Paulo 22/08/2021
Em destaque pela série adaptada pela Netflix, Sweet Tooth foi lançado originalmente em 2009, e apresenta ao leitor um mundo pós-apocalíptico, no qual uma doença misteriosa (o Flagelo) assolou a humanidade e matou bilhões de pessoas. As únicas crianças nascidas após o evento são híbridas, uma nova espécie que mescla características humanas e animais.
Gus é uma dessas crianças híbridas, um garoto de 11 anos que é um híbrido de humano com cervo e que vive isolado com seu pai idoso e doente em uma cabana em uma reserva florestal, sem conhecer o mundo ao seu redor para além do que seu pai extremamente religioso conta. Mas garotos como Gus têm a cabeça a prêmio. Quando seu lar é atacado por caçadores inescrupulosos, um homem misterioso e violento aparece para lhe salvar. O nome dele é Jepperd e ele promete levar o jovem até a mítica Reserva, onde crianças como ele vivem em paz. Sozinho, Gus não tem outra alternativa senão encarar esse mundo ao lado do violento Jepperd.
No primeiro volume – Depois do Apocalipse – o autor Jeff Lemire faz o básico do básico e nos entrega uma narrativa simples, cujo principal objetivo é o estabelecimento da premissa. O cenário pós-apocalíptico que vemos na jornada da dupla é bastante genérico, e sozinho, não seguraria a premissa. Mas não uso esses termos com uma notação negativa, pois o autor Jeff Lemire usa desses clichês para montar uma história básica, é verdade, mas com muito coração, algo principalmente caracterizado pela pureza de Gus, apelidado de Sweet Tooth (ou Bico Doce, na tradução em português) por Jepperd, e pelo próprio “Grandão”, um personagem atormentado cuja moral ora está de um lado, ora de outro. Afinal, Jeppard corromperá a inocência de do jovem híbrido, ou a pureza de Gus amolecerá o bruto coração do Grandão? Além disso, Lemire sabe lidar com elementos psicológicos ao trabalhar seus personagens, nos apresentando personagens aterrorizados com o incerto, sem proteção e capazes de cometer atrocidades com seus semelhantes, em nome de uma suposta possibilidade de sobrevivência.
Porém, apesar da narrativa simples, Jeff Lemire escreve em um crescendo vagaroso, e vai inserindo elementos que vão instigando o leitor, como o mistério que envolve a conexão entre os híbridos e o Flagelo, e a relação do próprio Gus com a origem da doença. Além disso, embora se apoie na ficção científica, Sweet Tooth: Depois do Apocalipse ainda surpreende por relacionar o fim do mundo e o ascender de uma nova raça como ponto de partida para um paralelo com a bíblia – ou até a produção de um testamento contemporâneo. Aonde será que o autor quer chegar? Tudo isso dá indícios do promissor futuro que sua história pós-apocalíptica inegavelmente tem.
Quanto a arte de Lemire, é algo que exige adaptação, já que ele não desenha para agradar. Seus traços são estilizados e, aqui, feios mesmo. É, portanto, uma arte que corajosamente tende a afastar o leitor, mas ao mesmo tempo combina com esse universo desesperador e sem saída criado por Lemire.