Resenhas - Arrancados da terra

Val 28/12/2023

New York: uma sequência de erros portugueses
Para quem ama a cidade de Nova Iorque - ou tem vontade de conhecê-la - e não sabe sua história, faz-se importante recomendar que em sua próxima (ou primeira) viagem visite a Peter Minuit Plaza, no ponto mais meridional da ilha. Ou, se preferir, ler a excelente obra Arrancados da Terra, do premiado escritor e jornalista brasileiro Lira Neto.
Não se trata de uma história qualquer. Ela começa na Idade Média, quase um século após as descobertas das Américas. E mais uma vez com o sofrido povo judeu. Aqui, Lira insere-nos na radical e absurda Inquisição portuguesa, apresentando detalhes de um processo inquisitório que nos faz acreditar ser o princípio inspirador dos métodos nazistas, tamanha é a crueldade praticada pela Igreja Católica. Resultado: êxodo dos judeus, os novos-cristãos portugueses para países livres da Inquisição.
Enquanto porcamente os portugueses colonizavam o Brasil, pois não sabiam o que fazer com tanta terra, nas Províncias Unidas (Holanda) calvinistas o Banco de Câmbio e a Bolsa de Valores eram organizações fundamentais a uma sociedade essencialmente urbana, com o grau de alfabetização mais elevado do continente europeu e a maior média salarial paga a funcionários públicos e privados no mundo. Lá os então cristãos-novos fugitivos encontraram liberdade cultural, econômica e religiosa. E sucesso.
Entra em cena, então, a Companhia das Índias Ocidentais (CIO) criada pelos holandeses exclusivamente para prejudicar o inimigo reino espanhol que, por razões familiares e de herdeiros, governava também Portugal. Assim, em 1621 todas as rotas comerciais ibéricas passam a ser controladas pelos holandeses. Invadir o Brasil, uma colônia indefesa e rica produtora de açúcar, tabaco e pau-brasil torna-se uma meta da Companhia, uma poderosa empresa, híbrido de força militar e companhia comercial.
A um forte e bem sucedido ataque da grande esquadra holandesa a Salvador, surge mais uma teoria da conspiração culpando cristãos-novos portugueses refugiados na Holanda. Na Espanha, prevaleceu a ideia de que os grandes responsáveis pela queda de Salvador teriam sido os judeus. Embora não houvesse nenhuma menção quanto a isso nas narrativas presenciais neerlandesas ou luso-brasileiras, persistiu em Madri a opinião de que os marranos haviam arquitetado toda aquela “trama maligna”.
Enfraquecidos por pura devassidão e desleixo, em 1625 os holandeses são expulsos da Bahia, derrotados por uma poderosa esquadra luso-espanhola. Mas, seis anos depois, muito mais organizados e em número maior de pessoas, os holandeses conquistam Pernambuco rechaçando os luso-espanhóis, E, desta vez, esquematizando-se para trazer, sob um programa de incentivos de colonização organizada, os cristãos-novos fugidos de Portugal que pela fluência da língua seriam fundamentais nesta nova conquista.
Após a aquisição, foi nomeado governador geral do Brasil o nobre protestante conde João Maurício de Nassau, de 32 anos, formação humanística exemplar e forte experiência militar. Após conquistar também Alagoas, Paraíba, Itamaracá, Rio Grande do Norte, Ceará e Maranhão, Maurício pede e começa a receber colonos judeus com profissões diversas e investidores holandeses, abrindo o comércio à iniciativa privada. Depois de anos de sucessos no desenvolvimento da região, Nassau é obrigado pelo governo holandês e pela CIO a retornar para Amsterdam. Aproveitando-se da vacância de governo na região, nacionalistas e rebeldes luso-brasileiros formam milícias e iniciam uma guerra de libertação e reconquista principalmente da capital Recife. Com o apoio dissimulado do rei português D. Manoel IV, em janeiro de 1654 os rebeldes brasileiros reassumem Pernambuco e os holandeses restantes juntamente com os judeus são expulsos da então capital brasileira.
Os rebeldes, na realidade, eram liderados por fazendeiros de tabaco, pau-brasil e cana e produtores de açúcar que deviam muito dinheiro aos judeus holandeses e à CIO. Assim, percebendo suas produção e vendas comprometidas resolveram expulsar seus credores, formando milícias com seus empregados, escravos e indígenas. Foram eles, na realidade, os grandes responsáveis pela expulsão dos holandeses de Pernambuco, sem medir o que essa colonização havia trazido de progresso e civilização para aquela região. Só importou egoisticamente seus próprios interesses e não os de uma futura nação.
Assim, um fato historicamente pitoresco foi o desgarramento de rota de uma das naus com os judeus holandeses e cristãos-novos, que depois de muitas atribulações, desembarcaram numa pequena e modesta ilha de possessão holandesa, denominada Nova Amsterdam, hoje região de Nova Iorque na América do Norte.
Esta obra de cunho documental histórico é recomendada aos que se interessam pelo assunto e pela história do século XVII. O Padre Antônio Vieira – personagem importante da literatura portuguesa e da História do Brasil - é figura atuante neste contexto, assim como todo um histórico de aventuras e desventuras da colônia judaica na Europa e nas Américas e toda a execrável e genocida perseguição da Inquisição da Igreja Católica. A hipocrisia e oportunismo português e luso-brasileiro em meio a todo sucesso holandês e judaico é algo também muito marcante.
Este é, além de um livro surpreendente, um manancial histórico brilhante, de prazerosa e enriquecedora leitura onde se vão entender os terríveis erros cometidos pelos portugueses. Primeiro enxotando os judeus de seu território na Idade Média e posteriormente apoiando maciçamente e de forma dissimulada os luso-brasileiros rebeldes - para não despertar a ira dos holandeses e espanhóis, então seus inimigos políticos - arrancando-os da terra de sua colônia brasileira, e empurrando-os – após extraordinárias realizações no nordeste - para desenvolver, fora de sua jurisdição, a maior cidade do globo em termos econômicos, políticos e culturais, até nossos dias.

