Evy 29/08/2020Essa é a enésima vez que leio O Morro dos Ventos Uivantes e tenho umas três resenhas desse livro aqui no Skoob, mas pela primeira vez fiz a leitura do texto original em inglês e foi uma experiência maravilhosa. Portanto vou me ater as considerações sobre a leitura dessa edição e não tanto sobre a história em si.
Achei que fosse ter muita dificuldade com o inglês, pois fazia muitos anos que não me aventurava a ler nada nesta língua, mas talvez pela familiaridade que tenho com o texto (pelas mil leituras que já fiz, decorei até minhas citações favoritas), a leitura foi fluída e extremamente emocional. Principalmente pela admiração que tenho pela autora por muitos motivos que vou relembrar (mesmo já tendo enaltecido em outras resenhas, por motivos de "nunca é demais falar sobre mulheres maravilhosas com talentos incríveis"): é impossível não ver na escrita rústica de Emily Brönte, principalmente lendo a versão original, sua brilhante inteligência e seu talento raro, extremamente à frente de sua época. Emily transborda em sua escrita, pensamentos complexos e não lineares que fugiam de padrões pré-estabelecidos e denota uma astúcia singular na criação quase perfeita de suas personagens e na violência psicológica dos diálogos e cenas terríveis.
Todos esses são ingredientes que te prendem às paginas de O Morro dos Ventos Uivantes e sinto ao lembrar que Emily morreu aos 30 anos sem sequer saber que seu livro seria consagrado como um dos romances mais importantes da literatura inglesa e mundial. Aliás, é muito triste saber que Emily se foi com a rejeição de seu livro pela sociedade inglesa que não apreciara a mistura de romantismo, realismo cru e trama complexa e nem sequer acreditava que tivesse realmente sido escrito por uma mulher. Para poder publicar em 1847, Emily utilizou um pseudônimo masculino.
Dá pra notar o machismo e preconceito da época, lendo esse depoimento que Constantin Héger deixou sobre Emily, na tentativa de demonstrar sua admiração e que Rodrigo Lacerda traz na apresentação da edição da Zahar:
"Ela devia ter nascido homem – um grande navegador. Sua inteligencia poderosa teria produzido novas esferas de descoberta a partir do conhecimento acumulado pelas antigas; e sua vontade férrea jamais teria se acovardado por qualquer oposição ou dificuldade, nunca teria desistido, a não ser em caso de morte. Tinha cabeça para lógica e uma capacidade de argumentação pouco usual em um homem, que dirá em uma mulher. Contrabalançando esse dom, havia sua teimosa tenacidade, que a tornava impermeável a qualquer contra-argumentação, sempre que seus próprios desejos e senso de justiça estavam em jogo".
Por isso que a leitura desse livro, em seu texto original, me deixou ainda mais orgulhosa da jovem Emily, que aos 25 anos arrasa criando uma obra tão espetacular e tão à frente de seu tempo que chocou a sociedade da época. E além disso ainda me trouxe novas reflexões sobre personagens e passagens como é o caso dessa citação:
"I love him: and that, not because he's handsome, but because he's more myself than I am". ("Eu o amo; E isso, não porque ele é bonito, Nelly, mas porquê ele é mais eu do que eu mesma".)
Quando me deparei com essa citação, a princípio (e como sempre me aconteceu) achei bastante incômoda, me fazendo pensar de novo que Cathy amava mais Heathcliff do que a si mesma. Mas, ao reler a frase e refletir mais profundamente sobre o assunto, e sobre a Cathy em si, percebi que, egoísta e mimada como era, o que ela amava mesmo era ELA mesma. O que amava era ele ser exatamente como ela, mas com uma diferença importantíssima: homem, e portanto, LIVRE!! Ele podia, mais do que ela mesma (pela condição de mulher na sociedade da época) ser mais ELA!! E era ISSO que ela amava...
Não é maravilhoso quando um livro te surpreende a cada nova leitura??
Sempre estará em primeiro lugar na minha lista de favoritos! O livro que desde sempre abriu caminho ao meu coração...