Fabio Brust 28/06/2022
Uma interessante releitura do Inferno de Dante
"Dantescos: Contos Indigestos" não é um livro fácil de resenhar - assim como não é fácil de ler. A verdade é que o subtítulo não poderia ser mais apropriado: são contos difíceis de digerir, que ficam com a gente bastante tempo depois de os termos lido, pensando e repensando a respeito daquelas palavras no papel que conseguem chocar tanto - ou mais - do que uma imagem.
Chocar o leitor e deixá-lo desconfortável não é uma tarefa fácil, mas o Ponciano Correa consegue fazer isso com uma naturalidade impressionante - e nesse caso isso é longe de ser uma crítica. Pelo contrário, é visível que a intenção do livro não é aconchegar o leitor, mas colocá-lo contra a parede e fazer com que pense seriamente a respeito de tudo o que lê ao longo destas 152 páginas. E é inevitável fazer exatamente o que o autor quer que façamos.
"Dantescos" tem uma estrutura muito bem planejada pelo autor e pela qual ele navega com maestria. Cada conto se apresenta de uma forma diferente - destaque para o conto narrado através de manchetes e matérias de jornais e revistas, que é muito fora do lugar-comum e que cativa bastante. O ponto comum entre os contos é que todos nos deixam com pulgas atrás da orelha, cicatrizes e marcas daqueles personagens, todos tão sofridos ou causadores de sofrimento; pessoas que, sem sombra de dúvidas, encontraríamos em um passeio casual pelo Inferno de Dante - muito bem representado ao longo das páginas. Os contos remetem a pecados e a localizações deste lugar demoníaco do clássico italiano. Muitos deles nos dão arrepios na espinha, como se estivéssemos lá também.
Algo que me marcou durante a leitura foi como o Ponciano é capaz de nos fazer sentir [*****]mplices das histórias indigestas; é como se não estivéssemos apenas lendo os relatos dantescos, mas também participando deles, até determinado ponto. Quem sabe esta seja a maneira de o autor nos fazer refletir a respeito dos nossos próprios pecados e demônios, o que com certeza ele sabe fazer muito bem, acertando em cheio no meio do alvo.
Como deu para perceber pela resenha, esta não foi exatamente uma leitura prazerosa, mas isso não significa que não gostei dela. Foi uma leitura incômoda, daquelas que colocam o dedo na ferida, que nos deixa sem chão e sem fôlego. O fato é que, às vezes (mas só às vezes), nós merecemos mesmo levar um soco na cara.