ramonbacelar 17/08/2020
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SHERLOCK TIME – BRECCIA - OESTERHELD
O artista Alberto Breccia é um ótimo exemplo daquela “sede” por crescimento e aprimoramento constante, sua extensa obra é rica e variada, e suas experimentações com estilo, forma e conteúdo dizem muito sobre sua vasta cultura. Assim como o genial David Bowie, Breccia é um camaleão mutante (uma metamorfose ambulante) onde várias artes e escolas se interconectam e entrelaçam.
Outro exemplo fora das HQ’s é do extraordinário e saudoso baterista Neil Peart que após mais de trinta anos de carreira decidiu reaprender suas técnicas, mas eu estou divagando.
No frigir dos ovos Sherlock Time não funciona apenas como um maravilhoso entretenimento, mas também como um excelente exemplo da evolução de um artista outsider, e o melhor ainda estava por vir.
No cardápio temos, a parafernália gótica, o ingênuo sense of wonder da pulp fiction e ingenuidades típicas da época. Também temos; casas sombrias, espaços estranhos, mistérios e nostalgia a dar com pau.
Um breve resumo das histórias:
1 – A Gota:
Neste conto introdutório, uma gota misteriosa atormenta o protagonista. O modo como os autores constroem o suspense pelo bater e “som” da gota é um primor de construção, não muito distante do que o cultuado cineasta italiano Mário Bava fez na sua coletânea Black Sabbath. 9,0
2 – O Ídolo:
Um velho esteta adquire uma estatueta misteriosa e coisas estranhas começam a ocorrer.
Oesterheld tem a capacidade de sintetizar ideias e conceitos em poucas linhas. Algumas breves observações sobre natureza do belo dão um tempero especial. 8,8
3 – Superaranha:
Nesta divertida aventura, o personagem ”aprende” a operar a cosmonave e ruma ao espaço. A ideia central (sem spoiler) é ótima e poderia ser melhor desenvolvida com mais espaço. 6,8
4 – O Uko:
Outro episódio curto, mas desta vez com narrativa e arte fluída. O maravilhoso texto introdutório já vale a leitura: Era um entardecer tranquilo. Sherlock Time fumava seu cachimbo, o olhar perdido na fumaça azulada.
Eu lia “os que passavam”, um velho livro de Paul Groussac. Com os nomes de Avellaneda, de Estrada, de Pellegrini, eu sentia...
...A atmosfera dourada de Buenos Aires no fim do século, de Buenos Aires com carruagens nas ruas, com iluminação a gás, com veleiros enchendo o Porto de Mastros. 8,8
5 – O Viúva:
Um traço menos sombreado e contornos definidos; roteiro menos inspirado. O conto mais fraco da coleção. 5,0
6 – A Armadilha:
Neste conto, o traço dá saltos gigantescos e encontra algumas soluções visuais que ele utilizaria em Morth Cindet; seu domínio do claro escuro e manipulação das atmosferas atingem outro patamar. 10
7 – Um Conto:
Interessante notar que a cada conto a dupla experimentava com estilo, forma e conteúdo; nesta releitura futurista de Robson Crusoé o resultado é apenas mediano. 6,3
8 – O Bonde:
Sherlock pede ao colega para ir a uma parte erma da cidade por motivos desconhecidos. Um conto alegórico, misterioso e fascinante.
A incrível capacidade do Breccia em adequar o estilo ao tipo de história a ser contada beira a insanidade!
A abordagem literária do Oesterheld sempre guarda nuances e sutileza que enriquecem ainda mais a experiência. 10
9 – Um crime
Nesta investigação sobrenatural, um homem planeja matar a esposa de modo inusitado. A conclusão é inesperada e criativa. 6,0
10 – Três Olhos
O conto mais longo da coleção; um tanto genérico e previsível, mas com alguns bons momentos. 7,5
11 – O Sacrifício
Arte e roteiro extraordinários: um fechamento digno da genialidade da dupla. 8,5
Uma coletânea desigual, mas os acertos (algumas pequenas obras primas) valem o investimento.
Outras resenhas: http://vnresenhas.blogspot.com/