No domínio de Suã

No domínio de Suã Milton Coutinho




Resenhas - No domínio de Suã


2 encontrados | exibindo 1 a 2


Sil 11/08/2022

Este livro me caiu como uma luva, justamente em um momento em que me vi refletindo muito sobre ser leitora, com questões sobre minhas leituras, qualidade de leitura e tudo mais. Ele veio justamente em um momento em que eu estava achando que não sabia uma boa leitora por não entender certos livros, não ter lido tantos outros e por acabar perdendo referencias à alguns clássicos, por exemplo. Ao ler alguns artigos para a faculdade me deparei com a seguinte frase da Drª. Fujita: "A leitura é um ato social porque existe um processo de comunicação e de interação entre o leitor e o autor do texto, ambos com objetivos estabelecidos anteriormente dentro do contexto de cada um.", então percebi que em muitos casos os meus objetivos não são exatamente os mesmos que do autor, assim como meu contexto. Então tá tudo bem um livro não funcionar muito bem para mim, tá tudo bem eu não entender a mensagem do autor. Dito isso vamos ao livro O Domínio de Suã escrito pelo autor Milton Coutinho.
O livro é divido em três partes, das quais contam alguns acontecimentos do narrador-personagem Marcel (referencia óbvia a Marcel Proust, já que na própria sinopse o livro cita esse autor que, provavelmente, é uma grande inspiração ao autor). A primeira parte foi a mais interessante, mostrando desde a infância desse personagem com as matriarcas de sua família e uma necessidade de continuar no domínio dessa família (talvez uma forma de mostrar que ele sempre esteve no domínio de algo), entretanto é na vida adulta que as coisas começam a ficar realmente interessantes. Após se apaixonar por uma mulher, acredito eu que muito mais como forma de protesto contra as mulheres de sua família, eles adotaram um jovem menino chamado Braz. Apesar de a narrativa se tornar interessante aqui eu fiquei muito incomodada com muitas falas desse personagem em relação ao garoto ser negro, provavelmente de periferia. E não foi só no momento em que ele iria adotar a criança, mas em vários momentos do livro mesmo quando ele já se estabeleceu como pai de Braz. Para mim não faz muito sentido ele ficar frisando isso tantas vezes, principalmente ao querer dizer que a adoção foi a salvação do jovem ou insinuar não entender o motivo de ele ter tanto orgulho da cor de sua pele.

Essa primeira parte é mais interessante pois da ao leitor algo por esperar, há uma história para ser acompanhada mesmo eu não gostando do personagem. A parte dois foi algo que me deixou totalmente desconexa da trama, com uma busca por um autor misterioso e que tantas vezes pareceu levar à um beco sem saída, mas ainda compreensível tendo em vista o colapso mental que o personagem estava vivendo após sua vida virar de cabeça para baixo. Na terceira parte as coisas voltaram a se tornar interessante, mas eu não entendi muito bem a motivação dele de ir atrás de Marta (ex-namorada de seu filho). Foi para salva-la? Ajuda-la? No final ele acabou sendo só mais um tormento para ela, que já tinha muitos problemas para lidar. Claro, o que mais me incomodou foram as atitudes machistas e os pensamentos odiosos.

Não há de negar que o autor consegue criar uma história que pode prender os leitores em diversos pontos, foi assim comigo. Mas eu não consegui compreender o personagem e se ele foi escrito como uma forma de critica as coisas que ele representa e eu gostaria muito de ter sentido isso dele.

site: https://www.kzmirobooks.com/2021/07/resenha-no-dominio-de-sua.html
comentários(0)comente



Alexandre Kovacs / Mundo de K 27/03/2021

Milton Coutinho - No domínio de Suã
Editora 7Letras - 324 Páginas - Ilustração de capa: Heitor dos Prazeres, Morro da Mangueira [óleo sobre tela, 1965] - Lançamento: 2021.

Milton Coutinho demonstra domínio da linguagem e segurança narrativa em seu mais recente lançamento ao confundir os limites entre ficção e realidade em um exercício constante de metaficção e intertextualidade no melhor estilo de escritores como Italo Calvino e Enrique Vila-Matas, sem contudo deixar de flertar com a técnica e ironia machadianas como, por exemplo, no clássico romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. Trata-se, portanto, de uma obra na qual as memórias literárias e artísticas do autor assumem um papel central no contexto narrativo.

O tom irônico e provocativo está presente logo no título, uma referência ao primeiro volume – No caminho de Swann – de Em busca do tempo perdido de Marcel Proust, de caráter memorialístico, contrastando com a autobiografia do personagem-narrador Marcel Celano às voltas com a dura realidade brasileira contemporânea, notadamente na cidade do Rio de Janeiro, onde a divisão entre a cidade formal e as favelas, assim como o regime de exclusão social, provocam uma realidade brutal devido aos altos índices de criminalidade e violência.

