luan_dal 10/12/2021
spoiler: só vou fazer elogios, haters caiam fora
Eu já tinha sido conquistado pela autora quando li o livro de contos dela há alguns anos, "As coisas que perdemos no fogo", que achei incrível. Desde então, quis ler mais coisas da Mariana Enriquez e, depois de muito desejo e espera, li "Nossa parte de noite".
Se eu falar que ele foi o que eu esperava, eu estaria mentindo. Mas ele também não foi o oposto do que eu esperava. Eu sabia que ele seria um livro lento, demorado para ler, confuso, nojento... E ele foi isso e muito mais.
Dividido em cinco partes, o livro começa nos anos 1980, com Juan e seu filho Gaspar fugindo. Não sabemos direito por quais motivos, nem quem os está perseguindo, mas já temos vislumbres do que vem mais para frente no livro: a relação complicada entre pai e filho, a doença de Juan, culto a divindades, cemitérios, espíritos, aparições, sangue e violência.
Na segunda parte, a mais breve do livro, conhecemos um pouco mais sobre a Escuridão, sobre o passado de Juan e de quem o persegue.
Na terceira, alguns anos após, vemos um grupo de amigos: Gaspar, Vicky, Adela e Pablo. No maior estilo "It, a Coisa" de Stephen King, eles brincam e se divertem, mas também se relacionam com a morte e com o sobrenatural.
O que começa com a procura por uma cadela desaparecida logo se transforma em uma aventura permeada por medo, desejos, violência, amizade e os horrores da ditadura; isso tudo presente no livro inteiro, em menor ou maior grau, de forma explícita ou implícita.
A quarta parte serve para explicar muito do que estava confuso. Aqui é revelado mais sobre o passado e as relações de Juan com outras pessoas; o que é a Ordem e como foi formada; quais as habilidades, objetos e lugares que existem neste mundo fictício.
A parte seguinte imita uma reportagem. Assim como a segunda parte, não tem muita coisa muito importante pra história; serve mais para mostrar algumas coisas ou para mostrar algo que será usado no futuro. As consequências da ditadura estão muito presentes aqui, pois fala de desaparecimentos, exércitos, lutas, militantes, ossos (des)enterrados.
Trazendo para uma perspectiva mais brasileira e tomando a liberdade para fantasiar um pouco (e ser aquelas pessoas que procuram mensagens subliminares em filmes da disney), penso que os arquivos perdidos de um caso, o silêncio das famílias e uma casa que não pode ser encontrada, mencionadas nessa parte, podem ser uma alusão ao encobrimento de acontecimentos da ditadura, que vão desde a destruição de arquivos até o esquecimento e negacioanismo atuais.
E por fim, a última parte junta tudo o que foi apresentado. Aqui tem de tudo: tem traição, tem feitiçaria, tem gays, morte, coisa nojenta (a cena do hospital e do braço!!!!!!!!!), e muito mais.
Se até então algum subgênero do terror tinha ficado de fora, aqui ele aparece: no livro inteiro tem terror psicológico, terror corporal, social, gótico, gore, slasher, sobrenatural, found footage (na verdade é quase um found footage); tem o terror do medo, da morte, da doença, do poder, da vida... Tem terror de tudo.
E isso feito de maneira espetacular.
Com a missão de amarrar tudo e de finalizar o livro de uma maneira satisfatória, Mariana Enriquez usa de (quase) tudo o que mostrado nas mais de 500 páginas. E faz uso de maneira convincente, confiante. Tirando uma ou outra coisinha que é negligenciada, nada fica de fora dos momentos finais. Tudo apresentado desde as páginas iniciais voltam para fazer um final que não é frenético nem impressionante, mas sim condizente com o universo criado para essa história e muito adequado.
Misturando tudo o que é possível, desde a estrutura de escrita até os gêneros de terror, as crenças e religiões das sociedades e os estilos literários, "Nossa parte de noite" é um livro grandioso que não merece nada menos que aplausos e todos os prêmios que ganhou.
Fica aqui a minha admiração a Mariana Enriquez, uma das melhores escritora da atualidade e uma de minhas maiores inspirações. E também fica o convite para tomarmos café em um cemitério, caso você esteja lendo isso, Marininha.