Valdemir Martins
28.12.2023


site: https://contracapaladob.blogspot.com/

Acacio 03/12/2023

Neerlandeses no Brasil
Livro muito bom, leitura instigante.
Mostra que a perseguição ao povo judeu não se limitou ao âmbito religioso.

alex 21/09/2023

Arrancados da terra, de Lira Neto (2021)
O livro acompanha alguns personagens judeus reais entre 1492 (com o assassinato de judeus em Portugal, pela intolerância religiosa) e 1664 (com a não confirmada chegada de 23 judeus a NY, partindo do Recife).

A partir dessas histórias pessoais, busca sustentar uma narrativa mais ampla sobre alguns grandes movimentos ocorridos no Brasil, Portugal, Espanha e Países Baixos durante esse pouco mais de 1,5 século.

Vale a leitura, mas não é das obras mais destacadas do autor.

gabiiguarita 22/05/2023

Bom pra estudo
é um livro extremamente denso, com muita informação.
demorei muito pra ler mas valer a pena, aprendi bastante

Euclides.Cesar 26/04/2023

Mais envolvente que muita ficção
Completamente surpreso em como eu gostei desse livro.

O livro é realmente muito bom. Conta-se a história dos judeus sefarditas, traçando uma linha entre a fuga dos cristãos-novos de Portugal até o mito de fundação de Nova York, passando, claro, pela colonização de Pernambuco, no Brasil.

A qualidade da narrativa é impressionante, do nível das melhores ficções. Envolvente como se não fossem fatos históricos (ou pelo menos uma versão deles) disponível para consulta na internet, haha. Excelente!!

Jenner Azevedo 17/03/2023

Ô povo sofrido
O livro é uma narrativa histórica detalhada que segue a trajetória desses judeus desde a época da Inquisição, passando pela fuga para o Brasil e chegando até sua emigração para os Estados Unidos. Lira Neto apresenta um olhar crítico sobre a atuação da Inquisição e as consequências de sua perseguição aos judeus, bem como os desafios enfrentados pelos judeus que chegaram ao Brasil.

O autor também descreve a vida dos judeus no Brasil colonial, as tensões entre a comunidade judaica e as autoridades locais, bem como o processo de assimilação dos judeus na cultura brasileira. O livro é um relato fascinante de uma história pouco conhecida, e é uma leitura importante para quem deseja entender a complexidade das migrações e das relações interculturais na história do Brasil e dos Estados Unidos

O livro finaliza com a
chegada dos 23 judeus sefarditas expulsos de Pernambuco, no Brasil, à cidade de Nova Amsterdã, hoje conhecida como Nova York, em 1654.

Na época, Nova Amsterdã era uma colônia holandesa que, como o Brasil, permitia a presença de judeus. No entanto, quando os ingleses tomaram o controle da colônia em 1664, a comunidade judaica foi proibida de se estabelecer e teve que lutar por sua sobrevivência.

Os 23 judeus que chegaram em Nova Amsterdã enfrentaram diversos desafios para se estabelecerem na nova terra, incluindo a língua e os costumes diferentes, além da desconfiança dos colonos. Mesmo assim, eles conseguiram estabelecer uma comunidade próspera, criando sinagogas e escolas judaicas.

A chegada desses judeus sefarditas a Nova Amsterdã é considerada um marco na história judaica da América do Norte, e representa uma parte importante da história das migrações e da formação cultural dos Estados Unidos.