Na primeira parte do romance, a narrativa é conduzida em primeira pessoa, assumindo inicialmente um caráter leve de romance de formação com destaque para a deliciosa descrição das memórias do protagonista quando criança e as peripécias do núcleo duro do matriarcado – formado pela avó, a mãe e as tias – na defesa do clã familiar a partir de um Estado-Maior em guerra contra os constantes avanços das moças "sem eira nem beira" em busca de matrimônio.

"[...] A família de minha mãe era um matriarcado incrustado no seio de uma sociedade patriarcal. Naquele período, a chefe do clã ainda era minha avó, mas antes havia sido a sua própria mãe (o bastão da liderança familiar se passava apenas por morte ou doença grave). Aos oitenta anos e com a saúde bastante debilitada, minha avó já havia designado minha mãe como sua sucessora (a esolha era quase obrigatória, já que tivera apenas duas filhas – separadas por sete filhos homens – e sua primogênita, Carmen, não se casara). Porque este sim era um fator determinante: a chefe do clã deveria ser casada ou viúva, ter gerado prole, e deixado manifesta sua dominação sobre o marido. [...] Aqui, cabe dizer que o critério utilizado para estabelecer a conveniência do matrimônio de filhos homens era fundamentalmente econômico, como em todas as uniões feitas à sombra do poder. A matriarca ambicionara, para sua prole viril, casamentos com herdeiras de grandes patrimônios ou pelo menos com jovens que trouxessem um dote considerável, digno da condição financeira de seus próprios filhos. Mas, quase como um escárnio do destino, um após o outro, todos eles haviam sucumbido aos encantos de moças sem eira nem beira (e nem um ramo de figueira, como gostava de acrescentar minha tia Luzia). Esse exército de noras miseráveis crescera ao ponto de tornar-se uma ameaça interna, que começava a pôr em xeque o poder central a partir das próprias fronteiras do reino." Trecho da primeira parte: A Colônia (pp. 15-7)

Todavia, o tom leve incial logo é substituído por uma complexa situação na qual é envolvido involuntariamente o protagonista a partir da relação do seu filho adotivo com a namorada de Suã (livremente inspirado em Elias Maluco, mandante do cruel assassinato do repórter Tim Lopes em 2002), um chefão do narcotráfico na comunidade de Nova Holanda no Complexo da Maré, o protagonista é envolvido então, assim como sua família, em uma sequência de fatos violentos dos quais não consegue escapar. O autor nos mostra como a ficção se esforça para atingir os níveis de "inverossimilhança da qual só a realidade é capaz".

Na segunda parte, narrada em terceira pessoa, encontramos o nosso protagonista em um exílio voluntário na cidade de Lisboa tentando se recuperar dos efeitos da violência no Rio de Janeiro, onde encontra o psicanalista português homônimo do padre Antônio Vieira que lhe receita um tratamento com base na apreciação de obras artísticas para cura dos seus males da alma. Na parte final, retorna a voz narrativa em primeira pessoa e a decisão de voltar ao Brasil para um acerto de contas com o destino. Um livro muito recomendado para todos aqueles apaixonados pela literatura e que vale a pena conhecer sem maiores revelações prévias sobre a trama.

"Imune a qualquer impulso criativo (com a exceção de um necrológio da mulher, escrito em forma de soneto), desde que ainda na adolescência abandonou o curso da Escola de Belas Artes, ele está mais do que satisfeito com a sua condição de leitor, da qual verdade seja dita se orgulha enormemente, por julgar que a sua leitura é atenta, qualificada e fervorosa. Fez da leitura uma profissão de fé, e o tempo que passa diante dos livros tem um quê de ritual. Recorda ter lido uma carta de Maquiavel ao amigo Francesco Vettori, na qual o autor d'O Príncipe afirmava que punha a sua melhor roupa para estar na companhia de seus livros. Se é um exagero, não importa; e ele adotou o hábito de vestir-se bem quando se senta para ler. Antes de iniciar a leitura de um volume, costuma abri-lo e aspirar-lhe longamente o perfume; em seguida, pousa-o sobre a superfície de sua mesa (quase um altar!) e começa a virar as páginas, acariciando-as demoradamente, sentindo-lhes a textura e o espessor. Só então está pronto para traduzir em significado os signos gráficos que a mancha da página lhe propõe." Trecho da segunda parte: A Metrópole (pp. 149-50)

Sobre o autor: Milton Coutinho nasceu no Rio de Janeiro em 1966. É autor de X, Y, Z (contos, 1995), Sanzio (romance, 1998) e As horas velozes (contos, 2001), um dos finalistas do prêmio Jabuti de 2002.
comentários(0)comente



2 encontrados | exibindo 1 a 2


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR