Faty Didier 31/03/2024
Avassalador
Juan é um médium muito poderoso, pertencente à Ordem, uma organização iniciática envolvida com os mistérios do oculto, que procura, por meio de seus médiuns, se conectar com a Escuridão e, assim, desenvolver um método capaz de dar a seus membros a capacidade para a vida eterna.
Juan se casa com Rosário, filha de uma importante família fundadora da Ordem. Juntos, eles tem Gaspar, filho do casal e médium em potencial. Gaspar é peça chave da trama, para a Ordem a continuidade da organização e a possibilidade de dar a seus membros as condições para vencer a morte. Rosário morre no início da história em situação suspeita e que é revelada no decorrer da história.
A relação de Gaspar e Juan é permeada por complexidade. Vemos uma família disfuncional, marcada pela tragédia da morte da mãe, mas também pelas pequenas tragédias cotidianas que rondam a relação desses dois, no meio de tantos segredos, terrores, espíritos, escuridão. A forma como Juan ama o filho é passional, desesperada, abusiva e choca como Mariana Enriquez trabalha essa relação, nos pormenores do desespero e da violência. Juan quer por tudo salvar o filho de repetir o seu destino e, a seu modo, caótico, na verdade, o empurra para o inevitável.
Mas nem tudo é violência nesse livro de mais de 500 páginas, vemos relações mais afetuosas como a amizade de Gaspar, Adélia, Vick e Pablo, já na fase adolescente da trama. Apesar de um desfecho pesado, essa parte é um breve suspiro de doçura num livro de histórias tão duras. Da mesma forma, a fase em que Gaspar passa com seu tio tbm carrega uma doçura impossível de não pontuar. Seu tio vai mostrar a ele que, finalmente, relações familiares podem ser permeadas por amor e que amor não é o mesmo que violência e medo, como ele estava acostumado.
A ideia do livro em si é das que mais me interessam, pois mistura o mágico, o místico com a realidade política latino-americana. A história se passa entre a ditadura Argentina, com passagens que remontam a ditadura brasileira e mostra como os cultos da Ordem, o dinheiro dos poderosos e a violência política se entrecruzam numa relação perversa e imoral. E por falar em perversidade, temos aqui as mais completas descrições da crueldade, ao narrar a situação de tortura aos presos (?engaiolados?), utilizados pela Ordem com a cumplicidade da ditadura, na busca por um possível médium.
É um livro de terror, é bom lembrar e, como tal, aterroriza mesmo! Muitas passagens são cruas, cruéis, avassaladoras e violentas. As vezes eu precisava parar para respirar fundo e continuar, eu, medrosa que sou. Mas tudo é muito interessante, de forma que apesar de denso, pesado, assustador, você quer continuar. Demorei um mês para terminá-lo, mas foi uma das aventuras literárias mais interessante dos últimos tempos. Enriquez, é uma bruxona latina que muito me intriga e quero continuar acompanhando. Se fosse vc, faria o mesmo. Recomendadíssimo!