Marco Antônio 23/12/2022

História
Livro muito interessante para quem quer conhecer a história da colonização holandesa no Brasil , especificamente no nordeste brasileiro. Muito bem escrito pelo excelente Lira Neto. Vale muito a pena

Carlos531 30/09/2022

A saga de um povo
Arrancados da Terra, uma obra que trata da saga de um povo, tudo começa em um pequeno terreno em uma rua importante de Manhattan, Nova York, onde foi um cemitério de Judeus que imigraram para aquela cidade no início do século XVII. É a saga de 23 judeus serfaditas cujas famílias viviam na península ibérica, entre Espanha e Portugal, eram prósperos mas foram vítimas do preconceito religioso de católicos e perseguidos pelo Santo Ofício, Santa Inquisição, foram obrigados a ir para Amsterdam, fugindo para não queimar na fogueira, onde lá havia liberdade religiosa. A saga continua quando vieram para o Brasil no período em que os holandeses o invadiram com o conde Maurício de Nassau, mais precisamente em Pernambuco e lá prosperam novamente até que pelos mesmos motivos tiveram que imigrar novamente e foram parar onde hoje é o estado de Nova York. É uma leitura obrigatória para entender onde leva o preconceito religioso e suas mazelas, o que causa o fanatismo religioso. Essa obra de certa forma também explica porque Manhattan é o centro financeiro do mundo e porque o Estados Unidos é o país mais desenvolvido do planeta.

GIPA_RJ 01/07/2022

Lira Neto , sempre surpreendente
Mais uma vez , Lira Neto me proporcionou uma leitura fascinante e envolvente.
Inicialmente , pelo que descreveu , o personagem central seria o Conde Mauricio de Nassau , que governou a area invadida pelos holandeses no nordeste do Brasil , mas dai mudou de rumo , ao ter acesso à historia dos judeus sefarditas. Eu , que nada conhecia sobre o judaísmo , pude aprender muita coisa.
Divido o livro em tres partes: a primeira é a europeia , que descreve a inquisição em si e a realidade vivida pelos judeus na Espanha , em Portugal e na Holanda. Em seguida , a invasão holandesa ao Brasil e a vinda dos judeus (seja os "cristãos-novos" , convertidos ao cristianismo , e o não convertidos. ) Depois , como se deu a fuga dos mesmos para o que viria a se tornar Nova York um dia.
Confesso que a leitura não me prendeu tanto o foco , como nos outros excelentes livros do autor que li , como a trilogia de Getúlio Vargas , e o que conta a historia do samba , mas me aguçou bem a curiosidade.
Outro detalhe , o livro tem um acabamento estético belíssimo , bem como preciosas fotos e
pinturas de época.
Em tempo , "Arrancados da terra" é um dos finalistas do Troféu Jabuti 2022.

Pedro 24/10/2021

Um passeio pela história sefaradita
Indispensável para quem busca compreender a história da comunidade judaica sefartida que veio ao Brasil, buscando novas oportunidades.

Lira Neto, conceituado historiador brasileiro, inicia o livros nos dias de Espanha e Portugal - onde essas pessoas eram perseguidas, condenadas e humilhadas por "judaísmo". Relatos específicos nos mostram os horror que o o Tribunal do Santo Ofício promovia a esses personagens que, fugindo, direcionam-se para Amsterdam, nas Províncias Unidas.

Na nova cidade, a atmosfera Calvinista se opunha à rigidez dos países católicos fornecendo assim maior liberdade de culto para os seguidores da Lei de Moisés.
Com isso, traça-se a origem, desenvolvimento e prosperidade dessa comunidade, da qual sairão alguns de seus integrantes para povoar o Brasil holandês.

Por fim, após um série de embates, os holandeses são expulsos do Brasil, e, assim, restitui-se a judeuofobia institucional, da alçada da Inquisição, mas não apenas desta.

Desse modo, 23 dos judeus que habitavam Recife se dirigem a uma outra colônia holandesa: Nova Amsterdam, dando início à comunidade da atual Nova Iorque.

Jorge.Lopes 31/08/2021

Um mergulho na nossa história.
Um leitura rica em detalhes históricos e curiosidades da nossa história e o reflexo em outras nações. Sem dúvida uma ótima escolha para entendermos um pouco mais a construção da nossa história.

Flávio 07/08/2021

Uma viagem
Arrancados da Terra, de Lira Neto.

