Fantasma

Fantasma Nilton Resende




Resenhas - Fantasma


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Gabi 11/07/2023

Uma presença familiar
O fantasma foi meu companheiro de travessias, longas distâncias, esperas, filas e impaciências. Entre o ponto de partida e a chegada: o fantasma. Meio caminho: o fantasma. Ecoando uma voz conhecida. Uma voz, um grito. Só quem já ouviu sabe. Quem já ouviu não esquece. O grito lygiano. Impregnado nas paredes do fantasma. A voz familiar, familiaríssima. Não há como ler o fantasma e não ouvir a voz rouca de Nilton, meio sussurrada, entre um trago e outro do cigarro à metade.
Resende 16/09/2023minha estante
Aaaah. Que bom que você leu.
Obrigado, Gabi.




Alexandre Kovacs / Mundo de K 22/03/2022

Nilton Resende - Fantasma
"Nos lugares, após frequentados por pessoas diversas, há sempre um pouco delas: odores, raspas de pele, pelos salivas, lembranças sonoras, humores vários. Grudam-se às paredes, tecidos, pisos. Por vezes, varam-nos. / Os lugares todos são palimpsestos de visitas." Este é o formidável início do romance de Nilton Resende, Fantasma, que tem como protagonista uma presença incorpórea formada por todas as lembranças de pessoas que passaram por um quarto de hospedaria. Limitado a este espaço, o espectro se ressente pela falta de um corpo, existindo apenas pela palavra e sofrendo com a impossibilidade de concretizar um ato de afeto.

O autor soube resolver com criatividade a complexa questão narrativa de diferenciar as falas do fantasma-narrador e dos outros personagens, assim como a condução principal em terceira pessoa, sem comprometer a fluidez do texto, as falas se manifestam como um sopro, sem sobressaltos, utilizando diferentes sinalizações gráficas. Outra interessante característica técnica utilizada por Nilton Resende para aumentar a sensação de estranhamento foi a utilização de um português arcaico em alguns trechos.

Todos nós carregamos as marcas das experiências vivenciadas e, assim como o fantasma-narrador, nem sempre conseguimos transformar os nossos sentimentos em ações concretas, a própria literatura é um permanente esforço de querer ser, apesar de muitas vezes se transformar em uma "informe e inútil abstração". No entanto, muito mais do que um exercício de metalinguagem, a obra é oportuna porque, em meio ao obscurantismo atual, apresenta, curiosamente pelo olhar de um fantasma, o que é essencial ao ser humano.

"Há ganas de dança nos pés que ora não tenho", a presença que habita o quarto da hospedaria nos ensina que a vida, por mais corriqueira que seja, é um presente precioso demais, "O simples fato de estar em vida é uma volúpia". Um livro difícil de definir e muito original, tanto na forma quanto no conteúdo, provando que a literatura sempre encontra novas formas de expressão e renovação, mesmo ao lidar com temas antigos como fantasmas em crise.

Sobre o autor: Nilton Resende é alagoano de Maceió. É Professor Adjunto de Literatura da Universidade Estadual de Alagoas/Campus Zumbi dos Palmares, na qual coordena os Grupos de Pesquisa Ensino de Literatura (com ênfase no Ensino Médio) e Estudos da Narrativa (com ênfase em Narrativas de Ficção). Integra a Cia. Ganymedes de teatro, para a qual adaptou a novela Mário e o Mágico, de Thomas Mann, para o espetáculo O Mágico, que codirigiu e protagonizou. Publicou os livros O Orvalho e os Dias (poesia), Diabolô (contos), A construção de Lygia Fagundes Telles: edição crítica de Antes do Baile Verde, Fantasma (romance). No cinema, tem trabalhado como ator, roteirista, preparador e diretor de elenco. O curta metragem A Barca (2020), baseado no conto “Natal na barca”, de Lygia Fagundes Telles, é seu primeiro filme como roteirista e diretor.
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Ivandro Menezes 09/07/2022

O fantasma de Nilton Resende
Fantasma é o primeiro romance do alagoano Nilton Resende. Apesar de estreante no romance, Nilton está longe de ser um neófito na literatura. O professor da Universidade Estadual de Alagoas, e expert na obra de Lygia Fagundes Telles, onde coordena os Grupos de Pesquisa Ensino de Literatura (com ênfase no Ensino Médio) e Estudos da Narrativa (com ênfase em Narrativas de Ficção). Além disso, integra a Cia. Ganymedes de teatro, para a qual adaptou a novela Mário e o Mágico, de Thomas Mann, para o espetáculo O Mágico, que codirigiu e protagonizou. Publicou os livros O Orvalho e os Dias (poesia), Diabolô (contos) e A construção de Lygia Fagundes Telles: edição crítica de Antes do Baile Verde. Também atua no cinema como ator, roteirista, preparador e diretor de elenco. Seu curta metragem A Barca (2019), baseado no conto “Natal na barca”, de Lygia Fagundes Telles, é seu primeiro filme como roteirista e diretor. De ver-se que está longe de ser alguém tateando na escrita ou pouco consciente de seu processo criativo.

