mlnprf 24/02/2024
Decepcionante e completamente desconexo
Eu tentei, juro que tentei, mas não rolou.
O Ishiguro erra uma série de vezes: personagens sem personalidade com diálogos vazios e um monte de desculpas esfarrapadas. Todos têm "algo a esconder" e nada fica explícito no livro. Existem, pelo menos, três personagens com doenças inexplicáveis, incluindo a própria Josie (o autor queria algo muito utópico que pudesse fazer um robô ser capaz de salvá-la, enquanto toda uma equipe médica não). A irmã falecida da Josie (até então inexistente) é citada no meio do livro só para criar um plano de fundo para o drama, tendo em vista que logo depois ninguém toca no nome dela.
Em algum momento a Klara fica preocupada com a saúde da Josie e faz uma promessa muito aleatória com o sol. Contudo, enquanto nesse momento a Klara visivelmente quer ajudar e salvar a Josie, na primeira oportunidade que a mãe sugere que, caso a filha morra, a Klara ocupe seu lugar, a Klara simplesmente aceita (!) sem argumentar (pelo contrário, ela vê o protótipo da Josie pendurada e não tem nenhuma reação de raiva ou traição). Isso foi um contraponto tão absurdo! Talvez fosse mais interessante se a Klara começasse a demonstrar sentimentos de ódio naquele momento (diferente dos que ela aprendeu, para trazer um aspecto realista e humano), mas não! ela vai continuar sendo um robô inocente pelo resto da narrativa.
Para melhorar, além de toda a distância e relação super esquisita entre a mãe e a filha, nesse exato momento percebemos que a mãe já cogita que a filha vai morrer e já planeja ter um robozinho dela! Que bizarrice! Se a Klara se tornasse a Josie durante o período de luto seria uma proposta completamente diferente do que existir um “planejamento” prévio (!) da morte da própria filha.
Outros pontos desconexos são: 1. quando a Klara "destrói" o robô retirando um fluido muito aleatório da cabeça dela absolutamente do nada; 2. a conversa bisonha da mãe do Rick com o ex-namorado dela (que não acrescenta em nada a história) e 3. o fato de Rick e Josie se afastarem sem qualquer motivo plausível. Entretanto, a cereja do bolo fica para a mãe da Josie que defende não destruir a Klara e permitir seu "lento desvanecer" (ps: nesse ponto o robô já passa a maior parte do tempo dentro de um depósito), mas logo depois a Klara é descartada para algum ferro-velho. Aqui, nenhuma surpresa, apenas o puro suco da hipocrisia humana.
Para não dizer que foi tudo ruim, o último diálogo é até sensível. Klara encontra a Gerente da loja que já sabia do destino óbvio dos AA que ela vendia, mas não esperava que a Klara (a mais inteligente) tivesse o mesmo destino. Nas entrelinhas, existe sim uma crítica à problemática sobre o que nos faz humanos, até que ponto vai o desenvolvimento científico e sobre a descartabilidade dos IA quando não é mais conveniente.
A grande questão é: a proposta não era ruim, mas foi muito mal executada. A Klara era uma personagem perspicaz, que poderia ter desenvolvido sentimentos honestos e até ter se tornado uma personagem mais humana, mas no final acabou sendo mais um aspirador de pó descartado num terreno baldio. Maçante e decepcionante.