Bruno 09/02/2023
Homero em versos está mais distante de nós do que deveria.
A Ilíada sobrevive há anos no topo da literatura clássica. Não há lista ou compilado sério sem os textos de Homero logo no início, tanto pela importância quanto pela ordem cronológica.
Por que tão difícil, então?
Primeiro, não nos preparamos mais para ler um livro. A Ilíada exige uma compreensão macro da época (obtida, por exemplo, pela leitura de Hesíodo ou Ovídio) bem como micro do embate. É preciso estudar a história antes de ler o livro.
Isso nos leva ao segundo ponto mais importante ao ler Homero em 2023: a história é secundária. Nem todo mundo está pronto para dedicar suas 400 páginas à leitura de um curto período da guerra de Troia, já sabendo o que vai acontecer. A história poderia ser resumida, por exemplo, em 12 minutos, se algum aplicativo assim o quisesse - talvez até 12 linhas. Esse é o nosso problema: queremos mais e queremos rápido. Homero não entrega isso.
O tesouro de Ilíada está em seus mais de 15000 versos em hexâmetro datílico. Uma preciosidade mantida por Odorico Mendes nessa tradução.
Aí outro problema nosso: se é difícil compreender assim, não nos elevamos, mas rebaixamos o texto à prosa. Várias edições já estão disponíveis. Melhor ficar com os 12 minutos!
Quem resolve se aventurar nos versos encontra mais um problema: o Concílio Vaticano II.
A Igreja Católica abandonou o latim na metade do século passado, e a língua que traduziu o grego de Homero por 2000 anos já não é ensinada nas escolas. Se ninguém se importa com o grego antigo, pelo menos a estrutura da língua latina fazia sentido na organização dos versos.
A tradução de Mendes se esbanja nisso: palavras que não existem em português, mas juntam termos latinos em franca liberdade poética; estrutura sintática estranha à nossa língua; associação cultural entre os deuses, ora chamados pelo nome grego, ora pelo nome latino.
Por fim, quem opta por ler e entender palavra a palavra, além do trabalho hercúleo, perde a sonoridade dos versos, obtida apenas após alguma prática... lendo. A estratégia de Mortmer Adler me parece mais adequada: ignore as palavras e trechos que não compreender. Não é como se fossem fazer falta nos "12 minutos" de história. Apreciar a obra é possível assim mesmo.
Pois veja bem o que pede: aprenda grécia antiga com seu panteão, bem como sua correlação romana; aprenda a guerra de Tróia, especificamente a batalha Aquiles x Heitor (esqueça o rapto de Helena ou o cavalo de madeira); estude a estrutura dos versos, seu ritmo e ensaie um canto; entenda a estrutura da língua latina e entenda uma ou outra palavra mais frequente. Faça isso tudo e conseguirá ler um livro que te dará uma história "que podia ser um email".
Vale a pena? Para mim sim.
Enquanto houver desejo por alta cultura, haverá espaço para Homero.
Até quando?