Marcos 05/02/2020
Uma história sobre tormentas que moldaram o mundo e personagens com tempestades internas.
The Way of Kings é um dos livros integrantes da Cosmere, que, se você não sabe o que é, é um universo compartilhado criado pelo autor Brandon Sanderson, juntando várias das histórias dele em que a magia e os mundos são regidos pelas mesmas regras e limitações mágicas. Além disso, um passado compartilhado que dá inicio a uma série de ramificações, formando assim cada planeta com sua própria história. Sim, é uma coisa maluca e genial — duas palavras que geralmente são sinônimos —, que talvez nenhum autor de fantasia épica sequer concebido.
O livro foi publicado há quase uma década, seguindo uma série de (pasmem!) dez longos livros, de mais de mil páginas cada um. Isto é, pelo menos até agora cada um contém essa quantidade. E, sinceramente, espero que cada um seja maior que o outro. Em cada volume, vamos seguir uma série de pontos de vista, mas cada um se centra em um personagem específico: apresentando uma narrativa focada nos acontecimentos em seus arredores e com flashbacks do protagonista. No primeiro volume, o foco é o Kaladin.
A história se passa em Roshar, um planeta afligido pelas highstorms (ou as grandes tormentas, em tradução livre), que são tempestades tão violentas que moldaram o mundo. As plantas, os animais e até mesmo o sistema de magia são forjados em torno desses fenômenos. Os animais, por exemplo, são cobertos de carapaças e escamas; já as plantas desenvolveram sistemas sensoriais e locomotores para retrair-se ao seu caule durante um ataque.
A cultura do ser humano se adaptou às highstorms: as casas passaram a ser construídas com sua porta da frente e janelas na direção protegida dos ventos das tormentas. O sistema monetário se baseia em pedras preciosas infundidas de stormlight, que são os raios dessas highstorms que se prendem a essas jóias. Cada pedra preciosa tem seu valor: uma esmeralda infundida vale várias vezes mais que uma safira, e ainda mais vezes que um diamante.
Outro aspecto importante desse mundo são as sprens, que são espécies de “fadas” que aparecem quando coisas mudam. Quando uma fogueira ou uma chama é acesa, chamaspren costumam aparecer ao redor, atraídas pelo objeto em que elas são nomeadas. Outro exemplo são as dorspren, que são atraídas por pessoas que sentem dor, ansiedadespren que são atraídas por pessoas com antecipação por algo e por aí vai. Cada spren tem um formato diferente e habilidades diferentes. Spren não costumam ter consciência, embora alguns tipos mais poderosos apresentem aspectos sapientes.
Dito isso, a história vai focar nas consequências do assassinato do rei de Alethkar, Gavilar, que foi morto pelo um assassino Shin, conhecido como o Assassino de Branco, a mando dos Parshendi, durante a celebração de um acordo entre as duas nações. Furiosos, os Alethi passam a formar o Pacto da Vingança, a fim de dar uma retribuição contra a nação inimiga, iniciando assim uma guerra.
Essa guerra se passa nas Planícies Estilhaçadas, que é um grande terreno em que existem vários pilares de pedra gigantescos e entre eles abismos, sendo necessárias pontes para que os exércitos possam atravessar de um plano para o outro. É aí que entra a história do Kaladin.
Vamos acompanhar Kaladin sendo levado por um escravagista para ser vendido ao exército nas Planícies Estilhaçadas. De início, não sabemos o que levou Kaladin à escravidão; e é aí que os flashbacks tomam parte. Ele então passa a trabalhar como um homem das pontes, em um grupo conhecido como Ponte Quatro, que tem uma fama de ser o grupo azarado — e tomaremos azar aqui como alto índice de mortes.
Kaladin é acompanhado por uma ventospren conhecida como Sylphrena, ou Syl, que é uma spren que passa a criar uma amizade com ele. O que de fato é esquisito, já que ela apresenta ter sentimentos muito humanos e raciocínio, diferente de todas as outras que ele já viu, além de adotar uma forma de uma mulher com um vestido que voa com um vento invisível. Através da relação deles dois, Kaladin passa a ser motivado à sobreviver nos grupos de pontes ao invés de sucumbir à melancolia nos grupos em que os membros são motivados apenas pelo alívio da morte — já que atingir o posto de homem das pontes é o fundo do fundo do poço. Ele passa a então tentar criar laços com os próprios membros de seu grupo ao mesmo tempo em que os salva, com suas habilidades cirúrgicas ensinadas a ele pelo seu pai e que é abordado nos flashbacks.
Kaladin é, sem dúvidas, um dos personagens mais complexos que já li. Você compreende cada passo que ele toma baseando-se na experiência de vida que ele teve, mesmo que às vezes isso signifique decisões idiotas. Ao ponto de você se relacionar com ele numa mistura de raiva e amor muito grande. É... incrível. Um dos personagens mais honráveis e honestos que já li.
Vamos acompanhar também o Dalinar Kholin, que é um dos dez highprinces de Alethkar e conhecido como Blackthorn pelos seus enormes feitos durante a guerra que uniu o os principados para formar um reino estável. Dalinar é o irmão do rei que foi assassinado e agora ele toma o posto de proteger o seu sobrinho, Elhokar, que assume o cargo de monarca. Kholin, durante as tormentas, sofre com visões “mágicas” sobre o passado, o que o leva uma fama de “caduco” entre a nobreza. Devido a isso, ele acaba tendo problemas ao na política nas Planícies Estilhaçadas e relação entre os outros highprinces, que acreditam que ele está perdendo seu tato. Ele também é um personagem absurdamente sensacional e completamente honrado, com um ar de que será o meu personagem favorito da série inteira.
A terceira personagem de destaque aqui é a Shallan Davar. Apesar da sua história se passar em um lugar bem distante do foco principal, ele vai tomar o cargo de aprendiz da erudita Jasnah Kholin, filha do rei assassinado e irmã do rei atual. No enredo da Shallan a gente segue uma maior exploração do mundo e da história, já que ela vai estudar livros contando sobre o mundo e sua formação, assim como a relação do Vorinismo — que é a principal religião nesse mundo — e explorar alguns fatos que são bem interessantes sobre a Hierocracia. A personagem tem um conflito interno muito instigante e foi um dos personagens que eu mais ansiava para ler durante o livro. Words of Radiance, que é o segundo livro, tem como foco essa personagem e eu mal posso esperar para lê-lo.
O livro segue um ritmo lento, o que é esperado de uma história robusta como essa, mas mesmo assim a trama consegue se desenrolar de modo que várias reviravoltas aconteçam quando você menos espera. É uma narrativa que vai tecendo seus fios a fim de formar uma peça maior e depois explodir em uma avalanche de acontecimentos. É isso que faz essa história ser tão bem construída: cada passo em direção à algo maior.
The Way of Kings, é, de fato, um dos livros mais instigantes e incríveis que já li. As 1008 páginas voaram, apesar de ser um mundo completamente novo. Quando você mergulha no mundo, tudo parece fluir livremente. Essa série sem sombra de dúvidas se tornará um clássico mundial da fantasia. Foi uma leitura de momentos felizes, tristes, de cansaços, mas que no final valeram à pena. Todo mundo deveria ler essa história e eu espero profundamente que as editoras brasileiras invistam nessa série, pois todo mundo deveria apreciar um pouquinho dessa obra-prima.
"Life before death, strength before weakness, journey before destination."