spoiler visualizarMar 07/01/2023
O Imago da Humanidade e das estrelas
Intitulado Imago, o volume de conclusão da Trilogia Xenogênese trata-se da fase adulta da humanidade, mas não sozinha. Assim como borboletas, a humanidade eclodiu na obra de Butler com uma forma diferente de sua originária - uma informada por colonizadores extraterrestres, es Oankali.
Expandindo o texto para além do horror imanente em uma história de colonização à nível do DNA, de extinção humana até a essência, Butler mira em um futuro esperançoso onde a essência da humanidade são laços literalmente infecciosos, concluindo sua trilogia de forma agradavelmente aberta, tanto boa quanto preocupante.
No primeiro volume, Despertar, o leitore é guiado por Lilith, humana viva antes da chegada des Oankali. "Despertar" é uma história de terror velada em FC, um conto sobre a aparente preservação da humanidade por meio do extermínio de tudo aquilo que a define - DNA, cultura, sociedade, estruturas. Lilith é uma diplomata tanto quanto uma doutrinadora, escolhendo, pelo que vê como o bem da humanidade, auxiliar nas relações humane-Oankali.
No segundo volume, Ritos de Passagem, seguimos seu filho, Akin. Akin é um constructo, um ser híbrido humano-Oankali. Importante ressaltar que Akin é um constructo macho, tanto pela predileção ao determinismo de gênero de Butler quanto para a ordem biológica e social da sociedade Oankali. Como constructo, sente tudo aquilo que oankalis sentem, e aprende com facilidade os sentimentos humanos também. Raptado por rebeldes humanos quando jovem, cresce entre eles e compreende a necessidade que a humanidade tem de manter-se desatrelada des Oankali, de preservar sua aparente essência. Por meio de sua diplomacia, cria-se uma colônia em Marte para a humanidade progredir sozinha novamente.
Até então, Butler constrói o horror e uma progressão lógica. Há ou a saída Oankali, que extingue a humanidade original e a Terra, ou a saída humana, de recomeço em Marte. Duas espécies distintas, por assim dizer, uma de humanes resistentes à mudança e dominades pela Contradição (genes sapientes porém hierárquicos) e outra de seres que se tratam apenas do próximo passo evolutivo para es Oankali, onde sua fisiologia e seu psicológico subjugam a influência humana.
Em Imago, como dito, Butler evolui sua construção e propõe enfim a visão filosófica de sua humanidade - o afeto. Imago tem como protagonista outre dos descendentes de Lilith, Jodahs. Diferente de Akin, o imago de Jodahs é como ooloi, o gênero neutro des Oankali. Assim, atraí humanes com facilidade e precisa delus desesperadamente para seu desenvolvimento. Essa relação parasitária torna-se uma simbiose quando Jodahs toma como parceires Jesusa e Tomás, humanes com neurofibromatose. Capaz de curá-los, a relação é clara e abertamente benéfica para ambas as partes.
A grande mudança, porém, vem do amor. Em Jesusa e Tomás, Jodahs encontra obstinação, gentileza, resiliência e outras qualidades humanas, provindas da adversidade e da compreensão não ser uma facilidade biológica. Apaixona-se por elus, num afeto muito além de sua necessidade ooloi. A Contradição humana ascende para uma capacidade irrefutável de resistência, uma que encanta Jodahs e infecta-o psicologicamente da mesma forma que Oankali infectam humanes com suas mudanças. O objetivo é demonstrar que Jodahs (e sue irmão-irmã Aaor) é mais humano do que qualquer outro constructo, e que suas crianças serão também, tanto humanas quanto Oankali. Dessa forma, Butler constrói uma nova raça, formada de um sentimento mútuo, nem criada pelos Oankali nem dominada pela genética conflituosa da humanidade. Em definir humanos por suas melhores, se não mais interessantes características, Butler apresenta uma maturidade integaláctica que domina a mente mesmo após o fim da leitura, efetivamente entregando uma trilogia FC que vai do horror cru ao amor trabalhado.
A prosa de Butler em Imago parece também mais dinâmica, apoiada em uma grande quantidade de diálogos e relacionamentos. Felizmente também, Butler abandona grande parte de sua retórica determinista quanto aos papéis de gênero. Não tão felizmente, menos incidência não significa evolução da retórica, e em muitas oportunidades Butler bate na tecla das diferenças fundamentais entre homens e mulheres, empobrecendo seus discursos sociais, antropológicos e biológicos.
Butler também parece pouco interessada em manifestações de humanidade além dos sentimentos. A arte, por exemplo, mostrada em uma pequena mas extremamente contudente cena em "Ritos de Passagem" toma um papel ainda menor. Apesar de mencionar que Lilith desenha e que sua arte mata parte das saudades da antiga humanidade, Butler nunca especula sobre o papel do legado cultural humano e sua retomada, apenas sua perda. Essa lacuna intelectual afeta a concepção de futuro de sua raça híbrida, mas não a leitura ainda assim intrigante e poderosa de sua conclusão.