Rita423 01/09/2021Cartas para Luísa é um romance epistolar narrado pela protagonista, Rafaela. Nas cartas, Rafaela rememora para Luísa, sua melhor amiga na adolescência, momentos vividos pelas duas e tudo aquilo que, até então, a protagonista mantivera sufocado a seu respeito.
De modo geral, o livro apresenta os trechos recontados de forma bem amarrada. A característica principal do romance e que, no seu desenrolar, se torna mais presente, mas não mais evidente (de maneira positiva), é a entrega da trama e de certos aspectos dos personagens de maneira indireta e completa.
As passagens de 2009 são bem ambientadas, com a dose certa de cultura pop. Não há nenhum indício que as referências estão ali pelo simples prazer meta, de trazer a intertextualidade por trazer. Pelo contrário, todas as referências, desde o cenário emo à cultura do blog e do Orkut do final dos anos 2000, são entrelaçadas de modo satisfatório ao drama. Além das passagens as minorias ali presentes também não foram representações vazias ou tokens, usadas apenas para dizer que o livro é inclusivo ou que pertence ao movimento. A representatividade em Cartas para Luísa faz sentido, está conectada uma à outra e à prosa.
No que diz respeito à construção dos personagens, preciso destacar dois pontos: o primeiro, é o modo admirável como a personagem Luna foi apresentada e descrita. Suas características foram explanadas ao longo de toda a narrativa, sempre com uma sutileza espetacular e sem causar nenhum furo à linha de construção.
O segundo, é sobre Poliana, a “amiga imaginária” da Rafaela. Na primeira aparição da personagem, a concepção da cena nos faz crer que, sim, ela é muito real. Da mesma forma que a narradora entregou o fato de sua irmã ser uma menina trans, é no decorrer da trama que alguns detalhes e pistas sobre a verdadeira forma da personagem são dadas ao leitor: Poliana é, na verdade, a consciência de Rafaela. Por mais que eu já suspeitasse que Poliana não existia concretamente, de início, o que me pareceu acontecer ali foi que os diálogos entre ela e Rafaela só aconteciam na cabeça dela. O “clique” ocorreu, enfim, quando um de seus amigos (se não me engano, Artur), comentou que ela falava sozinha.
A figura de Poliana é muito interessante, pois (e, diga-se de passagem, digna de um estudo) por mais que Rafaela a nomeie como uma amiga imaginária, ela não é, somente e necessariamente, um amigo imaginário. Uma consciência (ou o superego, se os conceitos freudianos lhe caem bem) personificada e fisicamente distante da protagonista representa uma desconexão da realidade por parte da personagem e um afastamento da própria consciência ou capacidade de considerar as consequências de seus atos, desde todas as decisões ruins tomadas, ao afastamento involuntário de seus amigos.
As cartas finais são arrebatadoras. Já comecei a escrever essa resenha antes mesmo de finalizar de fato o livro, conforme as reviravoltas aconteciam. Como relatado nos parágrafos anteriores, só no final do romance nos é revelado aspectos brilhantes da narrativa. E essa característica é o que revela a maestria de Maria Freitas em construir com as palavras um universo que entrega tudo e, ao mesmo tempo, ainda tem muito ao que revelar.