Toda essa bagagem é perceptível em Fantasma, que, apesar de curto, não proporciona uma jornada rápida e fácil. A linguagem envolta numa névoa de melancolia e mistério é pantanosa e causa desconfortos e desafios ao leitor. Há poesia em cada frase e uma fragmentação contínua, pequenos pedaços, pequenos cacos escondidos sobre camadas e camadas de terra preta (tomando de empréstimo o termo da Arqueologia). Ali nesses fragmentos de vidas encontra-se a verdade ou o passado ou o presente desse ser abstrato e sobrenatural a que somos gradativamente apresentados.

"Nos lugares, após frequentados por pessoas diversas, há sempre um pouco delas: odores, raspas de pele, pelos, salivas, lembranças sonoras, humores vários. Grudam-se às paredes, tecidos, pisos. Por vezes, varam-nos.
Os lugares todos são palimpsestos de visitas."

A estagnação do fantasma é desconfortável. Estático num quarto de hotel, sente os odores, os gemidos, os vapores dos corpos que se entregam ao sexo, ao desamor, às futilidades cotidianas, ao ritmo ordinário das famílias, aos significados desprovidos de relevância da existência de quem chega e parte, de quem nunca permanece. A vida corre macia sem se dar conta da passagem dos dias ou dos percalços da estrada. Apenas o fantasma segue ali estagnado, vazio, desprovido de sentido e de significados, de corpo que lhe preserve o tato, a fala ou o sentimento.

Mesmo os nomes das coisas e pessoas parecem dizer pouco ou nada acerca delas. As palavras arvoram-se de um poder inestimável, místico e criador. Parecem trazer à existência novos sentidos a velhas existências. O criado mudo vira pequena cômoda. Perde-se o peso que a primeira tem? Esconde-se o passado cravado nas coisas, nos móveis, nos espaços? O fantasma perdeu o nome, perdeu-se do nome, e sem o nome perdeu-se de quem é, foi ou será. As palavras dançam com leveza e elegância em sua boca, em suas observações. A vida já não pulsa no corpo abandonado, mas o atravessa como o sopro divino dando luz ao barro.

"Paulo está sentado num velocípede, as mãos no volante, um dos pés levantados, apoiando na roda dianteira. Atrás, espalhados pelo chão do quintal, diversos brinquedos, bonecos de pelúcia, um cavalo de pau, um cachorrinho com uma orelha rasgada na base. Ao fundo, um pequeno arbusto grudado à parede. Minha mãe vai adorar rever o Paulo, vai ficar emocionada, disse a mulher, e logo depois levou uma das mãos ao rosto, ao ver a última imagem, passando os dedos sobre a fotografia, ampliando-a, reduzindo-a, olhando-a em seus detalhes, a ponta de um dos dedos deslizando sobre os rostos, as roupas: Quanto tempo, quanto tempo!"

É fácil se perder ao longo da leitura. Os muitos e fulgazes personagens, que vem e vão ou vem e voltam, deslocam o movimento para o que parece menos central no romance, e isso causa essa estranheza. Eis um ponto alto da narrativa. Nilton consegue criar um palimpsesto, induz ao esforço arqueológico de escavar, identificar, separar, tratar e interpretar para se chegar a quem foi, é ou será o fantasma. De algum modo, todos são aqueles que se movem, atravessam paredes, experimentam desejos, medos e sensações diversas. No quarto de hotel, além da mobília, apenas o fantasma permanece no mesmo lugar. São os vivos que atravessam as paredes, que assombram e se deixam assombrar, que se cruzam e se atravessam, tomando um o lugar do outro, nesse mix de inseguranças e certezas, cuidados e desleixos, paixões e ódios, afagos e agressões, beijos, fodas e abraços.

O fantasma está sempre ali, em pé, fundido aos móveis, ao papel de parede, perdido em si, sem se dar conta de que o tempo passa enquanto observa estagnado a outras vidas. E que outra metáfora poderia definir tão bem esses nossos dias, em que perdidos atrás de uma tela, num canto da casa, por trás das palavras, do pecado, do dedo em riste, ficamos parados, impotentes, mortificando o corpo, os desejos, os anseios? Afinal, não estamos aqui esperando e esperando e esperando a barca dos dias passar?

site: https://www.literaturabr.com/2022/07/01/fantasma-de-nilton-resende-2/
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Jaque 11/02/2024

O fantasma sou eu, é você, fomos nós um dia, ou ainda somos.
O que é a vida se não um emaranhado de memórias, de sentimentos, as impressões que deixamos na alma daqueles que por quem passamos, talvez o fantasma seja alguém que ainda não nasceu, alguém que não sabe o que é, um fluxo de consciência que se alimenta das impressões dos outros.
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