Pandora 04/01/2023SPOILERSPOILER!
Até o momento 1.038 resenhas no Skoob e muitas com spoiler. Compreensível, porque é difícil escrever sobre este livro sem citar o que mais indignou à maioria: o final tosco.
Então vamos lá…
Senta que lá vem a história.
Alguém colocou em sua resenha que tinha ficado estressada com o livro e não ia escrever muito. Eu sou o contrário: aí mesmo é que eu escrevo. Escolhi este livro para ser a primeira leitura do ano e a autora me fez de palhaça, então preciso desabafar.
Para mim finais de livros são muito importantes. Especialmente em histórias policiais. Cria-se todo um mistério, pistas são jogadas o tempo todo, o leitor faz suposições, tenta montar o quebra-cabeça, o mínimo que se espera é lógica. Ainda que não seja como o esperado. O fim, aqui, não tem lógica nenhuma. É criado para surpreender, simplesmente. E surpreende!, só que não é bom, é algo jogado na trama sem a mínima explicação em menos de quatro páginas, num livro de mais de trezentas. Se a autora inspirou-se em sua conterrânea Agatha Christie, famosa por sempre achar soluções nas quais não havíamos pensado, para nos deixar de boca aberta, precisa melhorar. Muito.
Adam Fawley talvez seja o detetive mais insosso, incompetente e ineficaz que já encontrei em minhas leituras. E eu fiz muuuitas. Colocasse Verity Everett à frente dessa investigação e teríamos chegado a outro resultado. Ele se contentou com evidências meia-boca e levou uma inocente a ser condenada por assassinato! Crime, aliás, que nem tinha acontecido. Nem eu me convenci daquelas provas.
Everett: Você acha mesmo que foi ela?
Adam: Acho. Acho sim.
E: Você não acha que ela foi condenada pelas razões erradas? Quer dizer, porque as pessoas os odiavam, e por causa do Twitter e de todo aquele abuso, em vez de por causa das provas?
A: Não tem jeito de saber isso. Tudo o que importa é que conseguimos um resultado certo, independentemente de como tenha acontecido. Mas não acho que havia nada de errado com as provas. Nós fizemos um bom trabalho, você fez um bom trabalho.
Qual é o “resultado certo”? O que condena alguém, mesmo inocente, para que a população fique satisfeita? Não deveríamos nos preocupar em condenar inocentes? Um inspetor-detetive não deveria procurar a verdade acima de tudo?
Sinceramente me preocupa pensar que uma equipe inteira de detetives trabalhe tanto num caso para no fim aceitar a condenação de uma pessoa sem provas suficientes.
Há bons elementos nesta história: pais disfuncionais e egoístas, preocupados com suas questões pessoais em detrimento de seus filhos, abuso moral e sexual, bullying, rejeição, solidão, suicídio, traumas, influência das mídias sociais nas condenações públicas, alpinismo social, enfim, questões importantes a se discutir. Mas, infelizmente, em algum momento, tudo se perdeu. O início é bom, a curiosidade é aguçada até uma boa parte da narrativa, mas depois é tanta tentativa de criar pistas falsas e induzir o leitor a desconfiar de um e de outro alternadamente, que cansa.
Há coisas que me incomodaram durante a narrativa, mas que se o livro tivesse terminado bem, eu poderia relevar. Só que com esse fechamento, só pioraram. Eu ia dividir entre problemas na tradução/revisão, incoerências narrativas e tal, mas deixei só na ordem crescente de páginas mesmo.
E é isso. Cara Hunter provavelmente não terá outra chance.
OBSERVAÇÕES DIVERSAS:
Pág. 77 - Ela pega as sacolas outra vez e as leva até a cozinha, onde liga o rádio e começa a desembalar as compras (Julia Connor ao chegar em casa).
Julia Connor se aproxima da cozinha, limpando as mãos em um pano de prato (cerca de meia hora depois).
Texto original:
“She picks up the bags again, and takes them through to the kitchen, where she turns on the radio and start unpacking the shopping.”
“Julia Connor comes through from the kitchen, wiping her hands on a tea towel.”
1. Cochilo da revisão. Do jeito que está escrito, você se pergunta como ela se aproxima da cozinha, se já está nela. Na verdade ela VEM da cozinha.
2. Sem comentários o fato de que ela chega perguntando se a filha - provavelmente de oito anos - está em casa. As crianças, neste livro, não têm supervisão alguma.
Pág. 89 - Há três meninas sentadas no mesmo banco, com a cabeça bem próxima uma da outra. Duas têm tranças longas, e a outra parece chinesa.
1. Parece chinesa?! E as outras, parecem o quê? Polonesas? Americanas? Não, né, porque supõe-se sempre que são brancas. Por que alguém “parece chinesa”? Por ter olhos puxados? Afe!
Pág. 90 - Ela provavelmente não tem mais que 25 anos, com cabelo ruivo cacheado, um vestido fino florido destacando as pernas nuas e morenas (descrição da professora Kate Madigan). Pág. 221 - Altura mediana, cabelo castanho (descrição da mesma professora).
Texto original:
“She’s probably no more than twenty-five, red hair in loose corkscrew curls, a thin flowered dress over bare brown legs.”
“Mid height, long auburn hair”.
1. Auburn é tipo um castanho-avermelhado. Mas sem entrar no mérito da cor, vamos manter a coerência na tradução, né?
Pág. 92 - Eu queria poder ajudar mais - diz Kate. Mas para ser sincera, só estou com essa turma há alguns meses, não conheço nenhuma das crianças muito bem (fala da professora).
Kate foi a substituta que nos mandaram quando Kieran Jennings quebrou a perna esquiando na Páscoa (fala da diretora).
1. Daisy sumiu em 19 de julho. A Páscoa em 2016 foi no final de março. A autora quer nos convencer que em menos de quatro meses uma garotinha de oito anos fugiu com uma quase desconhecida?
2. Quem foi falar com o professor titular, Kieran Jennings? Ninguém, né? Que importância tinham as informações que o professor que deveria conhecer mais a menina teria para compartilhar?
Págs 157/158 - Preciso dizer imediatamente que o que o senhores acabaram de ver não está de acordo com nossos procedimentos operacionais. Os supervisores devem monitorar qualquer tráfego que chegue à área da escola e garantir que todas as crianças estejam dentro do portão (fala da diretora Alison Stevens).
Baxter, a que horas a câmera mostra Daisy voltando para a escola nesse dia?
No dia 19? Ela retorna por volta das 12h55. O sinal está tocando, então ela simplesmente se misturou entre as outras crianças voltando para sala de aula. Nenhum dos supervisores parece ter percebido (diálogo entre os detetives).
1. Ok, a diretora se justifica porque a menina encontrou uma brecha durante uma entrega para escapar pelo portão aberto. E como ela entrou na volta, se supostamente o portão deveria estar fechado? Sagaz a garota, voltando exatamente na hora do fim do recreio.
Pág. 178 - Se dedicasse metade do esforço que está dedicando a me perseguir a encontrá-la, já teria encontrado Daisy a essa altura (o pai para os detetives).
Texto original:
“If you put half the effort into finding her as you are persecuting me, you might actually have found Daisy by now.”
1. “dedicando a me perseguir a encontrá-la”, que construção é essa? Vários deslizes de tradução.
Pág. 190 - O irmão mais novo de Yasir Rahija é primo de Sunni Rahija.
1. Claro que os abusadores sexuais “que tinham como alvo jovens brancas menores de idade“ não seriam tipos como Charles Williams ou Joseph Brown.