Queria Estar Lendo 12/05/2021
Resenha: A Metade Perdida
Sinto que não tenho a capacidade emocional de explicar o que foi A Metade Perdida. Premiado e elogiado lá fora, o livro da autora Britt Bennet explora diferentes anos na vida de diferentes personagens, todas interligadas pela família e pelos embates raciais e sociais.
A Metade Perdida foi o livro de Março do clube Intrínsecos e, nossa, que escolha trazer uma leitura dessas pra cá. A história acompanha as irmãs gêmeas Stella e Desiree, moradoras de uma cidadezinha esquecida no sul dos Estados Unidos onde a população tem adoração à pele branca; gerações buscaram o embranquecimento como seu legado, e as gêmeas - negras, mas de pele clara - nasceram disso.
Através de saltos temporais, desde 1950, com a infância das irmãs, até 1980, com o futuro que escolheram trilhar, esse livro aborda colorismo, racismo e outros problemas sociais que acompanharam os anos, tudo isso através dos olhos das gêmeas e da geração depois delas.
"À medida que cresciam, não pareciam mais ser um corpo dividido em dois, mas dois corpos unidos em um, cada um puxando para o próprio lado."
A narrativa de Britt Bennet é visceral desde o começo. A tradução da Intrínseca, feita por Thaís Britto, optou por termos em português que transpassassem o desconforto e a problemática racial que a autora buscou expor em sua obra, então termos com peso histórico racista parecido aparecem no decorrer do livro.
A história das gêmeas é trágica e dolorosa desde sua infância. Elas perderam seu pai para um crime racial, e cresceram sob a ótica temerosa da mãe de que abraçar sua cor e seu legado traria o mesmo terror sobre elas. Elas cresceram em uma cidade que tem adoração à pele clara. A lavagem cerebral sobre elas atua de diferentes maneiras, mas ambas apagam quem elas realmente são.
"- Essa gente branca te mata se você quiser coisa demais, e te mata se quiser de menos também."
Com o tempo, as gêmeas decidem deixar a cidade, e é a partir daí que a trama deslancha. Desiree e Stella se separam abruptamente, e entender o motivo da separação e os caminhos que tomaram - tão absurdamente diferentes, ambos com motivações derivadas dos ideais com que cresceram - é um baque atrás do outro.
Com a Stella, a autora explora a transformação em outra pessoa pelas facilidades e pelos privilégios que uma pele clara - uma pele branca, como Stella é passada a ser vista - traz. Com Desiree, a discussão passa pelo mesmo tópico, mas explora muito mais uma liberdade que não funcionou, e o retorno ao lar que em muito a tornou quem é.
Eu precisei parar e respirar em muitos momentos desse livro, porque tudo que Britt Bennet traz para a pauta é intenso, em partes desesperador, em parte importante. Ela fala sobre diferentes nuances de racismo, fala sobre medo e desespero, fala sobre família e amor e mentiras. O plot da Stella foi, de longe, o mais perturbador e triste.
"Sentiu-se constrangida ao perceber como era fácil. Para ser branca bastava se comportar como uma."
Me lembrou bastante dos episódios de Lovecraft Country em que a personagem Ruby se transforma em uma mulher branca e vê o mundo pelos olhos do privilégio que vem com esse tom de pele. É o mesmo princípio, porque Stella se transformou numa mulher branca. Ela ainda carrega o amor pelo lar, ainda se ressente pelas mentiras, mas se dobrou tanto a essas facilidades, adotou essa identidade com tanta intensidade, que se perdeu nela.
Os outros períodos de tempo exploram a separação das irmãs e no que isso resultou para cada uma delas. Suas filhas são parte importante da história, mas acho legal chegar na leitura sem saber o que esperar das tramas delas.
"Às vezes, o que nos torna nós mesmos são as pequenas coisas."
O livro deu espaço para personagem LGBTQIA+ também, e eu gostei muito de como as histórias se entrelaçaram tão facilmente.
Apesar da temática pesada e dos assuntos que podem ser gatilho e um baque, o livro tem momentos suaves também. Conversas e histórias de amor que não se prendem a tanta dor e ressentimento; esperança, além das perdas.
Eu provavelmente não fiz jus ao que foi a leitura de A Metade Perdida, mas deixo aqui a indicação para quem quer um drama impactante, extremamente relevante mesmo hoje em dia, tantos anos depois de onde a história se passa.
site: https://www.queriaestarlendo.com.br/2021/05/resenha-metade-perdida-britt-bennet.html