Luiz Pereira Júnior 13/11/2021
O Nobel e o sinfronismo
Primeiramente, transcreverei os primeiros parágrafos de uma resenha que fiz sobre o livro “A Poesia Possível”, de Francisco Espinhara (eu o farei não por preguiça, desleixo ou por qualquer outra razão, a não o ser o simples fato de que minhas palavras anteriores servem exatamente para o que sinto agora):
“Não costumo fazer resenhas de livros de poesia, pois reconheço o imenso peso do fator identificação com o leitor na leitura desse gênero.
Assim, já li muitos livros de poesia (sou professor de Literatura no Ensino Médio e sempre procuro ficar por dentro dos lançamentos – sempre digo que sou contra qualquer preconceito, até mesmo contra o preconceito literário).
Mas também devo dizer que não me identifiquei até mesmo com alguns dos ganhadores do Nobel (todos os anos fico na expectativa de quem será o ganhador do ano – não torço por time nenhum, mas as semanas que antecedem o anúncio do Nobel de literatura sempre me parecem a decisão de um campeonato mundial).
Dito isso, não me identifiquei em nada com Louise Gluck, ou com Seamus Heaney, por exemplo, e em várias ocasiões fiquei me perguntando como esses autores puderam ganhar um prêmio de importância mundial, se nenhuma emoção passaram a mim e, com certeza, a centenas de seus outros leitores.
Bem, como disse anteriormente, sou apenas um professor do Ensino Médio, leitor onívoro e irrestritamente contra qualquer tipo de preconceito literário...”
Após escrever esses parágrafos, lembrei-me de que, ainda à época distante de minha faculdade, comprei um livro de teoria literária (não, não era de nenhum autor famoso nem de nenhuma celebridade intelectual da moda, mas simplesmente pelo fato de ter sido o único livro de teoria literária que tive condições de comprar – e, como detesto mi-mi-mi, digo que valeu a pena cada centavo). Descobri, entre outros, um termo que me recordo até hoje: sinfronismo, que é, resumidamente, a identificação entre o leitor e o autor.
Sim, compreendo perfeitamente as demais resenhas desse livro e também sei que o puro sinfronismo não é critério algum para um autor ganhar o Nobel de Literatura. Afinal, se centenas (milhares, milhões...) de leitores não se identificaram com os poemas de Glück, outras centenas (milhares, milhões...) encontraram na autora uma voz de si mesmas. E eu respeito isso.
Apesar disso, houve momentos em que eu me perguntava sobre o que estava lendo e tudo me parecia ser apenas as queixas de uma mulher privilegiada (branca, rica, adulta, professora universitária, bem casada, família amorosa, que gasta milhares de dólares fazendo análise – sobre o quê mesmo?) remoendo o que passou e olhando a natureza pela janela – e nada fazendo, apenas deixando que os outros transformem o mundo...
Sim, sei que Emily Dickinson construiu seus poemas como descrevi acima, mas ao escrever “I shall not live in vain”, Dickinson ilumina toda a sua angústia, toda a sua introversão, todo o seu “leave me alone” (leia o poema, ou melhor, veja e escute o vídeo de Bill Douglas, um músico canadense que musicou esse poema).
Lev Tolstoi, James Joyce, Henrik Ibsen, Virginia Woolf, Marcel Proust, João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, Clarice Lispector – não ganharam o Nobel, mas mudaram a Literatura... Já Louise Glück...