Um amigo me emprestou, ficou na estante até ele pedir o livro de volta. Peraí, prometo que será o próximo da fila. Leia, é do Lira Neto, um dos maiores biógrafos do Brasil e o maior sobre a vida de Getúlio, ele disse. Aí me interessei. E é bem interessante: Uma história que pode ser real ou um mito, um debate. 23 judeus que fogem da Península Ibérica para a Holanda, vão pro Brasil, rola uma guerra, acabam sendo expulsos do Brasil e vão parar meio que sem querer em Nova York. Praticamente construíram a cidade e se confunde com a própria história dos EUA. Aí eu viajo: será que se eles tivessem ficado aqui a gente seria rico? Mas um fato que me deixou bastante intrigado: Nessa época, aproximadamente em 1650, havia aqui 3 religiões: católica, calvinista e os judeus e todas elas apoiaram fortemente a escravidão de povos africanos. Os próprios judeus eram responsáveis pelo tráfico negreiro. Padre Vieira chegou até a dizer num sermão que os africanos deveriam era agradecer, pois eles agora conhecem Deus, levam a vida parecida com a de Jesus, pois são torturados e humilhados e se forem obediente teram um lugar garantido no paraíso. Bom livro.

Danilo 22/07/2021

Obra nacional de excelência
Recém-lançado em belíssima edição, Arrancados da Terra é o resultado de anos de pesquisa do cearense Lira Neto, autor da conceituada biografia de Getúlio Vargas. Como bom pernambucano e, portanto, bairrista que sou, esta obra foi um deleite para conhecer um pouco mais sobre a história da minha cidade. No entanto, aprendi muito mais que curiosidades sobre Recife durante a leitura.

Lira Neto inicialmente nos guia através da Lisboa dos séculos XVI e XVII, no auge da Inquisição. É lá que conhecemos o que eu talvez possa chamar de “protagonistas” do livro, os judeus sefarditas. Atravessamos décadas de acontecimentos políticos e guerras que ora aumentam a liberdade de culto em Portugal e ora censuram intensamente o judaísmo. Essa constante incerteza acaba fazendo-os mudarem de local em local, passando por França e Holanda até, quem imaginaria, Recife! Apesar da escassez de registros desse tempo longíquo, Lira Neto consegue nos trazer de maneira fidedigna alguns dos métodos pouco ortodoxos realizados pela Inquisição e autorizados pela Monarquia para o julgamento de judeus e outras minorias, métodos esses que certamente contribuíram para sua diáspora.

Nesta parte do livro, também é possível constatar com clareza que o antissemitismo não é algo do século XX, que a Alemanha nazista não foi resultado do acaso, e como a discriminação a qualquer que seja a parcela da população pode levar a verdadeiras catástrofes.

Diante de tantos comportamentos e ideologias que eram recriminadas veementemente na época e hoje são completamente aceitáveis e considerados normais, fica difícil não compararmos e nos sensibilizarmos com minorias que continuam a sofrer com o julgamento de parcelas da sociedade moderna que permanecem retrógradas.

Por fim, não posso deixar de ressaltar o quão interessante foi visitar a Cidade Maurícia, que ficava no centro do Recife, e conhecer como aconteceu a conquista e posterior derrocada dos holandeses, perpassando por pessoas e locais importantes para a cidade, como a origem do bairro Casa Forte, entre muitos outros. Os passeios pela cidade nunca mais serão os mesmos.

Acredito que obras nacionais que nos trazem pesquisas e registros históricos de alta qualidade sobre nossa região e nosso país são de extrema importância. Com esse livro super acessível, Lira Neto atingiu esse objetivo e foi muito além.


site: Instagram: @mangue.literario

Thiago 12/06/2021

Belo golpe de marketing
A capa do livro vende uma ideia no subtítulo, e foi o principal motivo da minha leitura, para no fim desconstruir tudo. Perfeito.

Acabou com o mito pernambucano dos "23 judeus que fundaram Nova York". Vi muito texto em páginas da internet e mesmo no youtube citando o livro só que parece que não leram, pois o livro desmonta a lenda dos "23 judeus", mas estão tratando como se o livro reforçasse a lenda. Isso deve se dar provavelmente por apenas terem lido a capa.

Porem, o livro é muito maior que esse sub tema. É quase um thriller histórico, acompanha um grupo de judeus em vários cenários, começando na Península Ibérica, depois Holanda, Recife e por fim Nova York.

A leitura é prazerosa e entretém. Não tinha lido nada de Lira Neto até então, e apreciei bastante seu modelo de escrita. Outra curiosidade é que ele consultou muitas fontes, inclusive de conhecidos meus dos tempos de UFPE.

Recomendadíssimo,

Sergio 29/03/2021

Pra quem gosta de conhecer a história...
O novo livro de Lira Neto, autor da biografia ?Getúlio?, descreve as circunstâncias que levou um grupo de judeus de Amsterdã até sua chegada à futura Nova York.
Historiando as diferentes épocas e seus acontecimentos políticos e sociais, o autor nos mostra suas consequências nas vidas dos judeus, asquenaze e sefarditas, católicos e protestantes na Europa e Américas.