MarcosQz 28/03/2024
Contos de um povo
Com doze contos, Itamar mostra que não é apenas um bom romancista, mas um ótimo contista também. Em A floresta do adeus temos quatro narrações em um breve conto, uma família separada por uma cerca que os separa de tudo, da própria vida. As mulheres são o centro do conto com suas dores, marcas, sonhos perdidos e desejos. O conto é quase uma despedida. Farol das almas é um conto sobre o povo africano, tirado de sua terra para serem escravizados.
Alma é um dos contos mais fortes e poderosos do livro. Uma escrava conta sua fuga, seu crime pela liberdade e vingança pelo que tiraram dela, narra suas dores no corpo, na mente e na alma. Mas também narra suas saudades, seus sonhos e desejos, a bondade de poucos, a saudade de sua ancestralidade e de uma terra que não conheceu e de uma que criou. A oração do carrasco é profundo, doloroso, traz mitos e fatos em um conto arrebatador. Uma família onde ser carrasco é uma profissão herdada, não quer dizer que seja ruim, mas não é motivo de orgulho. O carrasco sempre ora pelos seus mortos, mas não esquece um rosto sequer. Itamar narra os carrascos de todos os dias, alguns ainda por aí, sem deixar de falar da terra e das letras. O espírito aboni das coisas é um conto indígena sobre luta e sobrevivência, sobre a força e o sagrado.
O conto nas profundezas do lago possui um tom gótico, sem perder o objeto principal de Itamar que é a terra e a população indígena, um conto verdadeiramente intrigante. Meu mar (fé) é um dos contos mais bonitos do livro, um conto sobre amor, sobre dor, sobre perdas e principalmente sobre a fé do retorno do amado, uma ode ao mar que é pai e carrasco, e é impossível não lembrar de Jorge Amado.
O conto que dá título ao livro segue uma narrativa não linear, a história de Doramar vai sendo contada, vai misturando passado e presente em lembranças desconexas, esquecendo como que para lembrar, esquecendo para se libertar.
Itamar é um ótimo contista, mas confesso que em alguns contos eu simplesmente me perdi, fiquei sem saber o que ele queria contar, o que de fato estava acontecendo, mas nem por isso se tornam chatos ou ruins. As vezes os contos começam em terceira pessoa e de repente mudam para primeira, pontos de vista diferentes de uma mesma história. O gostoso de ler Itamar é porque ele desperta nossa curiosidade, queremos sempre um pouco mais. Senti que alguns contos tinham um ar de distopia, algo fora do comum, meio incerto, e isso me fez pensar em tudo aquilo que ainda será escrito pelo autor.