Ambiguidades

Ambiguidades Adriana Vieira Lomar




Resenhas - Ambiguidades


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Krishnamurti 28/08/2021

Ambiguidades a expor o sentimento humano
Por Krishnamurti Góes dos Anjos

A capa do novo livro de contos da escritora Adriana Vieira Lomar é bastante sugestiva e promove perfeito casamento entre a imagem estampada e o título do livro. “Ambiguidades”. Nela, divisamos uma tabuleiro gigante de xadrez em plena rua, ao mesmo tempo em que algumas figuras humanas observam o tabuleiro e suas peças. Sabemos que no jogo de Xadrez as colunas recebem o nome das peças que as ocupam no início da partida, e as linhas são numeradas de acordo com a posição de cada jogador, isto é, a contagem das colunas inicia em 1 e vai até 8, para ambos os lados. Essa numeração uma vez que cada casa pode receber duas denominações, além das variadas posições que cada peça pode assumir durante o jogo, acaba por causar ambiguidades.

E porque estamos falando de literatura e não do jogo de xadrez, entendamos aqui uma das acepções mais correntes da palavra. A de entender a ambiguidade como a qualidade ou estado do que é ambíguo, ou seja, aquilo que pode ter mais do que um sentido ou significado. A função da ambiguidade é sugerir significados diversos para uma mesma mensagem. Sim, por certo, mas como se faz isto em literatura, e bem feito? Nos 29 contos curtos reunidos em cinco blocos temáticos, podemos perceber, sobretudo no primeiro – Achados e perdidos – uma certa atmosfera impressionista. Mas que diabo é impressionista?

Na literatura, a principal característica impressionista relaciona-se à presença de aspectos sinestésicos e metafóricos, tais como a sugestão de imagens e a impressão de atmosferas. Ou por outras palavras, e lançando mão do argumento de Juan José Balzi que identifica em certos autores, a capacidade de, quando as palavras e suas combinações não são suficientes para descrever com exatidão certos momentos de uma imagem ou algumas nuanças de um sentimento, escolhem palavras que, uma vez unidas, podem gerar no inconsciente do leitor a sensação desejada. Assim como duas cores se unem na retina do espectador para formar uma terceira.

Para tanto faz-se necessário visão impressionista da realidade, marcada sobretudo pela noção do fragmentário. Desaparece o traçado nítido, a linha pura, a fim de impor-se uma narrativa de pinceladas soltas e amplas, ou de pequenos toques e retoques. Para enfatizar e deixar mais claro; uma escrita que parece ter sua ênfase na sugestão mais que na afirmação peremptória das coisas.

Mas não se há de perder de vista contudo, outros aspectos do gênero, um deles essencial e intrinsecamente ligado à natureza narrativa do conto. Ricardo Piglia, legou-nos reflexões interessantes sobre a estruturação do conto moderno, a partir de Poe, atribuindo à forma do conto um caráter essencial de duplicidade. Quer dizer, o conto seria o gênero do duplo por excelência, uma vez que, segundo Piglia, "um conto sempre conta duas estórias". Há em um primeiro plano, a estória um e, em segredo a estória dois vai também sendo construída sutilmente. Ou seja, um relato visível esconde um relato secreto, narrado de modo elíptico e fragmentário (realçando, de outra parte, os pontos de contato com certa visão impressionista). Em resumo, cifrar a estória dois nos interstícios da estória um, quando o relato secreto, de que afinal todo conto é um relato, emerge e se revela como outra narrativa. O narrador sugere e o leitor intui.

Adriana Vieira Lomar mostra ao leitor, e com economia verbal, as subjetividades latentes, envoltas sobretudo no registro de suas percepções. Projeta a interioridade de alguns personagens em uma relação extremamente poética com suas experiências de vida. Experiências que permitem ver, debaixo da superfície opaca da vista, uma verdade secreta. Observe-se as inúmeras camadas de significação que um conto belíssimo como é “Os gerânios me entendem” disparam em nossa sensibilidade.

À autora interessa sobremaneira os estados de alma de seus personagens, privilegiando a análise psicológica em detrimento da narrativa centrada em peripécias exteriores. O procedimento deste tipo de narrativa favorece não mais a descrição objetiva e realista das coisas tangíveis, porém a retratação das emoções originárias do espírito de suas criaturas. Isto está mais do que patente em “Sulco” e “Os adoráveis cabelos brancos” ou, numa chave que vai buscar nas profundezas da memória os acontecimentos e sentimentos que cristalizam nossas vidas, ao lermos “Minha coleção de bolinhas de gude” e “A menininha da casa grande”. Mesmo quando a autora resvala para o insólito (beirando o fantástico), ao emprestar personalidade a objetos como acontece em “O fogão azul” e “Desmiolada”, ou visita ainda “Assombros” do comportamento humano, sobretudo os relacionados com o tal do amor e seus desdobramentos trágicos, de que são exemplos “Insultos” e “Uma sombra talvez”, está patente o sentido do humano. E eis que, quase ao fecharmos o volume, voltamos a nos deparar com um quê de “impressionismo” num texto que têm o onírico como referente (aos sonhos, às fantasias e ao que não pertence ao chamado "mundo real"). Observe-se este trecho de “O sol é retangular”, quando a narradora se refere à uma nuvem:

“Uma voz, cálida e grave, saída do epicentro da grande nuvem, dizia-me para ficar calma.
Sem ter ideia do que se passa no exterior da grande redoma de gás branco, ouço o tom de minha voz, as abelhas zunem e fabricam mel, a orquídea viçosa, tingida de cores pastéis, pisca. As folhas do grande cacaueiro deslizam e, crescidas, erguem uma moita, que mais aparenta ser uma rede.”

