Tuca 26/05/2021O desespero uniu Will Parker e Elly Dinsmore. Um ex-condenado pelo homicídio de uma prostituta e a louca viúva Dinsmore, como Elly era conhecida na cidade de Whitney (Georgia). Sendo ela mãe de duas crianças pequenas e a espera de mais uma, os dois não poderiam de início ser mais diferentes até se reconhecerem em seu anseio pela liberdade que lhes havia sido tomada. Will pulava de emprego em emprego, sua reputação, mesmo que disfarçada pelo esforço, o expulsava de cada tentativa de recomeço, e na maioria das vezes para se alimentar, sua única solução era furtar. Depois de perder mais um de seus subempregos, Will encontra o anúncio de Elly no jornal: “contrata-se um marido”. Sem mais nenhuma perspectiva, e morrendo de fome, ele vai parar na pequena fazenda de Elly. A visão não era das melhores, sozinha para cuidar da propriedade e de duas crianças, ainda mais grávida, Elly não conseguia dar conta dos afazeres da fazenda, mas tudo o que Will queria era um teto e comida, e isso ali ele teria. Elly deu a Will muito mais do que o rapaz que crescera órfão poderia sonhar: um lar, uma família, amor, pertencimento, liberdade. Mas a entrada dos Estados Unidos na segunda guerra mundial poderia roubar dele tudo isso, assim como as reminiscências de seu passado.
“- Ninguém jamais te amou antes?- ela segurou o rosto dele com ternura. – Bem, eu o amo.
Seus olhos se fecharam e ele colocou a boca na palma da mão dela, apertando-a em seu rosto.
(...) - Ninguém. Jamais – reiterou. – Não, em toda minha vida. Nenhuma mãe, nenhuma mulher, nenhum homem. (...)
-Você poderia dizer? – ele pediu.
O coração de Elly batia como as asas de uma águia, levando-a a se elevar, enquanto falava as palavras.
- Eu te amo, Will Parker.” (p.213-124)
Focado no romance entre dois corações solitários, “Glória da manhã” narra o amor de Will e Elly, mas também o conflito social e moral no qual eles estão imersos. A prisão pelo crime cometido, mesmo que indevida, resultado de uma legítima defesa de terceiro, somou-se a Will com o peso da pobreza. A sociedade o via como um criminoso condenado, e não lhe dava a oportunidade de provar que todo ser humano está acima de seus erros, como disse uma vez a ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia. Não posso fugir dos aspectos jurídicos do enredo. Desde a contraposição dos bons e dos maus operadores do direito, das injustas leis do estado da Geórgia à época, do estigma social enorme que impossibilitava à ressocialização de alguém que já nascera presumidamente culpado.
Presumidamente culpada desde o nascimento também era Elly Dinsmore, não por um crime próprio, mas pela imoralidade que seus avós religiosos viam em sua mãe, pela loucura deles que a cidade julgava estar nela. Valorizando tanto a liberdade, Elly e Will também desenvolveram um amor por seres que voam: ela por pássaros, ele por abelhas. Elly, além disso, era apaixonada pelo sol, pela luz, e consequentemente pela cor amarela, que a distanciava do seu passado nas sombras.
LaVyrle Spencer parece ter uma grande paixão pela flor Glória-da-manhã, ela também a insere em outros de seus romances, mas nesse , o fato da flor está presente na fazenda de Elly aparenta transmitir uma ideia de união e de liberdade, pois a glória-da-manhã se abre apenas durante o dia, quando é polinizada por pássaros e abelhas. Ela é azul como o céu, como o pássaro de vidro que Will deu a Elly, como a cor favorita das abelhas, como o azul-celeste que Elly viveu anos sem conhecer.
Um livro escrito nos anos oitenta – e que se passa nos anos quarenta - em que o protagonista masculino carrega valores que balanceiam uma educação honrada de como deve ser um homem com um companheirismo que eu não iria esperar em um romance escrito mais de trinta anos atrás. Will Parker colocaria muitos mocinhos contemporâneos no chinelo. É corajoso, mas vulnerável. Forte, sem nunca perder a doçura. Tímido, mas incisivo. Extremamente fiel a todos que ama. E seu coração de ouro e sua consequente educação exemplar foram o que conquistaram Gladys Bearsley, a idosa bibliotecária de Whitney, que assim como Will e Elly carregava sua própria solidão nas costas, aliviada quando ela de certa forma acolhe Will, e ele a inclui na sua vida com a esposa e os filhos.
“Glória da manhã” conseguiu alcançar um patamar ainda maior que “Os Doces Anos” no meu coração de leitora, porque ele entretém em todos os seus focos narrativos, porque Will Parker não decepciona em nenhum momento, porque é muito mais romântico. Todas as escolhas do enredo são bem encaixadas, todas as dores levam a um caminho de paz. Ao contrário da maioria dos romances – principalmente os históricos- coloca como protagonistas duas pessoas bem pobres (uma mais até que a outra), que com a ajuda recíproca vão criar maneiras de crescer em todos os seus aspectos, e aprender a amar e aceitar amor livremente.
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