo a história volta ao passado, para que possamos nos situar melhor, então a narrativa fica mais ágil e interessante, nos apresentando não só a vida desta família e de seus parentes, mas alguns aspectos da realidade de um lugar que vive as mazelas da pobreza: escassez de recursos, de estudo, machismo, violência, drogas, banditismo.
Acho que uma das coisas mais importantes para compreender e apreciar esta leitura é colocar-se dentro da realidade que ela apresenta. Entendo e aceito que Menino de Ouro tenha suas falhas e que agrade mais a uns do que a outros, mas li algumas críticas negativas baseadas numa pensamento simplista que ignora que o contexto é de extrema importância na dinâmica daquela família e no comportamento dos personagens e, especialmente, na escolha que o pai tem que fazer.
É uma história muito triste, como são tristes tantas histórias reais daqueles que parecem nascer condenados a iniciar a subida de uma montanha todos os dias, com muito esforço, e todos os dias ver que ainda estão no sopé.
“No fim das contas, qual dos dois era o menino de ouro?”
Notas: (1) Dados do Portal Enciclopédia Latinoamericana/Trinidad e Tobago.
Menino de Ouro ganhou o prêmio Desmond Elliott de melhor romance de estreia e foi incluído na lista da BBC de romances mais inspiradores de 2019. (Fonte: Wikipédia).