O motivo básico de Adriana, é o do reconhecimento da duplicidade e ambiguidade das situações e das emoções que perfazem o cotidiano da existência humana, mesmo que sob diferentes aparências.

Elias Fajardo em prefácio à obra, reproduz trecho do livro do escritor e crítico literário baiano Hélio Pólvora, (retirado de “Itinerários do conto: interfaces críticas e teóricas da moderna short story”. Editus, Editora da UESC. 2002). Muito bem, Fajardo transcreve: “Ainda que acabado, o conto está sempre a pulsar, a germinar e a fermentar nos misteriosos meandros das entrelinhas1”. Os contos do volume “Ambiguidades” pulsam e germinam em torno de universos que a autora vem trabalhando também em suas outras narrativas, como em seus romances”. É verdade, e naquela mesma obra de Pólvora, há na sua abertura, a epígrafe de Jorge Luís Borges: “El cuento, por su índole sucesiva, corresponde intimamente a nuestro ser que se desenvuelve em el tiempo.”

Positivamente nos contos da autora, a estrutura da expressão se articula com a expressão mesma de um motivo — em suma, há sempre a escolha de uma estrutura narrativa dúplice e ambivalente para falar, difusa e reiteradamente, através de sucessivas pinceladas e variados toques (umas mais longas, outros mais breves) das ambiguidades e contradições, dúvidas e desconfianças, ações e reações que norteiam e cerceiam as aspirações da vida humana.

Livro: “Ambiguidades” – Contos de Adriana Vieira Lomar – Editora Penalux, Guaratinguetá – SP, 2021, 112 p. - ISBN: 978-65-5862-081-5
Link para compra e pronta entrega:
https://www.editorapenalux.com.br/catalogo-titulo/ambiguidades
Ou ainda: E-mail: dridrilomar@gmail.com / Instagram: @adri_ana_vieiralomar / Facebook: /adrianavieiralomarescritora
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fernandaugusta 22/12/2021

Ambiguidades - @sabe.aquele.livro
"Ambiguidades", de Adriana Vieira Lomar, é um livro de contos (29 ao todo) que faz jus ao nome. A escrita de Adriana nos leva, por vezes, a cenários de sonho e realidade, fato e memória, lucidez e loucura, luz e sombra. Distinguir entre um e outro fica à critério do leitor e de sua experiência, visto que é perceptível que a autora está nos passando muitas de suas próprias percepções, e não somente relatando fatos que criam uma história.

Em vários momentos, não há um ponto, um traçado delineado entre o que está realmente acontecendo e o que é o imaginário dos personagens. Em meu conto favorito, "Minha coleção de bolinhas de gude", esta linha pode ser reconhecida nitidamente, e daí advém um conto belíssimo.

Gostei muito do uso de objetos como primeiras pessoas, com destaque para "Um fogão azul" e "Assalto", sendo que neste último o narrador é um sofá. A originalidade e a criatividade destas visões nunca tinham me ocorrido e estes contos também ficaram entre meus favoritos.

A morte também é um tema muito presente na escrita de Adriana, seja ela pacífica ou não. Neste aspecto destaco "O louva-a-deus" e "Obtuso". Situações agridoces e memórias pungentes encontramos em "Menininha da casa grande" e no lindo conto que encerra o livro "Em terra, no ar".

Temos uma miscelânea de pessoas, sonhos, cenas, lembranças, vontades que viram realidade (nem que seja no subconsciente) e realidades que vão se esmaecendo. Em muitos momentos, li e reli até captar o ponto principal, a meada que me ligava à realidade, pois esta foi a minha maior dificuldade em alguns contos. Mas a escrita de Adriana é fluida e convidativa, e me senti como uma voyeur de assuntos secretos, observando atrás de uma cortina, quase como a mulher que rega as flores em "Os gerânios me entendem".

"Ambiguidades" merece uma leitura atenta e reflexiva. Recomendo.
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@retratodaleitora 21/10/2021

Muito bom!
Publicado em: @retratodaleitora


"Um personagem me assaltou em plena madrugada e me disse com urgência que precisava sorrir."?
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Assim começa "os adoráveis cabelos brancos", um dos meus contos favoritos da antologia Ambiguidades, da escritora carioca @adri_ana_vieiralomar. Uma bela noite uma escritora é acordada por um personagem, uma ideia, e precisa colocar em palavras o destino dessa aparição para que consiga enfim descansar.?
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Que livro instigante e impossível de largar! Li em uma sentada só, e fiquei impressionada com a potência que encontrei nesses textos tão bem escritos e organizados.?
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"Recito o poema dos rios, dos afluentes, dos desníveis possíveis e belos, aventuro-me a discorrer sobre a vida e seus riscos."?
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Os contos passam de narrativas do cotidiano (com pitadas a mais) a tramas recheadas de tensão, do início ao fim. Tem contos para todos os gostos, literalmente, e eu tenho meus favoritos.?
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Que experiência linda foi ler a Adriana e seu Ambiguidades! Quero ler mais dela. A escrita é limpa e sensível, um primor. Leiam!!
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