isa! 03/03/2024
"A gente nunca conhece uma pessoa de verdade"
Quando comecei a ler o livro, já esperava que seria algo diferente, escutava as pessoas dizendo que era uma leitura intrigante, que mexeria com nossos princípios e com a nossa sensibilidade. E, uau. Posso comprovar que isso realmente acontece, mas tampouco do jeito que eu imaginava, porque o livro não te leva ao caminho certo - às vezes até para um caminho que não faz sentido algum de acontecer -. ele não te mostra a verdade absoluta, ele não te ensina o certo e nem o errado, ele apenas mostra as vulnerabilidades de ambos os lados. Para além, é difícil falar sobre essa história, não só porque não posso, de certa forma, medir as proporções das dores, já que é injusto com cada personagem - ainda que, bem, existam alguns personagens que vacilaram feio na história -, mas também não consigo imaginar o que eu faria numa situação como essa - não imagino mesmo, é algo tão complicado de lidar. A questão é: até onde iríamos pela confiança na verdade e quantas pessoas achamos que confiariam nela?
Na história, conhecemos uma forte amizade, Holly e Jules - amigas desde a época da faculdade, que compartilham a arte de viver o mundo na companhia de alguém especial. Elas moram próximas, criam seus filhos juntas - até mesmo se consideram mães-especiais do filho uma da outra -, sempre estão dispostas para qualquer ajuda necessária. Elas costumam dizer que, enquanto essa amizade existir, nunca mais estarão sozinhas. Para mim, não há nada mais especial do que amizades que crescem - não só no sentido literal -, que amadurecem e enfrentam novos desafios juntos, porque quando temos um grande amigo, nos deixamos levar pela ideia de que o conhecemos como a palma da nossa mão, que entendemos todas as suas ações e que, independente do que aconteça, a resolução dos problemas é a primeira coisa que aconteceria, pois, de algum jeito, nunca pensamos no que não conseguiríamos resolver - e, cara, isso é bom! Mas… Às vezes, não é bem assim. Num dia de festa, Holly deixa seu filho, Saul, na casa de Jules, fazendo companhia para filha dela, Saffie, enquanto as duas curtem juntas. Quando retornam para casa, as coisas parecem estar iguais e bem do jeito que deixaram… até uns dias depois, quando Saffie revela que Saul a estuprou. Pois é! Uma revelação chocante que abalaria mais de 10 anos de amizade, um montão de princípios e até mesmo a confiança que existia.
Holly é super ligada às questões feministas e de estupro de vulneráveis, ela já foi líder de um conselho de apoio às vítimas do crime e costuma discutir frequentemente sobre o assunto em suas aulas e nas redes sociais. Numa passagem do livro, ela diz: “Todo homem é um estuprador em potencial.” Durante a leitura, pensei muito acerca dessa questão. Todos os dias acontecem mais de centenas de casos de estupro no Brasil - isso apenas no nosso país! -, e nem gosto de pensar na quantidade diária mundial. Quando somos pequenas, nossas mães nos ensinam sobre como não devemos interagir com estranhos na rua, que devemos abaixar o shortinho toda vez que ele sobe demais, não sorrir demais para os homens que passam pela gente, andar um pouco mais rápido após uma buzinada na rua. Elas ensinam tudo isso quando nem ao menos entendemos o verdadeiro motivo. Quando crescemos um pouco mais, vemos nossas amigas da escola mandando a localização para mãe caso alguma coisa aconteça na rua, prendendo seus cabelos para ninguém conseguir puxá-los e estar sempre atenta a todos os movimentos. Portanto, eu não sei se todo homem é um estuprador em potencial, porém somos obrigadas a agir como se fossem - evitamos andar sozinhas à noite, usar roupas que gostaríamos pelo medo que sentimos, porque, para alguns, isso pode ser justificativa o bastante para um crime. E, na minha honesta opinião, todo homem que tenta justificar um estupro é, sim, um estuprador em potencial. Eu vou trazer dois exemplos: Mari Ferrer e Daniel Alves. Anos se passam, provas concretas são descartadas e Mari Ferrer continua vivendo a mesma noite todos os dias. A justiça é uma merda. Essa garota teve sua virgindade arrancada da forma mais horrível que podemos imaginar e nada - nada!!!! - aconteceu com o seu estuprador, nada que deveria ter acontecido, aconteceu. De certa forma, a justiça não falhou apenas com Mari Ferrer, mas com todas as mulheres do Brasil. Por outro lado, Daniel Alves, preso por estupro, teve sua pena reduzida por uma doação bancária advinda de um homem - e um figura importantíssima, com uma influência gigantesca, Neymar. Vocês percebem o quão cruel e injusto o mundo pode ser? Ele estuprou uma mulher e sua pena foi atenuada por dinheiro, enquanto Mari Ferrer é taxada como “armadora de um plano” e todo seu passado de dor é descartado, considerado um estupro culposo. Isso é desumano!
