Helder 29/01/2021Nome perfeito para um belo livro.Te desafio a encontrar um 1º capítulo tão forte e chocante quanto o primeiro capítulo de A Trança da autora francesa Laetitia Colombani lançado agora em janeiro em uma bela edição pela Editora Intrínseca.
O livro conta a história de 3 mulheres que levam vidas muito diferentes, a começar pela geografia, pois uma encontra-se na sofrida Índia, outra na ensolarada Itália e a última no frio Canada.
Vidas completamente diferentes que acabam se encontrando em uma bela e aparentemente pequena sutileza, mostrando que tudo o que fazemos movimenta o mundo, e pode atingir alguém que nem conhecemos.
Os capítulos são divididos entre as três protagonistas e a cada final de capítulo a autora deixa um suspense que nos faz querer devorar o livro, que pode ser lido em uma tarde.
No primeiro capítulo conhecemos Smita, a personagem que vive na Índia e até agora não consigo me conformar com as coisas que li neste livro. A vida descrita ali é tão cruel que a leitura vai nos dilacerando. Smita é uma Dalit, a classe social mais baixa dentre as diversas castas existentes na Índia. Não vou contar aqui os trabalhos executados por ela e seu marido, mas há tempos não ficava tão chocado com descrições em um livro e torço muito para que isso seja uma ficção inventada por uma escritora maluca, pois não é aceitável que seres humanos aceitem que pessoas vivam assim. Que vontade de implodir a Índia e jogar todo aquele país num esgoto. Pessoas dirão que aquilo é tradição e devemos aceitar e respeitar. Eu digo não! Aquilo é pura maldade e perversidade, e Smita, que sempre aceitou sua sina como tradição, decide mudar o destino da pequena Laetitia, sua filha, com um gesto simples: colocá-la numa escola, para que diferente dos pais, ela possa aprender a ler e escrever. Para nós, uma coisa banal. Para Smita, algo do outro mundo.
No segundo capítulo conhecemos a jovem Giulia, que vive na ensolarada Palermo na Itália trabalhando no ateliê de seu pai, em uma empresa que tradicionalmente familiar fundada pelo seu bisavô. Mais uma vez a autora nos surpreende, aqui de forma positiva, mostrando uma indústria da qual nunca tinha lido nada e que também não vou revelar aqui para que vocês também possam descobrir este “negócio” extremamente interessante.
Por fim conhecemos a canadense Sarah, uma mulher extremamente solitária, cujo único objetivo na vida parece ser bem sucedida mesmo, ou exatamente, por ser mulher. Ela conseguiu tornar-se sócia em um dos maiores escritórios de direito de Montreal. Porém aos meus olhos Sarah inicia o livro como a personagem mais antipática em sua vida compartimentada, onde consegue esconder até suas gravidezes de suas chefias, pois não pode apresentar nenhuma característica feminina que a diminua frente a sua chefia majoritariamente masculina. Mas a vida não pode ser programada e a realidade crua bate em sua porta com um desafio maior do que talvez ela possa enfrentar.
A autora vai nos contando as estórias destas três personagens de maneira que passamos o livro inteiro nos perguntando qual a intenção de nos contar três histórias tão diferentes, mas Laetitia Colombani consegue fechar todas elas como uma trança, onde três mechas de cabelos vão se enrolando até se juntarem na ponta de uma maneira tão bonita que faz a gente crer que o mundo tem sim muita esperança.
Nunca um título foi tão perfeito para um livro!
E além de todo os sentimentos, do ódio a esperança, que perpassam o livro, A Trança ainda é cheio de cultura que demonstram que a autora fez grandes pesquisas, principalmente nas vidas de Smita na Índia (Há tempos eu não me chocava tanto com uma narrativa) e de Giulia e seus desafios na Itália em seu negócio secular.
A autora também discute o papel da mulher nestas sociedades. Na Índia, a mulher sem voz. Na Itália a menina jovem que precisa convencer a todos que nem toda tradição é perfeita e no Canada o quanto a mulher se cobra para chegar ao ápice de uma carreira.
E por fim, o ponto que acho mais importante entre todos os discutidos é o peso da tradição no nosso mundo atual. Tudo realmente deve ser mantido em nome das tradições ou o mundo mudou e precisamos seguir em frente?
Livraço!
Se procura uma leitura diferente, A Trança com certeza é o que você precisa.
Para mim já foi um início de ano com um livro 5 estrelas que com certeza está entre os melhores do ano e que será lembrado por muito tempo.