Livros da Julie 08/11/2021Um morador de rua e grandes lições de vida-----
"A inocência, se um dia existiu, parecia incapaz de ser resgatada."
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"O sofrimento é uma característica observável (...) Podia ser flagrado como um órgão a mais no meio do rosto de alguém que já enfrentara traumas ou dores, e ainda era afetado por memórias insistentes deles."
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"Parece mais fácil se acostumar com um joelho cuspido do que com a crueldade humana"
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"Sabia quando abrir o coração e banhar-se nas águas rasas das benfeitorias, assim como quando boiar no rio profundo e turvo da maldade humana."
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"O ser humano só precisa de comida, água e um sonho."
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"Na rua, lido com a sinceridade humana. Sendo boa ou má, ela é verdadeira, e isso me basta."
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"Você não consegue olhar o sol poente quando está em meio a um vale, é preciso escalar a montanha da tristeza para lembrar-se de como a natureza é magnífica."
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"As pessoas se esqueceram dos problemas do mundo, estão focadas em uma percepção completamente errada do que é ser um cidadão de bem."
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"Tudo em excesso nessa vida incomoda. (...) Tudo enjoa (...) A tristeza infinita incomoda tanto quanto a alegria ilimitada. (...) momentos ruins transformam os momentos bons em algo realmente único."
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"A ignorância é um bem valioso na mão de pessoas mal-intencionadas."
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"qual povo será capaz de lutar contra as amarras impostas por seu berço, senão o brasileiro?"
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"A fome cancelava toda e qualquer noção de sociedade."
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"Os adultos têm o péssimo hábito de acreditar que são poços fundos de razão, quando são, no máximo, grandes baldes de tolice."
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"A imaginação é uma capa protetora contra as verdades do mundo. A infância é a única fase da vida em que tudo é possível, os sonhos são palpáveis, as fantasias, necessárias."
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"A solidão e o silêncio revelam-se dádivas quando não são uma rotina traiçoeira."
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"Era assim que via as obras de arte: um oásis a proteger da loucura cotidiana."
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"Algumas pessoas não precisavam de mais do que alguns minutos para se conhecerem a fundo."
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"A verdade, apesar de dura, era sempre o mais leve dos tapas na cara."
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Barba: o universo numa casca de nós foi a leitura coletiva oficial de outubro do Clube Literário FerAvellar (@clubeliterarioferavellar).
O livro conta a história do mendigo José Bonifácio, mais conhecido como "Barba", uma pessoa gentil, sábia e de bom coração. Suas andanças levantam o véu da triste realidade dos moradores de rua e suas interações com as pessoas e o mundo que o cercam revelam a maldade e o preconceito que habitam o ser humano.
Em forma de contos, cada capítulo traz um episódio significativo ou corriqueiro do cotidiano do protagonista, sem seguir necessariamente uma cronologia. Aos poucos sua vida pregressa vai sendo revelada e passamos a conhecê-lo melhor, descobrindo as razões que o levaram às ruas.
Ter a oportunidade de conhecer esse personagem tão peculiar, aliás, é uma felicidade inenarrável. Fugindo a estereótipos, ele se utiliza de alegorias e de uma zombaria sutil para lançar suas indiretas e destacar as incongruências do ser humano. Seu caráter forte e sua personalidade singular escancaram as feridas abertas da sociedade e as falsas intenções.
Pelos olhos de Barba, conseguimos enxergar a miséria pelo ponto de vista do principal interessado: o miserável. O protagonista enfatiza aspectos que passam despercebidos inclusive a quem se importa verdadeiramente com a questão e está acostumado a fazer caridade. Ao serem identificados como sintoma de um problema social, os necessitados perdem seu status de indivíduo e são tratados coletivamente, como meros números. Não há comunicação sincera, questionamento franco, olhar atento, ou interesse genuíno; não se leva em consideração os seus desejos e as suas vontades.
A todo momento, com doses equilibradas de delicadeza, ironia e resignação, somos lembrados da penúria do corpo e, principalmente, da pobreza de espírito. O autor provoca reflexões sobre a intolerância, o egoísmo, a arrogância, a futilidade e a agressividade que inundam as cidades e as redes sociais, além de apontar o definhamento dos laços familiares e a interpretação equivocada da vivência da religião. O amor ao próximo está no cerne de todas as crenças, porém é constantemente ignorado.
A belíssima escrita de Waldir impressiona e a leitura é admiravelmente fluida. As pausas surgem naturalmente, se impondo ao final dos capítulos ou bem no meio dos diálogos, enquanto os temas abordados e as réplicas de Barba reverberam em nós. Trata-se de uma saga que enseja a meditação, sendo possível ler a obra em doses homeopáticas: a cada dia teríamos uma pílula de sabedoria para dela extrairmos grandes e inquietantes lições de vida.
Barba é um livro que pode despertar um profundo sentimento de tristeza. Esteja preparado para se perder em mil porquês e duvidar irremediavelmente da espécie humana. No entanto, o mesmo sentimento de desesperança e incredulidade também pode fazer brotar uma semente de fé, nem que seja para provarmos a Barba que ele está errado. A bondade existe e é possível disseminar o amor. O desejo de fazer deste mundo um lugar melhor está na maioria das pessoas e juntos seremos capazes de progredir. Não estamos sozinhos; há sempre alguém olhando por nós e toda gentileza será recompensada.
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