Entretanto, numa noite qualquer, seu filho é acusado de estupro. E, tudo que Holly parecia dominar não faz mais sentido, ela não consegue acreditar que mesmo com uma criação com base em seus princípios, seu filho cometeu tal crime. Mas, por outro lado, ela sabe que nunca deve-se duvidar da vítima - a sua filha especial. Diante disso, o livro se configura de uma forma muito interessante, temos a oportunidade de ler os dois lados da história com as suas respectivas dificuldades. No começo, meu senso empático se conectou ao de Jules, porque, poxa, ela é mãe de uma vítima de estupro - sua filha de 13 anos enfrentava as dores de uma situação tão abominável -, e, além disso, Holly não conseguia enxergar como sua omissão - até mesmo para proteger o filho - também prejudicava a vulnerabilidade de Saffie. Porém, ao longo da história, com os acontecimentos se destrinchando, enfim, senti a dor de Holly - claro que também não justifica a forma como lidou em certos momentos. No decorrer do livro, o filho de Holly desaparece depois de seu marido mandar suas enteadas para casa da mãe por medo de acontecer o mesmo que aconteceu com Saffie. Mesmo que seja uma medida extrema, é justificável - nada era certo, mas as pessoas começam a agir como se fossem. E, essa situação machuca Holly, uma vez que todos os seus conhecidos se afastam pelo medo, espalham informações cruéis e até mesmo mentirosas. Em certo momento, isso corrói a nós mesmos, porque, vamos ser sinceros, também nos afastaríamos de Holly se estivéssemos por perto. Também agiríamos de forma estranha e cruel. E, quando lemos Jules e Saffie superando a história e Holly ficando para trás, não sentimos aquele sentimento, como se ela merecesse, mas uma pena. Uma sensação de misericórdia.
Jules é casada com um cara instável, ele sofre de ataques de raiva constante e acredita que o problema está nos acontecimentos e não na forma como age. Com a situação de sua filha, essa raiva piora, o homem fica completamente transtornado e movido pelo mal. Ele poderia matar o filho de Holly e ele faria isso, se tivesse a oportunidade. Em algum período da história, ele agride Holly, não só pela falta de responsabilidade com a situação, como também por todos os princípios de vida que ele não concordava. Essa cena é cruel, o personagem fala umas coisas absurdas. Com Saul desaparecido, Jules pensava na possibilidade do marido ter algum envolvimento - caramba, ele foi a primeira pessoa de quem eu desconfiei. E, isso, apenas invocou uma realidade de raro contato, opiniões se divergindo e uma sensação diferente, daquelas que, de repente, percebemos que não conhecemos as pessoas. Porque é isso! Não conhecemos as pessoas até brigarmos com elas. E, talvez, mesmo depois disso, não somos capazes de lê-la como a palma da nossa mão, pois nunca conhecemos uma pessoa de verdade.
Honestamente, odiei o final do livro. Achei extremamente preguiçoso, sem nexo e, principalmente, irresponsável. Claro que não vou escrever o que realmente acontece, o que a história tanto desenrola para nos contar no final, mas preciso dizer que é decepcionante. Não a revelação e quem está por trás de toda essa situação, e, sim, a conclusão do livro. A autora encerra o livro como se tudo que aconteceu não fosse nada, não fosse literalmente um crime. É uma pena, porque a história é interessante e soube se desenrolar bem. Além de tudo, não consigo entender o porquê de uma personagem tão madura como a Jules ter tido um final tão horrível como esse. Sem brincadeiras, parece que ela ignorou tudo que seu marido fez ao longo da história - ela esqueceu que seu marido agrediu a sua melhor amiga!!!!!! Isso é surreal para mim. E, Holly!!! Ela teve a sua vida destruída por conta dessas falsas mentiras, dessa situação inexplicável e, no fim, voltou para o mesmo lugar, para as mesmas pessoas que a destruíram. Sei lá. Que final de babaca. Hahaha. É sério! Que raivaaaaaa. Mas, quer saber? Acho que ainda vale a experiência da leitura, porque é um livro realmente curioso e diferente. Mas, falando sério, é um livro que trata de um assunto cruel, então, não leia se tiver algum gatilho com estupro. E, bem, se preparem para acharem que conheceram os personagens e que eles não tomariam atitudes idiotas, porque, bem, eles vão tomar. Porque é isso, não é? A gente nunca conhece uma pessoa de verdade.