j.myaki 20/02/2024
Bem escrito, mas frio
"A Colmeia" é, de certo modo, tudo aquilo que eu celebrei "Caminhos Cruzados", do Érico Veríssimo, por não ser. A trama de Cela é impessoal, "neutra", por vezes caótica e confusa, mas nada disso, aqui, é sinônimo de sem qualidade. O formato de alternar entre os vários personagens sem ter uma narrativa principal - embora algumas histórias tenham mais destaque do que outras - contribui para pintar o panorama urbano pós-guerra que o autor idealizou. Por mais que eu prefira o outro livro citado, há de se reconhecer que esta é uma boa obra.
A escrita sem afetações, pretendida pelo autor, funciona na maioria das vezes. A moral dos personagens não é discutida, o que há é simplesmente a ação. Há algumas exceções - creio que algumas das tramas dessa história deixaram a desejar, mas não sei dizer se é por falha do autor ou porque ninguém é, de fato, trabalhado com profundidade. Ou o epílogo, que achei, de certo modo, uma indulgência, destaque desnecessário para um dos personagens.
A narrativa, apesar disso, fluiu melhor do que eu imaginava. Aqui, todos existem com o objetivo de retratar o mencionado panorama. A experiência de leitura, assim, equivale à sensação de olhar a rua pela janela e enxergar um mundo que não conhecemos, mas que em alguns casos ainda permanece. É o sentimento de andar pela cidade e notar quais relações se estabelecem.
Desse modo, faz-se um bom retrato do contexto social. Para o meu gosto, no entanto, faltou emoção. É um exercício interessante que o autor faz, de tentar ao máximo se abster e procurar inspiração na frieza da vida. Mas, por não ser fã dessa ideia central, não consegui me conectar como gostaria. Apesar disso, como acho que é sempre bom sair um pouco da zona de conforto, não me arrependo da leitura